Governo Lula lida com pressão por punição, mas discurso de anistia resiste na oposição após ataques

Enquanto 'sem anistia' ganha força e políticos bolsonaristas relativizam golpismo, Lula fala em separar minoria de vândalos

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São Paulo

Depois que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu a Presidência, no último dia 1º, dizendo não carregar "ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a nação a seus desígnios pessoais e ideológicos", mas que iria "garantir o primado da lei", os atos golpistas do último domingo (8) justificaram a crescente pressão por punição aos atentados contra a democracia.

De outro lado, porém, mesmo após a depredação das sedes dos três Poderes, integrantes da oposição cobram gestos de reconciliação por parte do governo federal, minimizam a tentativa de golpe e criticam as ações do Poder Executivo para responsabilizar os militantes da extrema direita.

Para aliados, Lula, cuja gestão tem o mote de "União e Reconstrução", deve se mover no sentido de separar os radicais de extrema direita para não inviabilizar sua inserção entre a metade da população que votou em Jair Bolsonaro (PL).

O presidente Lula (PT) ao lado de representantes dos demais Poderes e governadores após reunião sobre os atos golpistas - Pedro Ladeira -9.jan.23/Folhapress

Após uma reunião a favor da democracia que juntou os 27 governadores do país, inclusive aliados de Bolsonaro como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Romeu Zema (Novo-MG), Lula deu declarações nesse sentido, atribuindo as invasões a uma minoria de vândalos.

"A maioria da sociedade, mesmo a maioria das pessoas que votaram no Bolsonaro, as pessoas decentes, que são de direita mas que têm caráter e interesse pelo Brasil, não concordam com o que aconteceu aqui."

"O que aconteceu aqui deve ser apenas do interesse de uma pequena minoria, de um bando de vândalos, de um bando de bandidos que fizeram isso. Vamos descobrir, mais cedo ou mais tarde, quem financiou", completou Lula.

É consenso no governo, contudo, que a união e a reconstrução passam necessariamente por enquadrar com rigor as tentativas golpistas até para evitar novas ações do tipo.

O movimento "sem anistia", defendido pela esquerda, ganhou força após os ataques, que inclusive tiveram resposta não só do Executivo, mas de forma conjunta também do Legislativo e Judiciário.

Entre as medidas que miram os golpistas tomadas pelo governo federal, estão uma série de pedidos feitos pela AGU (Advocacia-Geral da União) à Justiça desde aquele domingo, como a prisão de Anderson Torres, a dispersão de atos antidemocráticos, medidas preventivas de forças de segurança contra novas invasões e o bloqueio de bens de pessoas e empresas que financiaram ônibus para os golpistas.

O governo federal também decretou a intervenção federal na segurança do Distrito Federal. Já o ministro da Defesa, José Múcio, foi poupado por Lula apesar da sua fritura no PT e das críticas do próprio presidente em relação a sua atuação.

Uma das vozes do movimento "sem anistia" e líder do grupo de advogados Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho diz que irá empreender uma "cruzada contra Bolsonaro e seus aliados", começando pela inelegibilidade do ex-presidente.

Já o governo federal, afirma o interlocutor de Lula, "tem que trabalhar para reconstruir e pacificar o país, mas sem passar pano".

Ele argumenta que o enfrentamento ao fascismo cabe ao Executivo, mas sobretudo é tarefa da sociedade civil e do Judiciário. "O governo federal tem que olhar para frente e refundar o país", diz, mencionando desafios como o combate à fome.

"Temos que separar os democratas e a direita civilizada dos fascistas e extremistas. Separar as pessoas de quem a gente diverge das pessoas que realizaram atentados contra as instituições. Lula é a maior liderança política do país, ele sabe separar a direita civilizada dos fascistas."

A busca concomitante por rigor e equilíbrio leva em consideração que, mesmo após o quebra-quebra, o discurso de anistia, a relativização dos acontecimentos e até a acusação de que havia infiltrados de esquerda seguem em curso entre parlamentares bolsonaristas.

Muitos deles condenaram os atos de violência, mas dizem ser inocentes os que pediam intervenção militar acampados em quartéis militares. Governadores de direita, por sua vez, cobram diálogo e pacificação.

O ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), que em entrevista à Folha disse que Lula tinha espírito de revanche, afirmou que a detenção dos manifestantes "em condições precárias" mostra que o "novo governo, coerente com suas raízes marxistas-leninistas, age de forma amadora, desumana e ilegal".

O deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), que em novembro de 2022, apresentou um projeto que "concede anistia a todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional" desde o dia 30 de outubro de 2022, data do segundo turno da eleição, disse que "punir inocentes afeta a nossa democracia e avilta os direitos humanos".

Questionado pela reportagem se a proposta de anistiar manifestantes de extrema direita segue de pé após o que houve em Brasília, ele respondeu com uma série de tuítes em que diferencia os vândalos dos demais.

Ele diz que seu projeto de lei exclui "quem cometeu crimes contra a vida e a integridade física de pessoas, de sequestro ou cárcere privado, terrorismo, tortura, tráfico de drogas e crimes hediondos".

"A concessão da anistia para os que não cometeram os crimes anteriormente citados pode ser um passo importante para a pacificação dos ânimos e a reconciliação da nação", escreveu.

Medidas do governo federal contra participantes e financiadores dos ataques também entraram na mira dos bolsonaristas. O deputado Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG), ex-ministro de Bolsonaro, propôs uma CPI "para acompanhar as prisões realizadas, a fim de evitar arbitrariedades".

No Twitter, ele defendeu que "vândalos devem pagar pelos seus crimes, mas o governo Lula não deve usar este fato para perseguir opositores que se manifestaram de forma pacífica".

Já o deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG) apresentou uma notícia-crime ao STF, já arquivada pelo ministro Alexandre de Moraes, em que pede que se investigue a responsabilidade do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), por "omissão intencional" e que sua prisão seja decretada.

Mesmo o decreto de intervenção na segurança do DF, assinado por Lula e que foi aprovado por ampla maioria no Senado, teve oito votos contrários –de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e outros bolsonaristas.

Os governadores alinhados a Bolsonaro condenaram os ataques na praça dos Três Poderes, mas também criticaram medidas tomadas e cobraram diálogo do Executivo. Zema, por exemplo, afirmou que o afastamento de Ibaneis poderia ser "um tanto quanto arbitrário".

Na reunião com os governadores e Lula, Tarcísio, que inicialmente resistiu a ir ao encontro, pediu gestos de pacificação. "Peço a Deus que nos proporcione sabedoria para que a gente promova a pacificação, lembrando que a pacificação demanda gestos, gestos de todos, do Judiciário, do Legislativo, do Executivo, gestos dos estados."

O governador paulista, que seguiu a ordem de Moraes de debelar acampamentos golpistas, mas não prendeu os manifestantes, já havia falado em pacificação no seu discurso de posse.

Tarcísio afirmou que a pacificação é um "anseio social" e que ela passa por "reconhecimento de avanços", listando em seguida o que considera melhorias do governo Bolsonaro para o país.

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