Descrição de chapéu Independência, 200

Batalha de Pirajá, há 200 anos, foi ápice de guerra por Independência na Bahia

Tropas portuguesas tentaram furar o cerco a Salvador em luta campal que reuniu ao menos 4.000 soldados

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Salvador

O traço inconfundível do artista plástico Carybé, o mais baiano dos argentinos, apresenta uma luta em tom épico: soldados uniformizados misturados a homens do povo, vaqueiros de gibão e chapéu de couro, cavalos tombados ao chão.

Em "Batalha de Pirajá", mural de 1978, o artista tentou recriar uma das principais disputas campais da Independência do Brasil, em Salvador, dois meses depois do Grito do Ipiranga de dom Pedro.

"A Batalha de Pirajá" (1978), mural de Carybé - Reprodução do livro "O Sequestro da Independência" (Companhia das Letras)

A batalha, que completa 200 anos nesta terça-feira (8), durou cerca de oito horas, reuniu cerca de 4.000 soldados e foi uma tentativa dos militares fiéis a Lisboa de furar o cerco terrestre que as tropas brasileiras aliadas a dom Pedro 1º impunham a Salvador para consolidar a Independência.

A luta representou o ápice de uma guerra que registrou os primeiros distúrbios em fevereiro de 1822, eclodiu como luta armada em junho daquele ano e só teve fim em julho de 1823 com a expulsão das tropas portuguesas.

"Há um protagonismo popular nesse processo. A Independência na Bahia não foi resolvida nos gabinetes e nos salões. Ela foi resolvida nos campos de batalha, nas ruas e nas praças", explica o historiador Sérgio Guerra Filho, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Depois de deixarem Salvador acossados pelos portugueses e rumarem para Cachoeira, no Recôncavo baiano, os apoiadores da Independência organizaram a retomada da capital com a criação de batalhões patrióticos. Avançaram por terra e cercaram Salvador, impedindo a entrada de armas e, principalmente, alimentos que eram produzidos no interior.

Em outubro, o lado brasileiro da guerra foi reforçado pelo já imperador Dom Pedro 1º, que mandou armas, soldados e oficiais que formariam as três brigadas do Exército liderado por um mercenário francês, o general Pierre Labatut.

Um quartel foi improvisado no Engenho Novo de Pirajá, reunindo as tropas que misturavam soldados regulares e voluntários, que incluíam sobretudo brancos pobres, negros libertos e negros escravizados enviados pelos seus senhores.

Hoje um bairro do Subúrbio Ferroviário Salvador, Pirajá fica na costa da Baía de Todos os Santos e tem geografia complexa: fica próximo à enseada de Itapagipe, possui escarpas que levam à parte alta da cidade e na época tinha uma vegetação densa, cuja área remanescente abriga o Parque de São Bartolomeu.

Foi neste campo de batalha que em 8 de novembro de 1822, os batalhões patrióticos reforçados pelas tropas do Imperador enfrentaram o seu primeiro grande teste contra os soldados portugueses aquartelados em Salvador.

centralizado dentro de uma moldura oval, está um retrato de pierre labatut. ele é um homem branco de cabelos curtos, entre o preto e o grisalho, e usa uma condecorada farda militar
Retrato de Pierre Labatut feito por Oscar Pereira da Silva em 1925; obra integra o acervo do Museu do Ipiranga - Acervo do Museu do Ipiranga

A batalha foi desencadeada por uma tentativa do Exército português de desalojar os soldados brasileiros das regiões de Pirajá, Coqueiro e Cabrito e conter o avanço das tropas inimigas, que faziam um cerco por terra para a retomada de Salvador.

O conflito armado começou ainda na madrugada com o desembarque de soldados portugueses nas praias de Itacaranha e Plataforma, local que concentrou os mais duros embates da batalha, que se estenderam da costa até às escarpas que dão acesso a Pirajá.

Outro ponto de combate aconteceu entre os hoje bairros de São Caetano e Campinas de Pirajá. O terceiro ataque dos portugueses partiu do Morro do Conselho, no hoje bairro do Rio Vermelho, em direção à região de Armação, orla atlântica de Salvador.

Conforme aponta o historiador Luís Henrique Dias Tavares (1926-2020), pouco se sabe sobre o desenrolar das batalhas de 8 de novembro de 1822 e qual foi o fator determinante na vitória dos brasileiros.

"Faltam registros militares. Essa falha não permite localizar com exatidão os locais dos combates, como também os motivos do recuo das tropas portuguesas perante a resistência das tropas brasileiras", afirma Dias Tavares no livro "Independência do Brasil na Bahia".

Em comunicado ao Conselho Interino no dia seguinte, o general Pierre Labatut, que não participou da batalha, informou que as tropas portuguesas cederam "pelo valor e denodo das bravas" tropas. Em proclamação aos soldados, chamou os portugueses de "fracos e indignos de temor".

O general Madeira de Mello, Governador das Armas da Bahia e líder das tropas portuguesas, disse em carta a dom João VI, que a batalha foi apenas uma missão de reconhecimento e creditou as baixas à falta de armas, munições e soldados.

A versão que ganhou o imaginário popular, contudo, veio de um poema de Ladislau dos Santos Titara, responsável pelas correspondências do general Labatut, que alçou à condição de herói o cabo-corneta Luís Lopes.

Diante das dificuldades da batalha, o comandante Barros Falcão teria ordenado que o corneteiro fizesse o toque de retirada, fazendo com que as tropas brasileiras recuassem. Mas ele teria feito o contrário, entoando o toque de "avançar a cavalaria e degolar".

O toque de ataque teria assustado os portugueses que se imaginaram em menor número de soldados e bateram em retirada de forma desordenada.

A versão de Ladislau dos Santos Titara da história foi referendada no livro "Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia", de Ignácio Accioli e Braz do Amaral. Mas não é consenso entre os historiadores, que veem falta de registros históricos sobre o papel do Corneteiro Lopes na batalha.

Ainda assim, o Corneteiro Lopes virou figura central na construção mítica da Independência na Bahia, representando a bravura das tropas brasileiras diante dos portugueses.

As batalhas seguiram nas semanas seguintes. Em 19 de novembro, cerca de 200 escravizados armados dos engenhos da Mata Escura e Saboeiro atacaram Pirajá enganados por promessas de alforria caso aderissem aos portugueses.

Os brasileiros prevaleceram no ataque e Labatut mandou fuzilar os 50 homens e chicotear as 20 mulheres escravizadas que haviam sido presas.

Pirajá, por sua vez, se tornou um dos marcos da luta pela Independência, anfiteatro do que o poeta baiano Castro Alves (1847-1871) chamou de batalha de gigantes no poema "Ode ao Dois de Julho".

"A pugna imensa / Travava-se nos cerros da Bahia… / O anjo da morte pálido cosia / Uma vasta mortalha em Pirajá. / "Neste lençol tão largo, tão extenso / "Como um pedaço roto do infinito … / O mundo perguntava erguendo um grito: / "Qual dos gigantes morto rolará?!"

A resposta definitiva veio em 2 de julho de 1823.

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