Uso da máquina por Bolsonaro e assédio eleitoral marcam eleição

Segundo turno tem anúncios de benefícios e explosão de relatos de atuação ilegal de empresas

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São Paulo e Brasília

A campanha eleitoral que chega ao fim neste domingo (30) teve entre suas marcas dois fatores que levantaram críticas sobre favorecimento à candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O presidente, em desvantagem nas pesquisas desde o ano passado, apostou nos efeitos sobre sua popularidade de um conjunto de medidas econômicas articuladas às portas da campanha, como pagamento de benefícios sociais.

Também contou com uma onda de empresários que o apoiam agindo para impulsionar sua candidatura entre empregados, em prática ilegal apelidada de assédio eleitoral, que é investigada em diversas partes do país.

Bolsonaro durante coletiva de imprensa para anunciar o apoio de cantores sertanejos à sua reeleição - Pedro Ladeira - 17.out.22/Folhapress

O uso da máquina federal incluiu uma inédita autorização concedida pelo Congresso para gastos emergenciais, aprovada faltando um mês para o início oficial da campanha.

A lei eleitoral proíbe a implementação de novos benefícios no ano das eleições, mas, sob justificativa de estado de emergência em decorrência da Guerra da Ucrânia, esse tipo de despesa foi liberado.

O posicionamento da oposição à época também foi questionado. No Senado, a chamada PEC Kamikaze foi aprovada em junho com um único voto contrário, do tucano José Serra (SP) que disse que a proposta era eleitoreira e rasgava a Constituição.

Antes, o Congresso, liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já havia aprovado mudanças na tributação dos combustíveis, determinando a redução dos impostos cobrados pelos estados. A consequente diminuição dos preços esvaziou o que tinha sido um dos principais motivos de críticas ao governo por parte de opositores ao longo do primeiro semestre.

A melhora na popularidade de Bolsonaro foi lenta. Já após o primeiro turno, quando o mais votado foi o ex-presidente Lula (PT), o governo tomou mais iniciativas, inclusive turbinando benefícios instituídos na chamada PEC Kamikaze.

Foi anunciado no último dia 7, por exemplo, que o auxílio de R$ 1.000 pago a taxistas seria incrementado com uma parcela extra de até R$ 500 no fim do ano. O programa de ajuda a caminhoneiros, também criado no meio do ano, teve seu cronograma antecipado há duas semanas.

O Auxílio Brasil, reajustado em virtude da PEC, teve seu calendário antecipado em outubro, fazendo com que os pagamentos fossem concluídos ainda antes do segundo turno.

Bolsonaro também anunciou após a primeira votação que iria zerar a fila do Auxílio Brasil até o fim do mês, com a inclusão de cerca de 500 mil famílias no programa.

No último dia 11, passaram a ser liberados empréstimos consignados para 700 mil beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC (Benefício de Prestação Continuada).

Também no início de outubro, diante de debates na campanha sobre a renegociação de dívidas das famílias mais pobres, a Caixa Econômica relançou o programa "Você no Azul", que já existia desde 2019 e que oferece descontos de até 90% a pessoas físicas e empresas.

A Caixa também anunciou, no último dia 17, a liberação de R$ 1 bilhão em crédito para impulsionar a formalização de mulheres empreendedoras que atuam sem CNPJ. O eleitorado feminino, ao longo da campanha, foi uma das prioridades dos estrategistas da candidatura do presidente.

Outra medida divulgada recentemente foi a aprovação, por parte do Conselho Curador do FGTS, de proposta apresentada pelo governo para que recursos futuros do trabalhador no FGTS sejam utilizados em financiamentos imobiliários para a baixa renda.

O uso da máquina federal pelo candidato à reeleição também ocorreu por meio da estrutura estatal. O maior exemplo disso ocorreu no 7 de Setembro, quando as comemorações do Bicentenário foram transformadas em comícios em Brasília e no Rio. Houve ainda outros episódios, como anúncios de apoios eleitorais dentro da residência oficial e a utilização da TV Brasil.

Ministério Público tem gabinete de crise contra assédio

O número de denúncias de assédio eleitoral explodiu após o primeiro turno e levou o MPT (Ministério Público do Trabalho) a instalar um gabinete de crise.

Procuradores do trabalho de todas as regionais também foram convocados para atuar no final de semana do segundo turno e tentar coibir, por exemplo, que empregadores retenham documentos de empregados.

Os relatos que vieram à tona mostraram patrões chantageando funcionários a votar no presidente Bolsonaro com promessas de pernil, folga, bônus de R$ 200, 14° e 15° salário ou ameaçando trabalhadores de demissão caso a vitória seja do ex-presidente Lula.

A explosão de denúncias acendeu o alerta entre petistas e sindicalistas. A campanha de Lula levou o problema ao presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, e ao procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira. Já as centrais sindicais criaram um site para receber informações das vítimas, inclusive de forma anônima.

Minas Gerais não havia registrado nenhum caso até o primeiro turno das eleições. Agora, o número de denúncias de assédio eleitoral no estado já é maior que o de todo o país na campanha eleitoral de 2018.

Mesmo com quase 30 anos de atuação na área, o procurador-geral do Trabalho afirmou à Folha que ficou surpreso com a escalada de casos, e com a "naturalização" do ilícito: a forma destemida com que empregadores fizeram ameaças e prometeram benefícios em troca de votos.

"Geralmente, quando alguém comete assédio moral, por exemplo, faz escondido, não deixa provas. Agora não. É como se fosse um elemento da relação trabalhista você forçar alguém a votar em um candidato porque você o emprega. Não estão nem preocupados se vão ver, se não vão ver. Ou acreditam que não tem instituição funcionando, ou acreditam que isso é um ato normal."

Até um dos filhos políticos de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo (PL-SP) se envolveu em um caso do tipo. Na semana passada, ele discursou a favor da candidatura do pai para funcionários reunidos por executivos de um frigorífico no interior de Minas, o Rivelli.

A Embraer firmou acordo após relato de ameaça, por ocupantes de cargos de chefia, de demissão caso o ex-presidente Lula ganhe a eleição.

No Paraná, a Justiça do Trabalho acolheu denúncia contra a cooperativa Lar, a terceira maior do agronegócio do Paraná. O diretor-presidente enviou carta a funcionários pedindo voto em Bolsonaro. A cooperativa, posteriormente, publicou nota em seu site afirmando respeitar a liberdade de voto.

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