Descrição de chapéu Eleições 2022

SC tem bolsonarismo nas ruas, campanha 'clandestina' do PT e medo um do outro

Petistas catarinenses temem represálias do bolsonarismo; bolsonaristas temem comunismo

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Chapecó

Embora o país vivencie a eleição mais polarizada de todos os tempos, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), o único estado em que seus partidos se enfrentam diretamente nas eleições estaduais é Santa Catarina.

Nele, o senador Jorginho Mello (PL), apoiado pelo presidente, disputa contra o primeiro petista a alcançar o segundo turno no estado, o deputado federal Décio Lima (PT).

No primeiro turno, Jorginho fez 38% dos votos, contra 17% de Décio. O petista superou o candidato à reeleição Carlos Moisés (Republicanos) por uma diferença de apenas 17,3 mil votos. Eleito em 2018 na onda bolsonarista, o governador foi abandonado pelos apoiadores do presidente.

O retrato visual da campanha, porém, é de apenas um lado. O que se enxerga são cidades tomadas de verde e amarelo contra um eleitorado petista silencioso, quase clandestino.

Carro branco com a bandeira do Brasil passa por uma estátua gigante a céu aberto. Ao fundo, há uma igreja.
Em Chapecó (SC), candidatos de PL e PT ao governo estadual tem campanhas distintas, mas percentuais semelhantes. - Caue Fonseca/Folhapress

Em Chapecó –cidade com 227 mil habitantes, sexto maior colégio eleitoral de SC– Jorginho e Décio tiveram votações equilibradas: 29% a 27%. Porém é mais uma cidade em que só é visível a presença de bandeiras do Brasil e alguns adesivos de Bolsonaro, que superou Lula por 56% a 36%.

O que eleitores de ambos têm em comum é o grande medo de que o outro lado vença.

Dono de uma barbearia decorada com bandeira do Brasil e de Israel no bairro Engenheiro Braun, Deni Nogueira dos Santos, 46, considera-se um pioneiro do bolsonarismo na cidade. Diz apoiá-lo desde 2014, quando todos o achavam louco.

Chegou a votar em Lula em 2002, mas considera que o motivo de ele ter feito um bom governo foi "ter pego tudo alinhadinho, com o dólar a R$ 1,80" (a cotação estava em R$ 3,52 no início de 2003). Hoje, ele se diz preocupado com chance de vitória do petista.

"Muita gente que ia investir já deu uma segurada. Mas se [Lula] ganhar, o Bolsonaro elegeu uma bancada boa. Se fizer algo errado, o povo vai pra rua e ele vai ser impichado", diz.

A única ressalva que faz a Bolsonaro diz respeito ao porte de armas. Exemplifica com o caso de um sobrinho, que por pouco não foi baleado em uma briga de trânsito. Porém acredita nos princípios defendidos no discurso do presidente.

"Ele defende o correto: Deus, pátria e família. Porque, se não tiver família, a coisa desanda. Tenho sete irmãos, minha mãe nos criou sozinha e nenhum foi para o lado errado. Tem esse jeitão dele, mas quando está de sangue quente, qualquer um fala alguma coisa."

Homem de meia-idade bebe chimarrão sentado atrás de uma mesa. Ao fundo, se enxergam as cadeiras da barbearia e bandeiras de Brasil e Israel.
Deni dos Santos, 46 anos, decorou a barbearia em homenagem ao presidente em Chapecó - Folhapress

Do outro lado, o eleitorado petista na cidade é discreto. Joaquim, por exemplo, pede para não ter o sobrenome e o estado de origem citado. Hoje com 28 anos, seguiu a Santa Catarina com a esposa em busca de emprego durante a pandemia.

Ela conseguiu em uma fábrica, e ele segue procurando um emprego de carteira assinada enquanto trabalha como motorista de aplicativo. Ele fica surpreso em saber a votação do PT em Chapecó.

"Eu achava que era quase todo mundo [eleitor de Bolsonaro]. Não falo em política, ainda mais eu que sou de fora. Se falam bem do Bolsonaro, concordo da boca pra fora. Porque, se a gente discute com os clientes, baixam a nota [no aplicativo]. Um cliente me falou que, quando pega um motorista do Lula, faz print e manda para os amigos cancelarem as corridas."

Joaquim torce para que Lula vença, mas também tem receio da reação da clientela bolsonarista em caso de derrota, que ele acredita que ficará "ainda mais raivosa". "Mas melhor isso do que o povo passar fome", diz.

Cerca de 60 km ao norte de Chapecó, fica o município de Modelo. Com 4.000 habitantes, é conhecido pelo verde em abundância, preservado no centro bem arborizado e no leito do rio Saudades, que atravessa a cidade.

A maior parte das vitrines do comércio à margem da SC-160 reproduz o mesmo: bandeiras do Brasil.

No primeiro comércio, uma loja de eletrodomésticos usados, a conversa sobre política não é recebida.

