Descrição de chapéu Governo Lula forças armadas

Lavagem cerebral da Lava Jato alimentou resistência a Lula entre militares, diz Jaques Wagner

Líder do governo afirma à Folha que presidente deixa 2026 em modo de espera para evitar corrida do ouro

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Brasília

Líder do governo Luiz Inácio Lula da Silva e ex-ministro da Defesa, o senador Jaques Wagner (PT-BA) diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o responsável pela politização das Forças Armadas, mas atribui a resistência das tropas ao PT também ao que chama de "lavagem cerebral" da Operação Lava Jato.

"[Foi] essa lavagem cerebral que foi feita como forma de conquista do poder. Isso entrou muito nas Forças. Você vê a expressão de alguns: Eu não vou bater continência para um corrupto. Para mim, o caldo maior é muito menos ideológico e muito mais em cima disso", afirma em entrevista à Folha.

Jaques Wagner (PT-BA) na liderança do governo no Senado em entrevista à Folha - Gabriela Biló/Folhapress

O senador diz que Lula tem hoje confiança no ministro José Múcio (Defesa) e nos comandantes militares. Ele aponta que é preciso levar as Forças de volta ao "leito natural" previsto na Constituição. "Eles não são tutores da democracia brasileira", diz o petista, ministro da Defesa na gestão de Dilma Rousseff.

Wagner diz que Lula deve ter no Senado mais do que os 49 votos pela reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) –e que deve negociar com partidos que hoje estão fora da coalizão, como PP e Republicanos.

O líder do governo diz ainda que Lula pode tentar se reeleger em 2026, como o presidente vem sugerindo, mas avalia que as declarações são uma maneira de evitar uma "corrida do ouro" entre petistas e aliados interessados na sucessão.

Como o presidente vai construir sua base? A eleição [para presidente do Senado] não pode servir de balizamento para a base do governo. Ela tem características particulares, não tem um degradê que é normal no jogo da aprovação de matérias. A matéria entra, sofre crítica, sofre contribuição e daqui a pouco você tem o que é possível numa base de sustentação.

Então qual é o tamanho da base e da oposição no Senado hoje? Vai depender da matéria. A linha de raciocínio não é uniforme por partido. Eu acho que a nossa base será maior do que 49. Vai depender do poder de negociação, do relacionamento que se constrói. Você deposita uma força muito grande na capacidade de diálogo do presidente Lula.

Na PEC [da Transição], nós tivemos 64 votos. Esse é o número da base? Não necessariamente. Só estou mostrando que, em dois episódios próximos, a diferença foi grande. Na eleição, não necessariamente quem votou em Rogério Marinho é um aficionado pela oposição. Teve gente do PT que fez esse brilhante comentário: "Isso mostra que teremos dificuldade". Foi uma leitura totalmente equivocada.

PP, Republicanos e PL estarão na oposição ou no degradê com quem dá para conversar? Eles se declaram oposição. Mas eu também era oposição no governo que se encerrou e não quer dizer que a gente não sentou e negociou. Quando chegarem, por exemplo, a reforma tributária e o novo marco fiscal, não tem torcida organizada. Todo mundo acha que o Brasil tem que ter um arcabouço fiscal diferenciado.

A formação da base se dá numa negociação por cargos. Partidos como PP e Republicanos e outras alas da União Brasil serão atendidos? Não é prática nem minha nem do presidente administrar questões internas dos partidos. A União Brasil tem diferenças internas, mas a negociação foi feita com um conjunto do partido, não uma parte. Houve o episódio do líder [da União Brasil] na Câmara [Elmar Nascimento (BA), vetado por petistas para o Ministério da Integração], que não foi uma interdição de ninguém. Foi a questão da forma como ele tratou o presidente da República durante [a campanha].

Existem conversas para que Elmar Nascimento indique pessoas para outros cargos. O sr. concorda? Concordo. Sou da Bahia, então de repente podem direcionar a mim [a responsabilidade pelo veto]. Não tenho nada a ver com isso. Foi muito mais a questão da postura durante a campanha. Esse problema não é do governo. É um problema de entendimento entre eles.

