Tamanho do centrão é chave, seja Lula, seja Bolsonaro, diz cientista político

Para Fabiano Santos, Congresso tem se tornado o epicentro do processo político no país

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São Paulo

Seja quem for o presidente eleito neste ano, o tamanho do centrão será a chave para a relação entre o Executivo e o Legislativo, afirma o cientista político Fabiano Santos. Mas, diz ele, não pelos mesmos motivos.

Caso vença Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o melhor cenário seria um centrão menor, de modo que ele possa organizar uma coalizão em torno de compromissos programáticos.

Na hipótese de Jair Bolsonaro (PL) ser reeleito, afirma Santos, dá-se o oposto. O melhor cenário é com um centrão inchado, pois o bloco pragmático funciona como fator de mitigação das características extremadas do presidente.

Contornar o centrão está fora de questão para qualquer um dos dois, diz Santos, que coordena o Observatório do Legislativo Brasileiro no Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

"Faz parte da democracia. O Executivo precisa olhar a correlação de forças no Congresso e organizar uma coalizão minimamente operacional e definir uma agenda clara para o país", afirma.

Para ele, o Congresso Nacional foi conquistando protagonismo crescente desde a redemocratização e tem se tornado cada vez o epicentro do processo decisório político no país.

Rosto de homem branco, de cabelo grisalho bem curto e de óculos, em frente a um muro com um desenho caricatural de um rosto roxo
O cientista político Fabiano Santos - Eduardo Anizelli/Folhapress

Neste ano, muitos partidos lançaram nomes de peso para a Câmara dos Deputados. Para ficar em dois exemplos, Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede) já disputaram a Presidência e agora miram o Congresso. A que se deve essa estratégia? É difícil avaliar estratégias dos partidos no âmbito nacional, porque a decisão de organizar a lista e a chapa é tomada no âmbito estadual. A pergunta é: a mesma estratégia vale para o conjunto dos partidos e para o conjunto dos estados? Vamos supor que sim.

É claro que o Legislativo brasileiro tem assumido um protagonismo cada vez maior no processo político recente. O episódio mais sintomático foi o impeachment de Dilma Rousseff [PT], mas outros fatos giram em torno desse mesmo aspecto. Por exemplo, a aprovação das emendas impositivas e, mais recentemente, toda a polêmica em torno do orçamento secreto. O poder de decidir a alocação do dinheiro arrecadado dos impostos tem aumentado muito.

Então, é muito razoável imaginar que os partidos vejam o lançamento de candidaturas fortes para o Legislativo como uma estratégia importante, porque o Legislativo tem se tornado cada vez mais o epicentro do processo decisório político do país.

Quanto desse fortalecimento do Congresso se deve a uma fraqueza dos últimos presidentes da República e quanto é uma evolução institucional natural? Uma característica da transição democrática no Brasil é o Legislativo hipotrofiado e o Executivo hipertrofiado, como herança do período autoritário. O poder de decreto foi mantido, por exemplo, assim como vários outros procedimentos de poder extraordinário do Executivo. Isso contribuiu para ter esse Poder como centro quase incontrastável do processo decisório.

Aos poucos, o Congresso foi conquistando suas prerrogativas. Na medida do possível, foi querendo se estabelecer como ator protagonista do processo político, foi estabelecendo limites para a atuação incontrastada do Executivo e foi acumulando capacidade institucional. Por exemplo, foi aumentando a sua capacidade de processar e produzir informação, foi aumentando e sofisticando as suas assessorias.

Por outro lado, aqueles partidos que uma vez foram governo passaram a atuar no Congresso. Aqueles grupos de interesse que não conseguiam ter entrada no Executivo passaram a atuar no Legislativo. E é natural que esse espaço de poder seja ativado pelas forças partidárias e pela sociedade para pautar a sua agenda.

E, ao lado disso, tem a conjuntura. Tanto Dilma teve dificuldades em organizar o processo político –por fatores de crise: externa, econômica, de investigação de corrupção— quanto o atual presidente teve muitos problemas no seu mandato, mas por decisões próprias de não organizar uma coalizão com os principais partidos e definir uma agenda clara de políticas públicas com o Congresso.

Então, na medida em que a conjuntura permite, o Congresso vai abocanhando cada vez mais espaço.

Essas alterações que levaram a um novo equilíbrio entre Executivo e Legislativo são, na sua visão, positivas ou negativas? É difícil fazer uma avaliação em bloco. Nós temos modificações positivas, como a mudança na tramitação das medidas provisórias. Antes, o Executivo podia reeditá-las sem que finalmente fossem aprovadas pelo Congresso. Em 2001, isso mudou, e a aprovação pelo Congresso, num prazo definido, tornou-se obrigatória para que a medida provisória se tornasse lei. Essa mudança foi muito importante, porque exige que o Executivo busque a cooperação dos partidos no Congresso para aprovar sua agenda.

Mais recentemente, tivemos algumas modificações que precisam ser corrigidas logo no desdobramento do novo governo, como a nova lei orçamentária das emendas impositivas. Eu não acho que, em si, ela seja ruim. É razoável que o Executivo não tenha poder ilimitado de contingenciar aquela parcela pequena de investimentos sobre a qual o Legislativo pode falar alguma coisa.

Mas não é razoável o que aconteceu em 2020, com a retomada das emendas de relator. Essa modificação permite que o relator do Orçamento adicione uma quantidade ilimitada de emendas e não identifique quem foi o autor da emenda incorporada, qual o município e qual o projeto beneficiado.

