Atos golpistas pelo país são inflamados por fake news e Bolsonaro

Manifestantes vão para a frente de quartéis; Mourão diz que golpe colocaria país em situação difícil

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São Paulo, Brasília, Ribeirão Preto e Rio de Janeiro

Atos golpistas foram realizados nesta quarta-feira (2) por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) em ao menos 18 estados do país e no Distrito Federal, principalmente na frente de quartéis ou repartições militares, para questionar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial do último domingo (30) e defender intervenção das Forças Armadas.

Com faixas, cartazes, gritos de guerra e interdições do trânsito, os defensores de um golpe de Estado saíram às ruas no feriado de Finados nas principais capitais, incluindo São Paulo, Brasília e Rio, inflamados por uma série de fake news e estimulados por Bolsonaro.

Manifestantes golpistas a favor do presidente Jair Bolsonaro na praça Duque de Caxias, no centro do Rio de Janeiro
Manifestantes golpistas a favor do presidente Jair Bolsonaro na praça Duque de Caxias, no centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

O presidente publicou um vídeo no final da tarde pedindo para seus apoiadores liberarem rodovias que estão obstruídas, mas afirmou que os outros atos eram "do jogo democrático" —apesar das reivindicações golpistas.

"Os protestos, as manifestações, são muito bem-vindas, fazem parte do jogo democrático. [...] Agora, tem algo que não é legal. O fechamento de rodovias pelo Brasil prejudica o direito de ir e vir das pessoas", disse. "Outras manifestações que vocês estão fazendo pelo Brasil todo, em praças, fazem parte do jogo democrático. Fiquem à vontade. E deixo claro: vocês estão se manifestando espontaneamente."

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, chegou a divulgar vídeo da manifestação golpista do Rio, reproduzindo uma fala do pai em discurso no dia anterior: "os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral".

Um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro, o ex-ministro do Turismo Gilson Machado compareceu ao evento em Brasília.

Já o vice-presidente, general Hamilton Mourão (Republicanos), senador eleito pelo Rio Grande do Sul, alertou para as consequências das reivindicações golpistas, cobrou "altivez" na derrota e citou a força para "bloquear as pautas puramente esquerdistas" e retornar "muito mais fortes em 2026".

"Agora querem que as Forças Armadas deem um golpe e coloquem o país numa situação difícil perante a comunidade internacional", escreveu em rede social, afirmando que as "manifestações ordeiras" são "bem vindas", mas que o "sentimento de frustração" surgiu "quando aceitamos passivamente a escandalosa manobra jurídica" que anulou os processos de Lula em 2021, permitindo sua candidatura.

Além de espalharem imagens falsas ou antigas sobre a presença de veículos do Exército atuando nas cidades e afirmações inverídicas de que a fraude nas urnas foi comprovada, manifestantes chegaram a comemorar nos atos uma fake news da "prisão" do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, tido como algoz por bolsonaristas.

A mobilização golpista, iniciada com bloqueios de caminhoneiros em rodovias após a divulgação da vitória eleitoral de Lula, atingiu a porta de diversas repartições militares um dia após Bolsonaro romper seu silêncio de 45 horas depois da confirmação de sua derrota nas urnas.

O presidente fez um reconhecimento implícito da derrota na terça (1), criticou atos com "cerceamento do direito de ir e vir", mas disse que "as manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas", insuflando grupos bolsonaristas em aplicativos e redes sociais.

Lula foi eleito pela terceira vez e assumirá um novo mandato em 1º de janeiro. Já Bolsonaro, que repetiu declarações golpistas ao longo de seu mandato, amargou uma inédita derrota de um presidente que disputava a reeleição no país.

Em São Paulo, milhares de manifestantes golpistas se concentram em frente ao Comando Militar do Sudeste, na região do parque Ibirapuera (zona sul), cobrando "intervenção federal".

Vestindo camisetas da seleção e com bandeiras do Brasil, os golpistas protestaram contra o sistema de Justiça gritando "supremo é o povo" e pedindo que militares deem um golpe de Estado.

Os manifestantes seguravam placas com mensagens em inglês por resistência civil. Eles cantavam o hino nacional e aumentavam o tom dos gritos e levantavam as bandeiras quando viam algum helicóptero da imprensa.

Nas rodinhas, circulavam teorias da conspiração como que uma suposta fraude teria sido comprovada nas eleições e a de que não era para comprar água vendida pelos ambulantes, porque petistas teriam colocado algo para contaminá-los.

No fim da tarde, informações falsas se espalhavam entre os grupos de manifestantes golpistas, que chegaram a comemorar que o Exército, segundo eles, finalmente teria decidido agir até a 0h.

Os apoiadores do presidente gritavam "fora, Lula" e "Brasil". Moradores responderam ao buzinaço de suas janelas, gritando "Bolsonaro ladrão".

No Rio de Janeiro, milhares de manifestantes golpistas se reuniram desde a manhã em frente ao Comando Militar do Leste, no centro, ao som do hino nacional.

Um vídeo nas redes sociais mostrou uma viatura da 24ª delegacia (Piedade) levando uma bandeira do Brasil, em conduta que está sendo apurada por sindicância da Corregedoria-Geral da Polícia Civil.

Causou furor também a falsa notícia de que Alexandre de Moraes teria sido preso.

Em Brasília, manifestantes favoráveis a um golpe de Estado em prol de Bolsonaro se reuniram em frente ao Quartel General do Exército.

Com bandeiras a favor de "intervenção federal", os golpistas evitaram usar termo "intervenção militar", o nome do presidente, o slogan da campanha fracassada à reeleição e o número do partido de Bolsonaro nas urnas.

O ato tentava disfarçar o tom golpista com frases genéricas de apoio ao Brasil, à pátria e às Forças Armadas.

Uma das faixas levadas pelos manifestantes foi recortada para deixar apenas a frase "S.O.S. F.A.". O texto original, segundo o militante que carregava o cartaz, incluía "com Bolsonaro no poder". De acordo com ele, a orientação veio da "assessoria jurídica" do ato.

Em outro momento, os manifestantes tentaram disfarçar o slogan eleitoral do presidente. Em vez de "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", usaram "Deus acima de todos e Brasil em primeiro lugar no mundo".

Os protestos também ocorreram em cidades paulistas como Ribeirão Preto e Campinas. Nos cartazes, as pessoas pediam "Intervenção federal" e entre os dizeres repetidos à exaustão pelos participantes estavam "Nós exigimos intervenção federal" e "Deus, pátria, família".

Por volta das 12h, uma multidão de verde e amarelo tomou conta de três quadras do Centro Histórico de Porto Alegre no limite da rua dos Andrades, onde fica o Comando Militar do Sul e outros prédios militares.

O clima era parecido com o de 7 de Setembro, exceto pela ausência de candidatos que apoiavam Bolsonaro. A faixa mais vista era de "intervenção federal". Outra faixa pedia "destituição dos togas pelo Congresso".

A maioria dos manifestantes abordados foi hostil a pedidos de entrevista. O repórter foi hostilizado por um apoiador de Bolsonaro: "Tu quer ser enquadrado aqui? Vê lá o que está escrevendo". Questionado sobre quem enquadraria o repórter, ele se afasta.

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