O presidente Lula disse ser contra uma CPI para investigar os ataques de 8 de janeiro. Qual vai ser a posição da base? A CPI da Covid era absolutamente necessária porque os órgãos federais não atuavam conforme deveriam. No episódio do 8 de janeiro, surgiu a ideia de uma CPI. Era inevitável que todo mundo assinasse porque aquela coisa chocou o Brasil. Mas, hoje, qual seria o papel da CPI? Qual é a eficácia, se já tem gente presa, investigada, processada? Eu não vejo serventia. Então não tem nenhum temor. O que não nos interessa é tirar o foco do Congresso e da economia.

Se houver CPI, o governo consegue controlar a comissão? Ou vai tentar evitar que a CPI funcione, ao não indicar os membros? Você não pode querer que eu diga qual estratégia a gente vai usar [risos]. Para mim, tanto faz. A oposição vai sempre querer bater. Eu acho estranho porque, na verdade, o cerne do que aconteceu é a postura do ex-presidente [Jair Bolsonaro]. Quem foi que plantou o conflito entre os Poderes? Então, para mim, tanto faz ter maioria ou não deixar ter assinatura ou não estar presente para não ter sessão.

Na campanha, Lula disse que não concorreria à reeleição, mas agora admite a possibilidade. Ele deve ser candidato em 2026? É difícil dizer agora, está muito cedo. Depende de várias coisas. Primeiro, depende fundamentalmente da vontade dele. Para alguém que está no poder, dizer que está abrindo mão dele não é a melhor coisa. Porque aí começa a disputa de quem é o sucessor [risos].

Ele fala da possibilidade de reeleição para estancar uma disputa interna? Não sei se ele fala para isso, mas tem esse efeito. Eu tenho convicção de que ele vai se sair muito bem e que poderá ser reeleito ou fazer um sucessor. Na minha opinião, ele preferiu deixar isso em stand by [modo de espera] para as duas coisas: para não abrir mão do poder e também para não começar uma corrida do ouro.

Olhando para a aliança do governo, quais são as alternativas? As pessoas que estão hoje na fotografia, vai depender da caminhada delas. Vou dar um exemplo do que eu vivi: a Dilma [Rousseff] nunca foi das que estavam disputando lugar. Mas, na Casa Civil, ela cumpriu um papel que agradou ao presidente e acabou escolhida.

É uma função parecida com a que o presidente delega ao ministro Rui Costa agora. Eu não falei para ter essa comparação. É evidente que ele é uma pessoa que vai estar entre os que estão com possibilidade. Se você quiser que eu liste nomes, tem o Camilo [Santana, ministro da Educação], tem o Wellington [Dias, ministro do Desenvolvimento Social], tem o Flávio Dino [ministro da Justiça]. Tem o vice-presidente [Geraldo Alckmin]. Vai depender muito da entrega de cada um. Se o cara brilha, inevitavelmente vai haver reconhecimento.

Se eu puder fazer uma recomendação aos que pretendem: não pretendam tanto, a tanto tempo da eleição. Quem bota a cara no ponto vai acabar se desgastando. Esqueci de falar do [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad, evidentemente, que já foi candidato. Nome tem de sobra.

O sr. vê a ministra Simone Tebet na foto? Ela seguramente está numa foto. Não sei se seria candidata desse grupo. Ela é ministra por reconhecimento da postura correta e corajosa dela no segundo turno. Ela foi candidata pugnando por um outro programa de governo. Se pode virar candidata do grupo, é uma decisão muito dela, do partido dela e do grupo como um todo.

Como ex-ministro da Defesa, que avaliação o sr. faz do início conturbado da relação do presidente com as Forças Armadas? Lula confia nos militares? Ele tem confiança no Ministro da Defesa [José Múcio] e nos chefes militares que estão aí. Acredita muito nas Forças Armadas com uma função de Estado, e o sonho dele é que a gente volte ao leito natural das Forças Armadas, que têm a sua missão constitucional.

Nesses quatro anos, as Forças foram lideradas por um comandante-em-chefe [o ex-presidente da República] que teve uma postura totalmente não constitucional, tentando politizar as Forças Armadas, ideologizar as Forças Armadas. Os atuais chefes militares têm essa compreensão de que é preciso voltar ao leito natural.

