Coronel Cid esbarrou em elo e crises com Bolsonaro para alcançar generalato

Ex-ajudante de ordens tem bom histórico na Força manchado por suspeitas investigadas pela Polícia Federal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), teve mandado de prisão expedido novamente nesta sexta-feira (22) pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

De acordo com o gabinete de Moraes, Cid foi preso por "descumprimento das medidas cautelares e por obstrução à Justiça". Ele será encaminhado o Instituto Médico Legal, segundo o gabinete de Moraes.

O depoimento desta sexta-feira, antes da prisão, foi agendado após a revista Veja divulgar áudio em que Cid afirma que a Polícia Federal tem uma narrativa pronta nas investigações sobre o ex-presidente. Ele se disse pressionado nos depoimentos e fez críticas a Moraes, que homologou sua delação premiada.

"Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo", disse o ex-ajudante de ordens.

Leia, a seguir, perfil de Mauro Cid, publicado em 2023 pela Folha.

Cid e o então presidente Jair Bolsonaro
Mauro Cid e o então presidente Jair Bolsonaro - Adriano Machado - 18.jun.19/Reuters

O então major Mauro Cesar Barbosa Cid estava com o passaporte emitido para se mudar para os Estados Unidos, onde faria um curso pelo Exército Brasileiro, quando seu telefone tocou no fim de 2018.

Na tela do celular aparecia o nome do general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, então chefe de gabinete do comandante do Exército, que disse em poucas palavras que Cid havia sido designado para ser ajudante de ordens do presidente recém-eleito Bolsonaro.

A escolha de última hora fazia sentido para Tomás e para o comandante do Exército da época, general Eduardo Villas Bôas: o major é filho de Mauro Cesar Lourena Cid, general da reserva e amigo próximo de Bolsonaro desde quando ambos eram cadetes na turma de 1977 da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).

Em sua passagem pelo comando da Força, Villas Bôas aproveitava sua relação na caserna e fora dela para fazer indicações de militares para os mais diversos cargos —casos do general Fernando Azevedo (STF), do general Ajax Porto Pinheiro (STF e STJ) e de integrantes do governo Bolsonaro.

Quatro anos e dois meses depois, Cid recebeu outro telefonema de Tomás. As posições eram diferentes: o major virou tenente-coronel e o general completava, na manhã da última terça-feira (24), seu quarto dia no comando do Exército.

A segunda conversa foi menos amistosa. Em meio à crise militar, com a recente queda do general Júlio César de Arruda do comando da Força, Tomás queria uma suspensão conciliada da nomeação de Cid para o 1º Batalhão de Ações de Comandos, em Goiânia (GO).

Era uma forma de o comandante acolher a ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de evitar que Cid assumisse a função enquanto é investigado pela Polícia Federal por transações suspeitas em favor de Bolsonaro sem precisar dar uma canetada contra o militar.

O tenente-coronel aceitou diante da mínima margem de manobra que teria, e o general anunciou ao Alto Comando do Exército a solução para o impasse horas depois.

Em janeiro, a Folha conversou com sete pessoas próximas a Cid, entre colegas de turma, amigos, superiores e auxiliares no Palácio do Planalto. Elas contaram detalhes da trajetória do militar no Exército e as crises decorrentes de seu trabalho como ajudante de ordens de Bolsonaro.

Cid se formou na Aman em 2000 e, contam os colegas, não tinha outra escolha senão seguir os passos do pai. De início escolheu a arma de artilharia e seguiu para o 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, reeditando a carreira de Lourena Cid.

O começo da profissão foi promissor.

Cid terminou a formação na Aman em terceiro lugar na turma e se destacou ainda mais a partir de 2009, quando ficou em primeiro lugar no mestrado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais no Curso de Ações de Comando —graduação necessária para entrar nas unidades de elite do Exército.

Em 2018 fez doutorado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, com pesquisa sobre os desdobramentos do envio de tropas brasileiras para o Oriente Médio.

Cid também encerrou o estudo com o melhor conceito da turma, resultado que é obtido no somatório das avaliações que os instrutores fazem dos alunos e que os colegas fazem entre si.

