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Eleições 2022 forças armadas

Lula desarma golpismo bolsonarista sem embate com militares

Relatório da Defesa paga pedágio a Bolsonaro e encerra de forma melancólica relação tumultuada

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São Paulo

Em sua primeira incursão a Brasília após ser eleito presidente pela terceira vez, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi cirúrgico. Prometeu normalidade institucional, abriu portas ao centrão e buscou desarmar o discurso golpista que subsiste em estradas e na frente de quartéis Brasil afora.

O temor do mundo político residia no uso que o bolsonarismo quer fazer do relatório do Ministério da Defesa acerca das urnas eletrônicas, que cumpriu o papel de deixar suspeitas no ar apesar de atestar que não houve fraude no pleito —um fim melancólico para a tumultuada reinserção dos militares na política sob Jair Bolsonaro (PL).

Bolsonarista pede intervenção militar em frente ao CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), em São Paulo
Bolsonarista pede intervenção militar em frente ao CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), em São Paulo - Jardiel Carvalho - 2.nov.2022/Folhapress

Não por acaso, o texto só foi divulgado depois que Lula concedeu sua entrevista coletiva, após reunião com o destinatário do papelório, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes.

O petista evitou dar oxigênio para o golpismo. Disse que "não há tempo para vingança", para sacar na sequência sua primeira declaração acerca dos protestos.

"Essas pessoas não têm o que contestar", afirmou, completando de forma nada inocente que é necessária a investigação acerca do financiamento dos atos antidemocráticos. Esta é a pedra de toque do manejo jurídico de Moraes em casos semelhantes.

Nenhuma palavra sobre o relatório ou acerca do papel complexo que estratos militares diversos, Defesa, serviço ativo e reserva, tiveram no relacionamento íntimo com o capitão reformado do Exército Bolsonaro.

Ponto para Lula, que teve interlocutores alertados nos últimos dias de que a caserna quer passar a régua no tema das urnas eletrônicas. Não se sabe ainda se isso é uma sinalização de armistício, mas ao focar nos manifestantes como entes isolados, o petista acenou.

Um integrante da cúpula militar dizia, na noite de quarta (9), que não havia alternativa e que Bolsonaro desejava algo ainda mais contundente, tentando assim pintar um quadro de cooperação fardada para evitar uma crise.

Se a versão lhe é conveniente, e é, ela também casa com a ideia de que alguma normalização está sendo buscada. A reação do TSE, "recebendo com satisfação" a peça, vai nesse sentido de fim de jogo.

Como a Folha mostrou na segunda (7), a relação entre o presidente eleito e os fardados tem várias arestas egressas do episódio do tuíte do ex-comandante do Exército que pressionou o Supremo a não lhe conceder um habeas corpus em 2018.

Naturalmente, toda essa concertação precisa ser posta à prova pela realidade. O bolsonarismo segue o modelo de Donald Trump em 2020, quando o ídolo do presidente perdeu a eleição e passou meses fomentando uma sedição que não veio.

Houve a invasão traumática do Capitólio, mas, olhando com a perspectiva da distância temporal, foi algo isolado e até menor em escala do que sua versão tupiniquim —que, de resto, parece tender a ser um elemento de paisagem política, ridicularizada por uns, ignorada por outros, mas até aqui sem eficácia.

Um teste mais óbvio será a diplomação de Lula e do vice, Geraldo Alckmin (PSB), pelo TSE tão odiado pelos bolsonaristas. Ela ocorrerá até 19 de dezembro, e institucionalmente isso equivale ao 6 de janeiro de 2021, quando o Congresso americano foi atacado.

Sobre o relatório em si, fruto de um erro do TSE em colocar os militares como protagonista que já era, na prática, do processo eleitoral, a montanha pariu um rato —mas um roedor pode causar estragos no longo prazo. Nenhuma acusação de fraude ou falha grave, e uma série de sugestões de aprimoramentos técnicos dos mecanismos de votação.

"A urna eletrônica é uma conquista", ressaltou Lula, sem falar no trabalho fardado. Após passar quase quatro nos na berlinda, associada a um golpe que não veio, a Defesa se prestou a dar alimento às conspiratas vulgares do bolsonarismo.

Esse erro será cobrado no futuro, isso parece claro, mas a palavra de ordem na Brasília de Lula 3º é "volta a normalidade", com presidente conversando com chefes de outros Poderes e sentando à mesa com ministros que ajudaram a mandá-lo para 580 dias de prisão.

Os termos do relatório servirão para Bolsonaro e os seus sustentarem até 2026 o discurso contra as urnas, e a pacificação proposta pelo petista terá um teste de fogo no trabalho adicional de Moraes contra os financiadores dos correntes atos.

E claro, ainda falta a eventual manifestação do presidente recluso em sua torre simbólica, magoado pela derrota cercado pelos filhos e acólitos residuais. Se deixará a cadeira com um sussurro ou uma explosão, é algo em aberto. O que está claro é que ninguém importante parece prestar atenção a essa altura.

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