Não é um cavalo de pau que você vai dar. Passaram-se quatro anos com uma doutrina que está fora do texto constitucional. O que precisa é voltar ao texto constitucional. Eles não são tutores da democracia brasileira.

Múcio foi criticado por alguns integrantes do governo por ter adotado postura apaziguadora demais, principalmente na questão do acampamento em frente ao Exército. O comportamento que ele adotou era o correto? Quando viu que havia um desvio, ele sugeriu a mudança do comandante [do Exército]. O episódio da concentração em frente ao quartel-general é uma anomalia, não tem nenhuma razão para aquilo acontecer.

Foi o ministro quem sugeriu ao presidente que o comandante fosse demitido? Seguramente, o ministro Múcio deve ter sentido que não havia mais espaço de convivência. Então, acabou sugerindo outro nome. Todos os três mais antigos que estavam na lista poderiam ter sido escolhidos na primeira hora.

O ministro Múcio preferiu manter uma lógica da antiguidade, então pegou os três mais antigos. Quando eu fui ministro da Defesa, entrevistei os três mais antigos [de cada Força]. O do Exército foi o terceiro, que era o [Eduardo] Villas Bôas. O [Eduardo] Leal [Ferreira] era o segundo da Marinha, e o [Nivaldo] Rossato era o primeiro da Aeronáutica.

Muita gente atribui a Villas Bôas a saída das Forças Armadas desse "leito natural". O sr. se arrepende de tê-lo escolhido? Eu não concordo. Acho que quem tirou do leito foi o [ex-]presidente da República.

Mas houve o tuíte do Villas Bôas [sobre um julgamento de Lula no STF em 2018]. É um episódio pontual, fora daquilo que era papel dele. Não quero fazer julgamento. Enquanto estive à frente do Ministério da Defesa, ele sempre foi uma pessoa muito boa no tratamento comigo, foi um chefe muito competente, sempre teve liderança sobre a tropa.

Um comandante de Exército fica sempre tentando mediar posições de alguns segmentos mais radicalizados. Eu não acho que ele puxou. Acho que, na verdade, tem uma coisa pouco falada. Quem ajudou muito toda essa questão [da politização] dentro das Forças foi infelizmente a loucura da Lava Jato e da cobertura de segmentos da mídia que queriam criminalizar o PT e o presidente Lula.

Isso entrou nas tropas? Total. Esse, para mim, é um problema maior que aconteceu dentro das Forças. A relação das Forças com o presidente Lula foi a fase de maior reconhecimento técnico, profissional e salarial das Forças.

O que aconteceu? Como o grosso das Forças é originário da classe média e tem na honestidade um valor, na medida em que ele foi bombardeado… Por mais que tenha sido anulado o processo, provado tudo, vai ter gente que vai dizer que o presidente Lula é ladrão, é corrupto. Fuçaram a vida do cara de cima para baixo. Não acharam, pelo que eu saiba, nenhum patrimônio escondido, conta no exterior, nada disso. Mas continuam chamando.

[Foi] essa lavagem cerebral que foi feita como forma de conquista do poder. Isso entrou muito nas Forças. Você vê a expressão de alguns: eu não vou bater continência para um corrupto. Para mim, o caldo maior é muito menos ideológico e muito mais em cima disso. Isso eu ouvi de gente lá de dentro.

O principal nome da Lava Jato, o ex-juiz Sergio Moro, virou seu colega de Senado. Como vai ser essa relação? Eu tenho que respeitar ele em respeito ao povo que resolveu votar nele. Já cumprimentei e dei as boas-vindas. Vou tentar tratar dentro do padrão de civilidade que é próprio do Senado. Óbvio que vai ter embate de ideia, mas ninguém aqui em tese vai sair no soco nem na ofensa, espero [risos].


RAIO-X | Jaques Wagner, 71

Senador pelo PT, é líder do governo no Senado e amigo de Lula. Foi ministro do Trabalho e das Relações Institucionais nos governos Lula, ministro da Defesa e da Casa Civil no governo Dilma Rousseff e governador da Bahia.

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