A escolha do bolsonarista Capitão Derrite (PL) para ocupar a Secretaria da Segurança de São Paulo abriu a primeira crise do futuro governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) no principal estado do país.
Delegados da Polícia Civil e integrantes do Judiciário estadual criticaram duramente a indicação do deputado federal reeleito pelo PL de Jair Bolsonaro, numa disputa que vai além de questões paroquiais e entra na seara do embate entre os aderentes do mandatário derrotado em outubro e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Guilherme Derrite, 38, foi indicado para a chefia da Segurança paulista na quinta (30) com o apadrinhamento de Eduardo Bolsonaro, deputado pelo PL-SP e filho do presidente. Integrante da Polícia Militar, ele se lançou na política em 2018, elegendo-se para a Câmara na onda que levou Bolsonaro ao poder.
Adotou a alcunha de capitão, posto ao qual ascendeu após ir à reserva. Na Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa de elite da corporação paulista, chegou a tenente e comandou patrulhas de 2010 a 2013.
A unidade é historicamente conhecida pela ferocidade de suas ações, o que combinava com o ideário bolsonarista.
Em 2014, migrou para o Corpo de Bombeiros, que faz parte da PM, e notabilizou-se por postagens na internet —até preso foi por indisciplina. É um aliado incondicional da família do presidente, divulgador de ideias do clã como influencer e teve a indicação elogiada por Eduardo.
Há diversos pontos de crítica ao indicado. Primeiro, como deputado Derrite propôs um projeto de lei dando poderes de investigação à PM, algo que constitucionalmente é privativo da Polícia Civil.
Hoje, policiais militares já driblam a diretriz legal associando-se a promotores —há inúmeros casos de apurações do Ministério Público iniciados a partir de relatórios de operações policiais, pulando delegados civis.
O temor é que isso se prolifere, mesmo sem nenhuma alteração legal, que de resto deveria ser na Constituição, e não em lei ordinária.
Derrite, assim como Tarcísio, também se mostrou contrário ao uso de câmeras em uniformes, medida que reduziu a letalidade policial no estado. A revogação da medida ainda está sob análise.
Há a questão hierárquica, associada à juventude do deputado. Na ativa como PM, ele foi oficial subalterno, e como secretário comandará os coronéis do topo de carreira da corporação.
Por fim, a própria associação que ele vende é inédita: nunca houve um secretário da Segurança oriundo da PM, que é a maior força do estado com 93 mil integrantes.
Após um período controlado por militares na ditadura, a Segurança passou anos na mão de um grupo de promotores, procuradores e juristas.
Isso mudou no governo João Doria, então no PSDB, que mudou a estrutura do setor. Colocou um general de quatro estrelas da reserva do Exército, João Camilo Pires de Campos, dando status de secretarias-executivas para a PM e para a Civil, que conta com 27 mil policiais no estado.
Com isso, buscou-se algum equilíbrio nas rivalidades, num momento em que o bolsonarismo se fazia ver nas fileiras da PM. A Civil, por sua vez, é bastante ligada ao grupo de Moraes, que foi secretário da Segurança do hoje vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB, então no PSDB), de 2015 a 2016.
A indicação de Derrite, um bolsonarista de quatro costados, é um desafio também a essa influência. Moraes é o assinalado como o inimigo político número 1 do bolsonarismo, tendo desferido um duro golpe contra a campanha golpista do presidente ao rejeitar o questionamento às urnas eletrônicas feito pelo PL e multando o partido em R$ 23 milhões.
Com a agitação, tudo o que o novo governador não quer, a saída de Tarcísio foi sinalizar à Civil uma acomodação prometendo o cargo de número 2 na Segurança ao atual delegado-geral do estado, Osvaldo Nico Gonçalves.
Ele esteve em reunião com Tarcísio nesta quinta (1º), conforme informou o jornal O Estado de S. Paulo. Na conversa esteve também Derrite e Arthur Dian, o diretor do Departamento de Operações Policiais Estratégicas que é cotado para assumir o cargo de Nico no novo governo.
Segundo a Folha ouviu de pessoas a par do assunto, não houve uma decisão por parte de Nico. O assunto deverá ser discutido em uma reunião do Conselho da Polícia Civil na próxima quarta-feira (7).
É incerto o sucesso da manobra, dada a influência de Moraes sobre a polícia responsável pelas investigações. A reportagem não conseguiu contato com Derrite, Nico ou o governador eleito.
Até aqui, Tarcísio tem buscado um equilíbrio entre a moderação conservadora que apelou ao eleitorado centrista paulista, alijando da disputa do segundo turno o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), e o voto bolsonarista puro.
Símbolo do ímpeto de moderação é a indicação de Gilberto Kassab, o presidente do PSD, para a estratégica Secretaria de Governo de Tarcísio. O pessedista foi o principal fiador da candidatura do ex-ministro da Infraestrutura.
Por outro lado, Derrite assumiu a importantíssima área da Segurança, que durante todo o governo Doria foi assediada pelo bolsonarismo, o que tem levado a questionamentos acerca do futuro da politização das corporações —vide as interferências de Bolsonaro na Polícia Federal e a investigação sobre o uso político da Polícia Rodoviária Federal na eleição.
Além de Derrite, foi indicado para o Turismo um pastor, Roberto de Lucena (Republicanos), para agradar a essa fatia do eleitorado mais próxima do presidente.
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