Governadores da oposição adotam antipetismo e têm cautela com bolsonarismo

Em disputa por vácuo na direita em 2026, líderes se descolam do ex-presidente e dosam contrapontos a Lula

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São Paulo

Governadores eleitos no rastro do bolsonarismo, como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Romeu Zema (Novo-MG), adotaram o antipetismo e a defesa do liberalismo econômico como estratégias na disputa pela parcela da direita que repele Jair Bolsonaro (PL).

Os políticos, vistos como interessados no espólio eleitoral do ex-presidente caso ele perca força até 2026, têm se equilibrado entre os acenos à base mais conservadora e os discursos de relacionamento republicano com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Jair Bolsonaro (PL) e Romeu Zema (Novo-MG) durante ato em São Paulo da candidatura à reeleição do ex-presidente - Zanone Fraissat - 21.out.2022/Folhapress

Até aqui, eles vêm reduzindo a ênfase em bandeiras ideológicas do bolsonarismo e em agendas caras à extrema direita. Os ataques golpistas de 8 de janeiro reforçaram a tendência de afastamento, sobretudo depois que o ex-presidente entrou na mira da investigação.

Tarcísio, por exemplo, frustrou apoiadores de Bolsonaro por atenuar a defesa de pautas radicais e preferir uma linha técnica na maior parte das áreas da gestão.

Ao mesmo tempo, a oposição ao PT ganhou fôlego. O caso mais evidente é o de Zema, que difundiu a tese sem comprovação de que o governo federal teria feito "vista grossa" aos ataques em Brasília para se vitimizar.

Para definirem suas linhas de oposição a Lula e de relação com Bolsonaro, os governadores levam em conta, de um lado, a necessidade de manter um canal com o governo para viabilizar projetos e, de outro, a constatação de que políticos tachados como traidores pelos bolsonaristas acabaram naufragando.

Ex-ministro, Tarcísio é o que tem laços mais próximos com o bolsonarismo. Porém diferentemente de Zema, que está em segundo mandato, ele ainda tem a opção de buscar a reeleição antes de se lançar para o Palácio do Planalto.

Por isso, aliados de Tarcísio afirmam que ele deve se dedicar à gestão, e não à política, já que para se viabilizar para qualquer cargo terá que apresentar resultados. Segundo interlocutores, ele descarta se engajar na oposição a Lula por enquanto.

O governador adotou uma postura ambígua, ora de rejeição ora de apoio à agenda conservadora. Além de dar pouco espaço a bolsonaristas no primeiro escalão, chegou a dizer que não era "bolsonarista raiz". Mas também fez acenos à base, nomeando bolsonaristas egressos do governo federal no segundo escalão.

Aliados minimizam o perigo de que Tarcísio seja visto como um traidor. De acordo com eles, já está claro para o eleitor que o governador trilha um caminho próprio, mas dentro do campo da direita.

Uma questão que gerou desgaste para o governador entre os eleitores da direita foram seus encontros, três até agora, com Lula. Tendo Gilberto Kassab (PSD), que tem boa relação com o petista, como articulador político, Tarcísio tem sido aconselhado a manter uma relação republicana com o presidente.

O governador de São Paulo não embarcou no discurso belicoso contra o PT –o tom é o de que o governo estadual e o federal são sócios em uma série de projetos.

Na reunião com o presidente no dia 9 de janeiro, porém, deu um recado a Lula quando cobrou gestos de pacificação. Ele já havia usado esse termo em sua posse, mencionando o reconhecimento de um legado positivo de Bolsonaro.

Ainda de acordo com aliados de Tarcísio, o governador quer fazer o embate com o governo Lula por meio da comparação das gestões –estratégia também adotada por Zema.

O governador mineiro tomou a dianteira até aqui nas declarações antipetistas após responsabilizar o governo Lula pelo vandalismo. Zema foi à reunião de Lula com os governadores nesta sexta-feira (27), mas não ficou para o almoço servido em seguida no Itamaraty.

Para se contrapor a Lula, Zema deve intensificar a retórica antipetista que faz parte da sua carreira política desde a primeira eleição, em 2018. O ocupante anterior do cargo era Fernando Pimentel (PT), cuja gestão ficou marcada pelas dificuldades financeiras e atrasos em salários.

Se a crítica ao PT e a defesa das pautas liberais seguem vivas na estratégia de Zema, sua relação com o bolsonarismo se alterou. Em 2019, ele afirmou que o DNA do Novo e do PSL (partido do ex-presidente à época) coincidia em 99,5%.

Agora, com o radicalismo e o golpismo de Bolsonaro em evidência, a postura é outra.

"O governador e o Novo não se parecem com o bolsonarismo em termos da prática política. Nosso caminho será dialogado, mas sem abrir mão das pautas liberais que marcam nosso plano de governo e nossa ação", diz o vice-governador e um dos principais articuladores políticos de Zema, Mateus Simões (Novo).

A cautela ficou evidente também na campanha do ano passado. Zema só apoiou Bolsonaro no segundo turno e, mesmo assim, afirmou estar "colocando divergências de lado" e disse acreditar "muito mais na proposta do presidente Bolsonaro do que na do adversário".

No Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que tentou se lançar à Presidência e perdeu prévias do partido em 2021, se distingue dos demais por buscar fazer oposição a Lula e a Bolsonaro na mesma medida. O gaúcho quer se cacifar como o representante de uma unidade democrática de partidos de centro.

Em 2018, Leite declarou voto em Bolsonaro, mas quatro anos depois se manteve neutro. Nesse período, intensificou a defesa da democracia e condenou o negacionismo, em gestos de embate com o ex-presidente. O fato de ter revelado a homossexualidade também o afastou da agenda conservadora.

No PSDB, partido que ele passou a presidir, há pressão para que a sigla se reconecte com o antipetismo e tome de volta seu lugar na polarização nacional, sequestrado por Bolsonaro.

Depois que Lula chamou o impeachment de Dilma Rousseff (PT) de golpe na semana passada, o partido entrou na Justiça contra o uso da palavra e afirmou que esse "é um discurso extremista e incentiva o ataque a instituições".

Já Leite tem buscado uma oposição equilibrada, além de fazer o contraponto pela via da economia e da gestão. Mas, na reunião com Lula no último dia 9, ele fez questão de demarcar seu lugar na oposição. "O respeito ao resultado das urnas ultrapassa qualquer divergência que tenhamos do ponto de vista político."

Analistas dizem que a dependência dos estados dificulta uma oposição aberta dos governadores à máquina federal. Também fazem a ressalva de que os nomes aventados na direita não necessariamente vão encabeçar chapas —podem ter valor como vices ou na articulação de uma candidatura.

Para o cientista político Humberto Dantas, os líderes da direita buscam preencher o vácuo político e eleitoral deixado por Bolsonaro.

"Zema levantou o tom contra Lula em uma intensidade maior do que a média dos outros governadores, que atenuaram suas falas", observa o coordenador do curso de gestão pública da Fipe. Dantas afirma que será preciso acompanhar se o que chama de "discurso nem-nem" terá aderência no eleitorado.

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