Bolsonaro turbinou indicações e esvaziou controle de Ibama e ICMBio sobre Amazônia

Órgãos foram atacados pelo presidente em 2018 e colecionaram recordes negativos durante governo

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Brasília

Em meio à queda do número de servidores do Ibama e do ICMBio —os principais órgãos de fiscalização e gestão ambiental—, sobretudo na Amazônia Legal, o governo de Jair Bolsonaro (PL) impulsionou a quantidade de funcionários alocados em cargos comissionados, ou seja, nomeados por indicação.

Levantamento da Folha mostrou que as entidades registraram recordes negativos na área. Em 2021, o ICMBio tinha 1.470 trabalhadores —o menor número desde sua fundação, em 2007—, e o Ibama chegou em 2022 a 2.360, o menor ao menos desde 1999 —não há dados anteriores disponíveis no site do governo.

A reportagem contabilizou apenas os servidores ativos dos órgãos e os comissionados, grupos responsáveis pelas principais atividades públicas. Ou seja, não contou aqueles emprestados de outros setores, que constituem um contingente pequeno, além de estagiários e terceirizados.

Incêndio atinge floresta no Pará
Incêndio atinge floresta no Pará - Carl de Souza - 15.ago.20/AFP

Por outro lado, o número de pessoas exercendo cargos comissionados foi turbinado. No Ibama, havia 18 vagas do tipo ativas em 2018. Desde 2019, esse número nunca foi menor que 30, chegando a 41 em 2019, o maior em mais de uma década.

No ICMBio, a cifra subiu de 52, no último ano da gestão de Michel Temer (MDB), para 88 em 2022 —o maior de sua história. Servidores e fontes ligadas à área ambiental relataram à Folha em reserva que muitos desses cargos foram ocupados por militares ou pessoas sem capacitação.

O atual presidente do Ibama, Eduardo Bim, por exemplo, é ex-procurador federal e chegou a ser afastado pela Justiça por suposto envolvimento em contrabando de madeira. Pela direção do ICMBio já passaram quatro nomes, três dos quais PMs: Homero Cerqueira, Fernando Lorencini e o atual ocupante do cargo, Marcos Simanovic.

Governo sem controle

  • Entenda a série

    A Folha destrincha em uma série de reportagens a situação de órgãos do governo federal após quase quatro anos sob a gestão de Jair Bolsonaro, indicando qual cenário o próximo presidente encontrará ao assumir em 2023.

Bolsonaro teve dois ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que deixou o cargo sob investigação do STF e hoje é deputado federal eleito, e Joaquim Leite. Ambos impuseram a agenda do "passar a boiada", com ações contrárias ao objetivo da pasta, e o país bateu recordes de incêndios e desmatamento.

"O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, esclarece que foram contratados 739 novos servidores para Ibama e ICMBio, o que representa acréscimo anual de R$ 72 milhões ao orçamento da pasta. Além disso, a fiscalização ambiental foi reforçada com a destinação de verba suplementar de R$ 270 milhões ao Ministério do Meio Ambiente", afirmou a pasta.

O levantamento da Folha também mostrou que a redução de pessoal na gestão Bolsonaro afetou principalmente a região mais importante a ser preservada no país e, talvez, no mundo: os nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).

Somados os dois órgãos, o quadro de servidores que atuavam na área foi reduzido em 40% entre 2018 e 2022. Considerando regiões, Norte (36,5%) e Nordeste (31,3%) vêm na sequência. O do Sul teve a menor perda, 3,1%. Soma-se a esse cenário um aumento na quantidade de terceirizados a constante queda no orçamento do órgão.

No Ibama, esse grupo de trabalhadores temporários quase dobrou de 2018 para 2022, chegando a mais de mil, patamar comparável ao que o órgão tinha dez anos atrás. Na época, no entanto, a relação era de cerca de um temporário para quatro servidores de carreira. Atualmente, é de um para dois. No ICMBio, o contingente mais que quadruplicou no atual governo, chegando a quase 3.000, um patamar inédito.

Já os orçamentos vêm caindo e, por vezes, sendo subutilizados. O Ibama gastou em 2021 apenas 40% da verba alocada para fiscalização, principal atividade do órgão. No primeiro terço de 2022, o ICMBio liquidou pouco mais de 11% do total de seu orçamento anual. Procurados, Ibama e ICMBio não se manifestaram.

Para Suely Araújo, presidente do Ibama de 2016 a 2018, os servidores permanentes não podem ser substituídos por terceirizados, sobretudo porque a atividade do órgão envolve fiscalização e atuação com poder de polícia, além de processamento de dados complexos em casos de licenciamento.

"No governo atual, há um misto de falta de pessoal, que é um processo histórico, com uma incapacidade gerencial gigante. Mas o principal problema para fiscalização ambiental é a falta de pessoal, não adianta lotar o órgão de dinheiro sem ter equipe. Isso impõe verificação pelos órgãos de controle", afirma ela.

A precarização da fiscalização se traduz em números. As autuações caíram de 4.253 em 2018 para 2.534 em 2021 —no mesmo intervalo, o desmatamento subiu de 7.500 km² para mais de 13,2 mil km².

Houve, ainda, redução de mais de 80% nos embargos e nas apreensões no mesmo período —de cerca de 2.500 para menos de 500 em ambos os casos. Além disso, o processo burocrático para punições foi dificultado, com a criação da reunião de conciliação —em que aqueles que cometeram uma infração podem chegar a um acordo, evitando, assim, sanções. E, em mais de uma ocasião, integrantes do governo atuaram para colocar obstáculos a operações e flexibilizar leis contra crimes ambientais.

Para Cláudio Maretti, presidente do ICMBio entre 2015 e 2016, o problema na redução de funcionários ganha uma nova dimensão com o afastamento de servidores das atividades de campo e de regiões essenciais para a manutenção das áreas de preservação e de conservação ambiental.

Ele cita, por exemplo, a mudança da sede regional do ICMBio do Rio de Janeiro, estado com diversas unidades de conservação, para São Paulo, onde há menos. Por outro lado, afirma que o alto número de contratos temporários pode ter sido gerado por um grande contingente de brigadistas —o que seria positivo. Mas, segundo Maretti, mesmo nesse caso o cenário geral é extremamente negativo.

"Houve um afastamento progressivo das pessoas da ponta, trazendo gente sem capacidade. A qualidade da gestão caiu muito. Houve uma queda brutal na qualidade do serviço", afirma.

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