Os predicados de Cid o fizeram chegar ao cargo de instrutor de artilharia da Aman quando ainda era major —posição de destaque que lhe rendeu méritos no quadro de promoção de oficiais.

Mauro Cid (em destaque) e sua turma de cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras; grupo se formou em 2000 - Arquivo pessoal

Quando foi designado para ser ajudante de ordens de Bolsonaro, o caminho de Cid para o generalato já estava traçado. Principalmente considerando o histórico recente: oficiais-generais com protagonismo nos últimos anos ocuparam a mesma função, como o general Fernando Azevedo (Fernando Collor), o general Tomás Paiva (Fernando Henrique Cardoso) e o major-brigadeiro Rui Mesquita (Lula).

A proximidade com Bolsonaro também rendeu ao pai de Cid a nomeação para a chefia da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Miami, nos Estados Unidos, em 2019.

Na ajudância de ordens, Cid construiu relação de proximidade com Bolsonaro. Além de carregar as pastas com documentos do presidente, o militar passou a fazer as tradicionais lives do mandatário, às quintas-feiras, e se transformou em conselheiro em decisões sobre diversos assuntos.

Fluente em inglês e espanhol, usou o próprio celular para intermediar conversas de Bolsonaro com autoridades, celebridades e investigados, como Gilmar Mendes, Donald Trump, Sebastián Piñera, Silvio Santos, Pelé e Allan dos Santos.

A relação com o ex-presidente ficou totalmente exposta quando Cid entrou na mira das investigações relatadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Primeiro por participar da organização da live de 29 de julho, quando o presidente fez o então mais duro ataque contra o sistema eleitoral, e depois em 4 de agosto, quando ajudou no vazamento do inquérito sigiloso sobre um ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Foi essa segunda apuração que complicou a situação de Mauro Cid. Num primeiro momento, a Polícia Federal não conseguiu acessar os dados armazenados na nuvem do ajudante de ordens, cujo sigilo foi quebrado por determinação de Moraes.

A situação mudou após várias tentativas e da ajuda recebida pela equipe do delegado Fabio Shor, responsável pelo caso. Logo no primeiro acesso, os investigadores encontraram as trocas de recibos de transações suspeitas reveladas pela Folha.

Quando o caso da quebra de sigilo bancário de Cid foi revelado, e após o ajudante de ordens já ter sido indiciado em outros dois processos no STF, o comandante do Exército à época, general Freire Gomes, preocupou-se com o futuro do tenente-coronel.

Segundo pessoas com conhecimento do assunto, o comandante e diversos generais chegaram a ligar para Cid sugerindo que ele deixasse a assessoria de Bolsonaro antes do fim das eleições, para reduzir sua exposição.

O tenente-coronel, no entanto, disse que não se sentiria confortável em abandonar Bolsonaro no período eleitoral, por lealdade ao então presidente, já que sua saída poderia atrapalhar a rotina do candidato do PL.

Homens com roupas militares, mulheres e crianças posam para foto em escadaria
Mauro Cid organizou o reencontro de 10 anos da turma da Aman, em 2010; ele é o militar mais à esquerda na foto - Arquivos pessoais

Por causa das investigações contra Cid e sua proximidade com Bolsonaro, Lula pediu ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que o Exército tomasse alguma providência para evitar que o tenente-coronel assumisse o comando do 1º Batalhão de Ações de Comandos, em Goiânia.

Cid havia demonstrado interesse em assumir a função em setembro de 2021, quando se iniciou o processo interno para a escolha dos novos cargos para o biênio 2023-2024. A designação foi confirmada e anunciada, em comunicado interno da Força, em 2 de maio de 2022.

O tenente-coronel assumiria o batalhão em fevereiro. Ele já havia acertado sua mudança para a Vila Militar de Goiânia e organizado a matrícula de duas de suas três filhas para escolas na capital de Goiás.

Segundo relatos de colegas, Cid fez visitas ao batalhão de Goiânia e preparava a mudança desde o início de janeiro —dias após deixar Bolsonaro nos Estados Unidos e voltar, em 31 de dezembro, com o término de sua função como ajudante de ordens.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.