Múcio diz que novo comandante fará 'costuras internas' após troca no Exército

Declaração foi dada após ministro da Defesa e general Tomás Paiva conversarem durante café da manhã

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Brasília

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou nesta segunda-feira (23) que o novo comandante do Exército, Tomás Paiva, terá de fazer costuras internas na Força para retomar a normalidade após a demissão do general Júlio César de Arruda.

"Ele [Tomás] prometeu servir ao país no comando do Exército. Está entusiasmado. Evidentemente que existem algumas costuras internas para fazer, a coisa foi muito rápida, mas nós tínhamos que fazer o que foi feito", disse Múcio.

A declaração foi dada após Múcio se encontrar com Tomás durante um café da manhã em Brasília. O novo comandante já foi nomeado e trabalha na sede do Quartel-General do Exército.

Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante café da manhã com o novo comandante do Exército, general Tomás Paiva, nesta segunda-feira (23) - Douglas Magno/AFP

Ainda há dúvidas sobre a realização da transmissão do cargo —tradicional cerimônia em que o antigo comandante passa a função ao sucessor, com a entrega da réplica da espada de Duque de Caxias.

Durante a conversa com a imprensa, Múcio tentou apresentar tranquilidade. Ele disse que conversou pela manhã com Júlio César de Arruda e que a cirurgia do general, realizada no sábado, foi bem-sucedida.

"Desde a questão dos acampamentos, do dia 8, houve uma quebra de confiança, entendeu? De maneira que fica muito difícil trabalhar quando as coisas ficam sob suspeita, se ia ou não tomar a providência. Mas está tudo em paz, tudo calmo. Foi um final de semana evidentemente de muito trabalho."

O ministro da Defesa ainda disse que não deu orientações para Tomás cuidar dos militares porque "ele sabe muito melhor [do que eu] como lidar com as tropas". "As coisas estão tranquilas", reforçou Múcio.

No domingo (22), o ministro disse à Folha que a ordem do Planalto é não abrir mão da punição dos responsáveis pela invasão e depredação dos Três Poderes. "Lula não vai perdoar ataques golpistas. Investigações vão até o fim", completou.

O novo comandante do Exército deve se reunir com o Alto Comando da Força nesta terça-feira (24) para discutir a crise instaurada após a demissão do antecessor. A reunião é considerada pela cúpula do Ministério da Defesa um momento importante para evitar que a crise entre o Planalto e as Forças Armadas escale ainda mais.

A pauta foi debatida com o ministro da Defesa durante café da manhã.

A convocação é extraordinária e servirá para o novo comandante dar esclarecimentos ao generalato, após uma reunião considerada confusa realizada no sábado (21), quando Arruda anunciou aos pares que deixaria o cargo.

Um dos casos centrais a serem discutidos na reunião do Alto Comando é o futuro do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com generais ouvidos pela Folha, ele deve ter a nomeação para o comando do 1º Batalhão de Ações de Controle, em Goiânia (GO), revertida por ordem de Lula.

Segundo relatos de interlocutores do novo comandante, Tomás também pretende dar esclarecimentos sobre a troca no comando do Exército, conversar sobre casos de outros militares que podem ser punidos por participação nos atos antidemocráticos e defender que a Força dê sinais de confiança para o governo eleito.

O Alto Comando do Exército é um colegiado composto pelos 16 generais quatro estrelas da ativa, a patente mais alta.

O grupo é majoritariamente contrário à suspensão da nomeação de Cid para o comando do batalhão em Goiânia. Quatro generais relataram à Folha que a ação é precipitada, já que as investigações sobre transações suspeitas realizadas por ele para a família Bolsonaro não foram concluídas.

Por isso, uma das saídas costuradas no generalato é abrir um processo interno para retirar Cid do cargo de comando e posicioná-lo em função mais burocrática enquanto a Polícia Federal avança na investigação.

Militares contrários à solução dizem que a medida poderia prejudicar futuras promoções, uma vez que, sem assumir cargo de comando, ele deixa de cumprir pré-requisitos para receber a insígnia de coronel.

Eles ressaltam ainda que o caso pode representar uma interferência política na Força. No Planalto, a avaliação é que Cid está sob suspeita e não pode assumir cargo de comando neste cenário.

Além da situação de Cid, o Alto Comando deve se debruçar sobre a posição do comandante militar do Planalto, general Gustavo Dutra, e do tenente-coronel Paulo Jorge Fernandes, comandante do BGP (Batalhão da Guarda Presidencial).

No caso dos dois, não há ordem expressa para tirá-los das funções, mas ambos podem ser designados para outros cargos para aplacar a crise com o Palácio do Planalto.

A única certeza, que deve ser anunciada na terça, é a manutenção do general Valério Stumpf na ativa. Chefe do Estado-Maior do Exército, ele é mais antigo que o novo comandante e, pelas regras militares, deveria ir à reserva.

Stumpf, no entanto, vai aproveitar o "precedente Amaro" para permanecer no cargo até 31 de março, data final de seu serviço na ativa.

O general Marcos Antonio Amaro deveria ter ido para a reserva em 2021, quando o general Paulo Sérgio Nogueira foi escolhido para assumir o comando do Exército.

Em uma manobra interna, mesmo mais antigo, ele permaneceu no cargo, viu o general Freire Gomes suceder Nogueira e deixou o Alto Comando em março de 2022 —um ano após o previsto.

De acordo com auxiliares de Múcio, um dos principais objetivos com a escolha do general Tomás é desatar resistências que ainda existam no Alto Comando com a vitória de Lula.

Nos bastidores, parte dos militares vinha se queixando das últimas declarações públicas de Lula. A pior reação ocorreu quando o presidente insinuou que a Força poderia aplicar um golpe se Lula tivesse decretado GLO (Garantia da Lei e da Ordem) durante a invasão às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro.

Apesar de declarações do presidente Lula sobre a necessidade de se despolitizar as Forças Armadas, generais têm dito nas últimas reuniões que não há problemas de insubordinação das tropas.

Em visita à Argentina, Lula disse nesta segunda esperar que a mudança no comando do Exército traga de volta a normalidade da relação do governo com o meio militar.

"As Forças Armadas não existem para servir a um político e sim para proteger o povo brasileiro", afirmou.

O plano de Lula envolve investir em projetos estratégicos de defesa para resgatar a confiança dos militares e retirá-los de cargos-chave da estrutura do Executivo.

"Todas as carreiras de Estado não podem se meter na política no exercício de sua função, porque essa gente tem estabilidade, essa gente não pertence a nenhum governo, pertence ao Estado brasileiro. Eles precisam aprender a conviver democraticamente com qualquer pessoa", disse Lula.

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