Instituições eleitorais no Brasil têm sido exemplares, diz professora de universidade americana

Para Maria Victoria Murillo, Bolsonaro cria um quadro de desconfiança em relação às regras do jogo

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São Paulo

Com o olhar de quem nasceu na Argentina e há quase três décadas atua nas mais prestigiosas universidades americanas, a cientista política Maria Victoria Murillo afirma: "Desde a transição democrática, as instituições eleitorais do Brasil têm sido exemplares".

Doutora por Harvard e professora da Universidade Columbia (Nova York), onde dirige o Instituto de Estudos Latino-Americanos, Murillo é mais uma especialista a refutar os ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) à Justiça Eleitoral.

Em entrevista à Folha, ela observa que as gerações de políticos que lutaram pelo retorno da democracia no Brasil sempre respeitaram e defenderam as regras eleitorais, mas que isso mudou com o atual presidente.

"Bolsonaro faz parte de um movimento internacional que ataca a legitimidade dessas regras. Em muitas partes do mundo, isso resultou em maior desconfiança em relação a tais regras, o que as enfraquece", diz.

Maria Victoria Murillo, diretora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia
Maria Victoria Murillo, diretora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia - Arquivo pessoal

Murillo afirma que esse tipo de iniciativa representa um risco porque, nas suas palavras, "a democracia se baseia em regras processuais e na aceitação da derrota para tentar [se eleger] novamente". Daí por que, diz ela, "o respeito ao sistema eleitoral é crucial".

Ou seja, quando Bolsonaro questiona as regras do jogo e insinua a possibilidade de não aceitar eventual derrota, ele está pondo em xeque a própria democracia. Mas, afirma a professora de Columbia, ele só terá sucesso se contar com apoios estratégicos.

Dito de outra forma: "A democracia se sustentará se tiver coalizões de cidadãos e atores políticos e sociais que a defendam".

Ainda assim, o desgaste provocado por Bolsonaro no Brasil ou por Donald Trump nos EUA, entre outros exemplos contemporâneos, tem um efeito danoso no longo prazo, sobretudo quando o alvo são instituições relativamente recentes.

"Os processos de enfraquecimento institucional afetam as expectativas da sociedade. É por isso que instituições mais antigas são geralmente mais fortes: porque as pessoas as consideram como um dado da realidade e é mais difícil que percam a legitimidade, embora não seja impossível", afirma.

De acordo com a cientista política, os ataques a uma instituição podem levar a seu enfraquecimento porque alguns setores da sociedade começam a perder confiança n ela. Isto é, deixam de acreditar na sua independência para resolver conflitos.

Pode-se imaginar o quanto esse processo é grave quando envolve o presidente do país e os sistemas eleitorais. Mas essas não são as únicas instituições ameaçadas por políticos, tenham eles o perfil de Bolsonaro ou não.

Segundo Murillo, esse é um problema bastante comum na América Latina, onde, diz ela, a fragilidade das instituições não é um erro, mas uma estratégia política.

Esse é o tema de seu livro mais recente, escrito em parceria com Steven Levitsky (Universidade Harvard) e Daniel Brinks (Universidade do Texas): "La Ley y La Trampa en America Latina" (a lei e a armadilha na América Latina, sem tradução em português).

E esse foi o assunto de sua conferência especial na abertura do 46º encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que começou na quarta-feira (12) e vai até o dia 19.

"As instituições são regras formais obrigatórias dentro do sistema político", afirmou em sua conferência. "Elas estabelecem um comportamento e prescrevem sanções caso alguém não se comporte como deve."

Mas essas regras não surgem no vácuo. "Todas as instituições são resultado de conflitos de poder e refletem certa correlação de forças", sustentou Murillo.

Em sua apresentação, a cientista política argumentou que um dos problemas da América Latina é que a desigualdade social elevada estimula a aprovação de leis voltadas à mudança do status quo, mas muitas delas terminam como "leis que não pegam".

A tolerância ao descumprimento pode ocorrer tanto porque os mais ricos conseguem de algum modo comprar exceções como porque as autoridades, de olho no voto, fazem vista grossa à aplicação de certas regras aos mais pobres.

Além disso, como os estados da região são fracos do ponto de vista fiscal e administrativo, eles têm reduzidas possibilidades de fazer com que as normas sejam efetivas.

Assim, seja na concepção das leis, seja na sua implementação, políticos latino-americanos têm incentivos para deixá-las frágeis, de modo que possam aplicá-las ou não de acordo com a sua conveniência, sem precisarem aprovar modificações legislativas.

Um exemplo citado pela especialista é o das leis ambientais sob Bolsonaro: muitas delas continuam em vigor, mas não há interesse por parte do Executivo para que se cumpram.

No âmbito eleitoral, o Brasil democrático vinha se diferenciando de outros países da região, nos quais as regras são alteradas ou contestadas para atender este ou aquele grupo político. E é isso que a ação de Bolsonaro pode mudar.

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