Senador liga Bolsonaro a plano golpista para gravar Moraes e barrar Lula

Parlamentar Marcos do Val (Podemos-ES) diz avaliar sua renúncia ao mandato; ex-presidente está desde dezembro nos EUA

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São Paulo e Brasília

O senador Marcos do Val (Podemos-ES), 51, apresentou relatos que ligam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a um plano golpista de gravar o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes com o objetivo de reverter o resultado das eleições de 2022 e impedir a posse do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As declarações começaram a ser divulgadas na madrugada desta quinta (2), quando o senador fez uma transmissão ao vivo pelas redes sociais e afirmou que a revista Veja publicaria uma reportagem mostrando que Bolsonaro tentou coagi-lo a "dar um golpe de Estado junto com ele". Na ocasião, anunciou ainda que renunciaria.

O senador Marcos do Val em entrevista nesta quinta-feira
O senador Marcos do Val em entrevista nesta quinta-feira - Pedro Ladeira/ Folhapress

"Eu ficava puto quando me chamavam de bolsonarista. Vocês me esperem que vou soltar uma bomba. Sexta-feira vai sair na Veja a tentativa de Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de estado junto com ele, só para vocês terem ideia. E é logico que eu denunciei", disse.

Horas depois, questionado pela Folha, Do Val recuou da acusação direta e disse que Bolsonaro "só ouviu" o plano do ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) e afirmou que sua decisão sobre renunciar ou se afastar do mandato ainda não estava tomada.

O senador disse também à reportagem que se encontrou com os dois porque recebeu uma ligação do próprio então presidente da República e que entrou no local da reunião em um carro da Presidência.

O plano de Silveira, segundo Do Val, era gravar o ministro do Supremo e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e tentar arrancar dele alguma contradição que pudesse, depois, prendê-lo. "Se aceitar a missão, parafraseando o 01, salvamos o Brasil", diz uma mensagem atribuída a Silveira, revelada pela Veja e obtida pela Folha.

"Era muito perceptível o medo do Daniel de ficar vivendo com a sombra do Alexandre de Moraes querendo prender ele a qualquer hora. Aí ele queria fazer o inverso. Construiu um complô para o Alexandre ser preso", disse o senador à Folha.

O congressista afirma que Bolsonaro ouviu a proposta, mas ficou em silêncio e se manifestou apenas ao final do encontro, dizendo que iria pensar.

"[Bolsonaro] só ouviu junto comigo, aí eu fiz os questionamentos. A questão da legalidade, e por quê. Aí, na hora de ir embora, a única coisa que o presidente falou foi o seguinte: Vamos pensar", disse à reportagem.

Do Val afirmou que, após o encontro, avisou Moraes sobre a conversa, por mensagem. Na semana seguinte, os dois se reuniram novamente. Segundo ele, Moraes se mostrou surpreso. O senador afirmou ainda que Silveira insistiu no plano depois da reunião com Bolsonaro.

A Polícia Federal intimou o senador a depor na investigação aberta para apurar os ataques golpistas ocorridos após o segundo turno das eleições e que desaguaram nas invasões aos prédios do três Poderes em 8 de janeiro.

Bolsonaro está nos Estados Unidos desde o final do ano passado e ainda não se manifestou sobre a declaração do senador.

Filho mais velho do ex-mandatário, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que "a situação que foi narrada não configura nenhuma espécie de crime". "Que todos os esclarecimentos sejam feitos para que não fiquem narrativas em cima de narrativas no intuito de superar os fatos."

O ex-presidente é alvo de diferentes ações que pedem a sua inelegibilidade por abuso de poder nas eleições e também está mira de apurações sobre os ataques de 8 de janeiro como tendo sido o seu principal incentivador por causa de inúmeras declarações golpistas ao longo do mandato (2019-2022).

Bolsonaro pediu um visto de turista para permanecer mais tempo nos Estados Unidos, onde está desde o fim do ano passado, segundo seus advogados.

Ele afirmou na terça-feira (31) que vai ficar mais tempo no país. "Estou há 30 dias aqui, pretendo ficar por mais algum tempo. Não tenho certeza quanto tempo ainda. Estou com muita saudades do meu país."

Ao anunciar a renúncia em suas redes, durante a madrugada, Do Val não citou Bolsonaro.

"Perdi a convivência com a minha família, em especial com minha filha. Não adianta ser transparente, honesto e lutar por um Brasil melhor, sem os ataques e as ofensas que seguem da mesma forma. Nos próximos dias, darei entrada no pedido de afastamento do Senado e voltarei para a minha carreira nos EUA", disse.

Afirmou ainda que "nada existe de grandioso sem paixão". "Essa paixão não estou tendo mais em mim. As ofensas que tenho vivenciado, estão sendo muito pesado para a minha família. Que Deus conforte os corações de todos os meus eleitores. Desculpem, mas meu tempo, a minha saúde até a minha paciência já não estão mais em mim! Por mais que doa, o adeus é a melhor solução para acalmar o meu coração", completou.

Do Val disputou uma eleição pela primeira vez em 2018 e se elegeu com 24,8% dos votos do Espírito Santo. Ele foi eleito na onda de Bolsonaro, que venceu aquele pleito presidencial e fez com que diversos aliados estreantes na política conquistassem vagas no Legislativo.

O senador também costuma dar voz às teses bolsonaristas. No último dia 13, fez críticas ao ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), e acusou o governo federal de permitir as invasões e depredações nas sedes dos três Poderes.

"Tanto ele como o presidente Lula, sabiam de tudo e deixaram a tragédia acontecer. Pedirei seu afastamento e a sua prisão", escreveu nas redes sociais. Ele visitou bolsonaristas presos em Brasília e tirou fotos com eles.

Do Val é militar do Exército e ganhou fama como instrutor de agentes de segurança pública e privada, inclusive de outros países. Durante a CPI da Pandemia no Senado, o parlamentar se notabilizou pela defesa enfática do governo Bolsonaro.

Nesta semana, em seu primeiro evento público desde que deixou o Brasil, Bolsonaro afirmou que o novo governo Lula "não vai durar muito tempo", disse que houve injustiça nos processos dos ataques em Brasília em 8 de janeiro e afirmou que permanecerá no país por mais tempo.

"Pode ter certeza, em pouco tempo teremos notícias. Por si só, se esse governo [Lula] continuar na linha que demonstrou nesses primeiros 30 dias, não vai durar muito tempo", disse, sem deixar claro se estava se referindo a um eventual processo de impeachment, por exemplo.

Nesta quinta, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, afirmou à Polícia Federal que foi uma metáfora a declaração que deu durante uma entrevista sobre a existência de propostas de minutas de teor golpista em poder de autoridades ligadas ao governo do ex-presidente Bolsonaro. O interrogatório foi autorizado por Moraes.

Uma cópia do documento para Bolsonaro instaurar estado de defesa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) foi encontrada pela PF há três semanas na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, como revelou a Folha.

Torres, que também foi secretário da Segurança Pública no DF, é alvo de investigação que apura eventual omissão de autoridades públicas sobre os ataques golpistas do dia 8 de janeiro.

Em entrevista ao jornal O Globo, Valdemar disse que diversos membros e interlocutores do governo Bolsonaro tinham, em suas casas, propostas similares à minuta do golpe.

"Aquela proposta que tinha na casa do ministro da Justiça, isso tinha na casa de todo mundo", disse, acrescentando que Bolsonaro "não quis fazer nada fora da lei".

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