Descrição de chapéu Governo Lula

Lula grava vídeo com imagem de Cristo e tenta diluir birra de líderes religiosos

Estátua, que já foi apreendida pela Lava Jato, esteve com ele nos dois primeiros mandatos

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São Paulo

Jesus Cristo retornou. "Eu já voltei, agora você vai voltar", diz o presidente Lula (PT), alisando uma imagem do messias cristão esculpida em madeira de tília, em vídeo gravado por Ricardo Stuckert, seu fotógrafo oficial, e divulgado nesta terça (10) em suas redes sociais.

Lula inicia seu terceiro mandato devolvendo ao gabinete presidencial a estátua que o acompanhou nos dois primeiros. Um pouco pálida, é verdade, pois foi perdendo a cor ao longo dos anos.

Também desbotada está a relação do petista com gorda fatia do segmento cristão, e é aí que entra a publicizada reabilitação da escultura.

Cristo volta ao Palácio do Planalto, nas palavras de Lula, para estar "onde ele sempre ficou, ajudando a governar o país".

O presidente Lula com imagem de Cristo que fixará em gabinete, em vídeo divulgado em rede social nesta terça-feira (10)
O presidente Lula com imagem de Cristo que fixará em gabinete, em vídeo divulgado em rede social nesta terça-feira (10) - lulaoficial no Instagram

O muito público testemunho de fé vem depois de uma campanha em que adversários não perderam oportunidades para pôr em xeque a religiosidade do petista. Sua equipe enxugava gelo tentando combater a cornucópia de fake news nesse sentido, produzindo textos como "Lula é cristão, nunca fechou nem vai fechar igrejas" e "Lula é cristão, não existe qualquer relação com o satanismo".

"A verdade, como já repetimos antes, é que Lula é cristão, católico, crismado, casado e frequentador da igreja", dizia o material.

Houve um tempo em que ele, inclusive, foi o que poderíamos chamar de fanático religioso. Estava de luto após perder Maria de Lourdes, sua primeira esposa, e o filho que ela carregava no ventre.

Foi quando Lula entrou num movimento católico popular nos anos 1970, os Cursilhos da Cristandade. "Eu me sentia tão borocoxô que agarrei aquela novidade para sobreviver em paz", recordou em sua biografia assinada por Fernando Morais.

Quem estranhou a mudança no comportamento do irmão foi Frei Chico, que por sinal nunca foi frade —uma precoce calvície no cocoruto lhe rendeu o apelido.

Para Chico, "aquilo estava ganhando ares de fundamentalismo religioso", reproduz o biógrafo do presidente. Deu um pito no irmão: "Lula, isso está virando fanatismo, rapaz. Você acorda rezando, passa o dia agradecendo a Deus. Eu entro em casa, vejo você ajoelhado na beira da cama. Volto pra casa, tá lá você, de joelhos. Parece que você tem que agradecer a Deus até a cada peido que solta!"

"Depois dessa fase dos Cursilhos, ele ia à missa aos domingos. Não era beato papa-hóstia nem hostil ou indiferente [à igreja]", conta Morais.

As greves que Lula liderou no final daquela década o aproximaram de figuras fortes do catolicismo. Ele ficou amigo de dom Cláudio Hummes (1934-2022), que anos depois chegaria perto de ser papa. Dom Cláudio endossou as paralisações do ABC paulista e protegeu sindicalistas da retaliação da ditadura militar.

Lula o conheceu por meio de Frei Betto. Era ele quem dormia no sofá da casa do líder sindical quando a polícia chegou para prendê-lo, em 1980. Em 2003, Betto benzeu a estátua de Cristo que Lula resgatou para sua terceira vez na cabeceira do Executivo federal.

Também estreitou laços, nessa época, com dom Angélico Sândalo Bernardino, então bispo-auxiliar de São Paulo. Em abril de 2018, dom Angélico conduziu um ato ecumênico para o amigo de longa data, num comício em São Bernardo do Campo (SP). Lula seria preso pela Lava Jato horas depois.

Fernando Morais lembra da importância da Teologia da Libertação, corrente progressista na Igreja Católica, e das comunidades eclesiais de base que incentivou, para a fundação do Partido dos Trabalhadores. "Se eu pudesse fatiar o PT no berço, era um terço de igreja, um terço de metalúrgicos e uma fatia menor de intelectuais progressistas", afirma.

Lula pode ser não o mais praticante dos católicos, mas não consta que a fé ocupe uma fração ínfima de sua trajetória, como teorizaram oponentes da corrida eleitoral de 2022.

Ao decidir expor nas redes o regresso da imagem de Cristo, que aliás foi removida de lá pela aliada Dilma Rousseff, o presidente busca neutralizar o discurso daqueles que descartam qualquer justaposição entre esquerda e cristianismo.

A oposição maior, hoje, vem dos evangélicos. Pastores de maior expressão abraçaram o bolsonarismo e, se muitos deles apoiaram Lula no passado, na última eleição o demonizaram, num jogo que mescla ideologia conservadora e interesses políticos.

Nesse quesito, o post com o ícone de Cristo pode angariar alguma simpatia, pelo apreço demonstrado pelo símbolo máximo dos cristãos, mas também soar indigesto. Igrejas evangélicas não veneram santos nem adotam quaisquer representações deles ou da Santíssima Trindade, por rechaçarem a idolatria. As paredes dos seus templos têm, no máximo, crucifixos vazios.

Foi essa mesma imagem de Jesus que a Polícia Federal encontrou num cofre do Banco do Brasil associado a Lula, em 2016, quando ele foi alvo de uma operação da Lava Jato. Então procurador do caso, o agora deputado eleito Deltan Dallagnol (Podemos-PR) acreditava ser uma estátua roubada pelo petista e de autoria de Aleijadinho, o famoso artista mineiro do século 18. Nenhuma das informações procedia.

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