Foi uma medida aprovada de comum acordo entre Executivo e Legislativo e que significa um enorme retrocesso, porque retira transparência do processo.

A avaliação do Congresso nas pesquisas de opinião costuma ser ruim. Tem alguma reforma que poderia ser feita para melhorar a qualidade da representação parlamentar? É possível pensar em reformas que aperfeiçoem o processo legislativo e a democracia, mas é muito difícil associar essas mudanças a uma repercussão positiva na opinião pública. O Congresso tem 513 deputados e 81 senadores. Tudo que acontece de ruim com um deles acaba carregando junto a imagem do Congresso. A avaliação que as pessoas fazem do conjunto institucional é muito contaminada por fatos individuais bombásticos e negativos.

Mas, embora a avaliação continue baixa, ela tem sido revertida [nos últimos anos] porque o Congresso se posicionou de maneira razoável em relação ao governo Bolsonaro, à decisão dele de não fazer coalizão, à posição negacionista na pandemia. Dentro das limitações, o Congresso foi muito eficiente na resposta. Colocou o mínimo ao país.

Pode-se não gostar da composição do Congresso atual, pode-se não concordar com as posições deste ou daquele ator político, mas, no seu conjunto, o Congresso deu resposta a emergências da sociedade, coisa que o Executivo não fez. Por exemplo, na aprovação dos auxílios. Acho que ficou claro para a sociedade o papel fundamental do Congresso nas iniciativas que diminuíram o sofrimento da população durante a pandemia.

Considerando essa atuação do Congresso e as atuais regras eleitorais, com o fim das coligações, por exemplo, é possível imaginar como vai ser a cara do próximo Legislativo? As mudanças são importantes, e os efeitos, difíceis de medir. Nós temos algumas desconfianças, e é em cima delas que podemos trabalhar. Sabemos que a esquerda e a centro-esquerda lançaram um número muito menor de candidaturas do que a direita. Se a gente considerar que o número de candidatos é preditor mínimo do tamanho das bancadas, a gente pode prever que a composição ideológica do Congresso, atualmente bastante inclinada para a direita, não vai mudar tanto assim.

Para ponderar isso, tem o desempenho na eleição presidencial. É possível imaginar que, como resultado da campanha bem-sucedida do Lula –no sentido de que ele é favorito até o momento—, as bancadas que giram em torno do PT podem crescer um pouco.

O último ponto é o poder que o orçamento secreto tem dado aos partidos do centrão. Esse poder de descarregar nos municípios uma grande quantidade de dinheiro e barganhar isso em troca de votos com os prefeitos. Supõe-se que esse seja um mecanismo muito eficiente para captura de votos. Mas a gente sabe também que as bancadas mais ideológicas à direita têm aumentado não com votação concentrada em torno de poucos municípios como resultado de despejo de recursos públicos.

Então temos diferentes vetores caminhando em diferentes direções. Do ponto de vista do número de partidos, a tendência é que ele diminua. Mas, no agregado ideológico, a gente pode imaginar que será um Congresso de centro-direita com um pouco mais de equilíbrio para a esquerda.

Supondo esse cenário, do ponto de vista da relação com o Congresso, qual é o maior desafio do próximo presidente se ele for Lula? E se for Bolsonaro? A chave para essa pergunta é o tamanho do centrão, e é curioso notar que as respostas caminham em sentidos distintos.

Para Lula, um centrão muito grande é um risco para a montagem da sua coalizão, porque o centrão, por conta da sua maleabilidade, mostrou ser um bloco que, dadas as condições, pode compor uma força para um impedimento. Então ao Lula interessa diminuir o tamanho do centrão, porque isso significaria aumentar a parcela dos partidos de centro mais liberal e dos chamados progressistas, de forma que possa dar um caráter mais programático à organização da sua coalizão.

Num governo Bolsonaro, um centrão inchado é interessante, porque o centrão também é formado por um grupo de políticos pragmáticos, para os quais a manutenção do jogo eleitoral é importante. Portanto, o centrão é um fator de mitigação do caráter mais ideologizado, mais extremado do Bolsonaro. Isso foi verdade durante seu primeiro mandato.

O presidente tem como contornar o centrão? Não. Faz parte da democracia compor com as forças representadas no Legislativo. O Executivo precisa olhar a correlação de forças no Congresso e organizar uma coalizão minimamente operacional e definir uma agenda clara para o país.

Se Lula encarar um centrão inchado, vai ter que negociar com aquelas parcelas desses partidos que estão dispostas a negociar.

No caso do Bolsonaro, é um pouco mais complexo por conta da característica dele, de permanentemente deslegitimar o próprio processo democrático. Se ele encara um Congresso mais problemático para ele, com centrão menos inchado, vai precisar discutir uma agenda com o Congresso, no seu conteúdo.

A tentativa que ele fez durante o início do seu mandato de governar ao arrepio do Congresso não deu certo. Agora, o modo pelo qual o problema de governabilidade do Bolsonaro foi resolvido não foi virtuoso. Foi através da distribuição não transparente de recursos orçamentários para bases eleitorais de parlamentares.

Esse que é o retrocesso. E isso não pode continuar, porque isso significa ferir um dos princípios básicos do jogo democrático, que é a clareza no comportamento dos atores que têm o voto e a responsabilidade diante dos eleitores.


RAIO-X

Fabiano Guilherme Mendes Santos, 58
Mestre e doutor em ciência política, é professor e pesquisador do Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Observatório do Legislativo Brasileiro. É subcoordenador do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, que faz parte do Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia.

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