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Entenda o que diz a lei sobre sigilos em meio à revisão do governo Lula sobre casos de Bolsonaro

Sigilos indevidos devem ser analisados até o final de janeiro pela CGU

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São Paulo

Ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL) a aplicação do sigilo de 100 anos se tornou recorrente para restringir o acesso a informações de interesse público. As negativas que não têm base legal serão revisadas até o final de janeiro.

Promessa de campanha, a revisão dos sigilos decretados por Bolsonaro foi determinada pelo presidente Lula (PT) logo após a posse.

O processo é feito pela CGU (Controladoria-Geral da União) e atinge decisões "baseadas em fundamentos equivocados acerca de proteção de dados pessoais, de segurança nacional e do presidente da República e de seus familiares e de proteção das atividades de inteligência", conforme determinação do presidente.

Além da revisão feita pelo órgão, cidadãos que tiveram pedidos negados durante a gestão Bolsonaro podem refazer as solicitações ao novo governo. Informações sobre a agenda de visitas da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e gastos com cartão corporativo pelo ex-presidente já foram disponibilizadas.

Imagem em close mostra o rosto do  ex-presidente Jair Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro em coletiva de imprensa no Palácio da Alvorada - Gabriela Biló - 10.out.22/Folhapress

Entenda o que diz a legislação sobre sigilos e transparência:

O que diz a LAI sobre sigilos?

A LAI (Lei de Acesso à Informação) define informação sigilosa como aquela que tem o acesso ao público restrito de forma temporária por representar risco à segurança da sociedade ou do Estado. A transparência é a regra e o sigilo, a exceção.

Qualquer pessoa pode fazer um pedido de acesso à informação para os órgãos do Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público e também para entidades privadas sem fins lucrativos que recebam dinheiro público para realizar projetos.

A LAI estabelece prazo de até 20 dias para resposta. A negativa de acesso deve ser justificada e cabe recurso, no prazo de dez dias.

Quais são os sigilos previstos por lei?

Segundo a LAI e o decreto que regulamenta a lei, há três graus de classificação de sigilo que podem ser adotados para informações que coloquem em risco a defesa e integridade nacional, a vida da população, a integridade financeira do país e atividades de inteligência, entre outros casos. São eles:

  • Ultrassecreto: sigilo de 25 anos que pode ser determinado pelo presidente e vice-presidente, ministros e autoridades com a mesma prerrogativa, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas e consulares;
  • Secreto: sigilo de 15 anos. Além das autoridades citadas, pode ser determinado por titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista;
  • Reservado: sigilo de 5 anos. Pode ser determinado pelas autoridades mencionadas e por aquelas que exercem funções de direção e comando.

Além das informações classificadas, a lei prevê sigilo até o término do mandato para informações que possam colocar em risco a segurança do presidente e vice-presidente da República, esposas e filhos.

O que são os sigilos de 100 anos?

Não há na Lei de Acesso à Informação o chamado sigilo de 100 anos. O prazo máximo de restrição previsto pela lei é de 25 anos para informações ultrassecretas. Especialistas em transparência explicam que o termo recorrente durante a gestão Bolsonaro veio da interpretação distorcida de um dispositivo do artigo 31 da lei.

O trecho diz que informações pessoais que atinjam a intimidade, vida privada, honra e imagem de alguém podem ter seu acesso restrito por até cem anos.

Pesquisa feita pela Transparência Brasil mostra que na gestão Bolsonaro houve aumento do uso inadequado da proteção a dados pessoais para negar informações de interesse público.

De 2019 a 2022, foram 413 casos de negativas indevidas com base no uso do artigo. O recorde foi registrado em 2019, primeiro ano do governo, em que foram negadas 140 solicitações.

Como funciona a reanálise dos sigilos?

Depende do sigilo estabelecido. No caso das informações negadas a partir do uso indevido do artigo 31 da LAI, a reavaliação é feita pela própria CGU, em um processo que costuma ser feito pelo ouvidor geral da União.

A gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji, explica que primeiro são analisados o pedido e a negativa de acesso. Eventualmente, um novo parecer técnico pode ser solicitado antes da nova decisão, que pode manter ou não a negativa. A CGU não informou como será a divulgação do que for revisto.

Outra via possível para obter a informação é repetir o pedido negado. Por meio desse procedimento já foram disponibilizadas as visitas recebidas pela ex-primeira dama Michelle Bolsonaro e as informações sobre gastos com o cartão corporativo pelo presidente Bolsonaro.

Já no caso das informações classificadas como secretas e ultrassecretas, cabe a CMRI (Comissão Mista de Reavaliação de Informações) fazer esse procedimento de reanálise. Conteúdos classificados como reservados podem ser revistos pela autoridade que fez a classificação.

Marina Atoji afirma que o processo precisa ser transparente.

"Os critérios usados para definir se o sigilo foi ou não adequado precisam ser divulgados, assim como um balanço periódico de quantos já foram revisados e quantos faltam para revisar e a publicação das informações desclassificadas", diz.

O presidente Lula pode interferir no processo de reanálise?

A análise feita pela CGU deve ser feita de forma técnica e sem interferência política, afirma Maria Dominguez, coordenadora do programa de integridade e governança pública da Transparência Internacional Brasil.

O advogado Bruno Morassuti, cofundador da Fiquem Sabendo, diz ser improvável que o presidente interfira no processo, mas lembra que ele pode reorientar órgãos do Executivo sobre o tratamento que deve ser dado a um determinado tipo de informação.

Dominguez exemplifica citando o caso dos microdados educacionais do Inep, que podem voltar a ser publicados se o governo assim determinar.

Quais sigilos devem ser revistos pelo governo Lula?

Especialistas apontam que durante a gestão Bolsonaro houve um conjunto de negativas a informações antes disponibilizadas. Exemplo disso são os dados sobre acesso aos prédios públicos. A análise é que esses dados devem ser disponibilizados.

Maria Dominguez (Transparência Internacional Brasil) diz que todo o conteúdo de interesse público, como aqueles que envolvem repasse de recursos ou indiquem porque determinada decisão foi tomada, também deverá ser disponibilizado.

A essa lista, Marina Atoji (Transparência Brasil) adiciona os dados da carteira de vacinação de Bolsonaro durante o mandato, uma informação de interesse e que não poderia ser negada à população.

Quais casos demandam maior tempo de análise?

A análise é que informações relacionadas às forças de segurança devem exigir uma atuação mais firme por parte do governo.

Um exemplo disso é o processo disciplinar contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. A Folha solicitou acesso ao processo interno do Exército sobre não punir o general pela participação em um ato político com Bolsonaro em 2021, mas o sigilo de cem anos foi mantido no caso.

"Há uma falta de interesse na abertura dessas informações e espero que isso seja revisto", diz Bruno Morassuti, que cita também a dificuldade de acesso às informações sobre voos da FAB (Força Aérea Brasileira).

Quais gargalos em relação à transparência precisarão ser superados pelo governo?

Estabelecer diretrizes sobre como dados pessoais devem ser tratados para que não sejam usados como obstáculo à transparência é uma necessidade apontada por especialistas, que citam ainda a necessidade de fortalecer o corpo técnico dos órgãos e ampliar a participação da sociedade civil por meio de conselhos.

Marina Atoji (Transparência Brasil) afirma que decretos e normativas são importantes para aprimorar a LAI e evitar o uso indevido no futuro. Ela também defende parâmetros mais claros para a classificação dos sigilos, de modo a deixar o procedimento menos subjetivo e facilitar o acompanhamento.

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