A proprietária nega que a bandeira seja uma manifestação de apoio a Bolsonaro. Significa, então, que ela não o apoia? Sim, o apoia, mas prefere não se manifestar a respeito e pede que o jornalista se retire.

Diálogos semelhantes se repetem duas vezes antes de Zelir Bodanese, 55, ser a primeira a topar uma conversa sobre a eleição em curso, mas sem imagens. Dona de uma loja de móveis, ela se diz frustrada com o resultado do 1º turno. Esperava que Bolsonaro vencesse já na primeira etapa da disputa.

Convicta da existência de fraude nas urnas, se diz com "muito medo" de uma possível vitória da "corrupção, ladroeira, ideologia de gênero... enfim, do comunismo." Conceito que define citando uma médica cubana que atuou no município até 2018 pelo programa Mais Médicos.

"Ela se chamava Enriqueta, uma ótima médica e pessoa muito boa. Mas 80% do salário que ela recebia era enviado para o governo de lá. É o que vai acontecer conosco se o Lula e essa catrefa toda ganhar. Vamos mandar todo o dinheiro para Brasília e ele vai decidir o que vamos receber de volta", diz a empresária entre um chimarrão e outro.

Célia Casper, uma viúva de 81 anos, decorou a frente de casa com um casal de bonecos sentadinhos ao lado da bandeira nacional. Não estava disposta a votar. Saiu de casa, porém, em nome das quatro netas e da bisneta para votar em Bolsonaro, que não merecem "um presidente ladrão e comunista".

Sobre a alegação de inocência de Lula, é taxativa: "Inocente não vai pra cadeia como ele foi", declara.

Bolsonaro fez 54% dos votos em Modelo. Jorginho Mello (PL), candidato a governador, 34,25%. Chama a atenção que os candidatos petistas fizeram boas votações ali –Lula fez 36% dos votos para presidente em Modelo; Décio Lima, 21%.

A contabilidade das urnas revelou surpreendentes vitórias petistas de Décio na região –a maior parte dos 39 municípios em que venceu foram no oeste, mas são absolutamente invisíveis nas ruas mesmo nos municípios em que o partido teve as vitórias mais significativas.

Imagem mostra a fachada de um prédio com três bandeiras do Brasil em diferentes apartamentos.
Bandeiras do Brasil se espalham pelas ruas de Chapecó, em Santa Catarina - Caue Fonseca, Folhapress

No mapa do estado, há dois cinturões de vitórias de Décio em torno de Chapecó. O município em que o PT foi melhor foi em Saltinho, 95 km ao norte.

No município de 3.700 habitantes, Décio teve 49% dos votos, ante 21% de Jorginho. Lula venceu Bolsonaro por 61% a 33%. Ainda assim, não se enxerga sequer um adesivo do petista nas ruas. O prefeito de Saltinho é do partido e aponta uma questão estratégica na discrição.

"Claro que tem a questão de não querer se incomodar com os bolsonaristas. Mas, em municípios pequenos, colocar adesivo é chamariz para os adversários irem atrás desses votos. Inclusive para tentar comprar. Então só damos adesivos para quem pede, o que é raro", diz Edimar Noronha (PT).

"Como o PT tem tradição aqui, preferimos conversar e garantir que todos recebam materiais de campanha em casa e saibam os números dos candidatos", completa.

Para encontrar um petista de peito aberto, é preciso subir os morros em direção à periferia do município.

Em uma casa de madeira, mora o casal Nilson Antonio de Azevedo, 56, Loreci Aparecida Ramos, 47, e Delvina Avezedo, mãe de Nilson, 82. Eles trabalhavam como terceirizados na escola estadual do município até meses atrás. Hoje, estão na informalidade.

"Se eu coloco uma bandeira ou adesivo aqui, aparece alguém querendo brigar. Porque o homem lá [Bolsonaro] incentiva. Ele é das armas, briguento. Mas vota nele quem tem um pouco [de dinheiro]. Se você faz a curva aqui atrás, não encontra mais nenhum eleitor dele", diz Noronha.

Sem bandeiras, acompanham Lula por meio de vídeos no aplicativo Kwai, no celular. A família resume como os principais motivos do voto no PT a expectativa de alimentos e gasolina mais baratos, como eram em outros tempos e, principalmente, gratidão.

"Minha filha fez faculdade de psicologia no tempo do Fernando Haddad [ministro da Educação entre 2005 e 2012]. Ela foi para Chapecó terminar o curso sem ter onde morar. Ela e o meu genro conseguiram um terreno e uma casa pelo Minha Casa, Minha Vida. Desde então, eu prometi: enquanto o Lula sair candidato eu voto nele", diz.

Homem de meia idade de boné está escorado em mesa em frente a uma casa de madeira. Ao fundo, sua esposa e sua mãe. Atrás delas, há um carro popular vermelho estacionado.
Nilson, Loreci e Delvina Azevedo são eleitores petistas em Saltinho, município em que PT venceu as eleições em SC. - Caue Fonseca,/Folhapress
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