Assembleia de SP vê avanço de mulheres após violência de gênero impactar legislatura

Depois do caso Isa Penna e da cassação de Arthur do Val, número de eleitas sobe de 18 para 25 entre 94

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São Paulo

Com crescimento de 39% no número de mulheres eleitas, a nova Assembleia Legislativa de São Paulo, que toma posse no dia 15 de março, sucede uma legislatura marcada por escândalos de violência contra deputadas.

São 13 mulheres reeleitas e 12 eleitas que formam a bancada feminina de 25 deputadas entre os 94 parlamentares da Casa –em 2018, foram eleitas 18.

Deputadas ouvidas pela Folha dizem esperar que os casos recentes de machismo tenham efeito pedagógico e de alerta para a legislatura que se inicia. Mas com uma nova leva de deputadas feministas e de deputados conservadores chegando à Casa, há a expectativa de que conflitos sejam reeditados.

Deputada Mônica Seixas (PSOL) durante sessão no plenário ao lado de deputados
Deputada Mônica Seixas (PSOL) durante sessão no plenário ao lado de deputados - 7.fev.22/Alesp

O caso da deputada Isa Penna (PC do B), que foi apalpada durante uma sessão plenária pelo deputado Fernando Cury (União Brasil) em dezembro de 2020, se tornou emblemático, mas não foi um episódio isolado de violência contra as mulheres na Alesp.

Deputadas relatam comentários sobre aparência e vestimenta, estratégias de silenciamento, toques indesejados e conversas inapropriadas –no elevador, nos corredores e no plenário.

"O recado é o de que não somos bem-vindas", diz a deputada reeleita Mônica Seixas, do Movimento Pretas, líder do PSOL.

"Quantas vezes fui intimidada e não consegui fazer com que isso prosperasse?", questiona Analice Fernandes, líder do PSDB, que entra em seu sexto mandato.

O grupo de estreantes inclui Paula da Bancada Feminista (PSOL), Ediane Maria (PSOL) e Thainara Faria (PT) do lado da esquerda feminista, e deputadas da direita e bolsonaristas, como Fabiana B. (PL) e Dani Alonso (PL).

Fabiana afirma à Folha que as "situações gravíssimas" que ocorreram na Alesp tiveram repercussão e que "com certeza isso vai inibir" novos casos. "Com mais mulheres, uma ajuda e protege a outra. Eu sinto uma diminuição do machismo, tenho liberdade para falar, tenho voz e sou respeitada."

Paula diz que "debates ideológicos podem se repetir", ligados à religião e costumes. "O deputado responsável por assediar a Isa Penna não foi reeleito, mas outros tantos que compravam embates da ala fundamentalista religiosa com mulheres trans, caso da Erica Malunguinho [PSOL], foram reeleitos", pontua.

A Bancada Feminista do PSOL considera ainda que o foco de embate pode surgir de fora da Alesp.

"O maior desafio para as mulheres é a nomeação de Sonaira Fernandes [Republicanos] para a Secretaria da Mulher. É uma afronta ao direito das mulheres. Ela é uma antifeminista que atacava travestis e transexuais. Será difícil avançar em termos de políticas públicas", avalia Paula.

"Não acho que essa legislatura vá ser mais fácil. Trocamos alguns atores, mas os estereótipos foram renovados", diz Mônica, também mencionando a eleição de novos bolsonaristas e de outro integrante do MBL, Guto Zacarias (União Brasil).

Ela diz que os parlamentares de extrema-direita têm "pitadas de revanchismo contra o feminismo". "Vai haver parlamentares com sede de vingança e de violência, mas eles vão chegar a uma Alesp que, como instituição, está marcada pelos episódios [contra mulheres] e deve estar mais atenta a isso."

"Tudo que aconteceu no último mandato serviu como aprendizado. Estamos no caminho de a Casa começar a reconhecer que o Conselho de Ética funciona, que não vamos nos calar, que estamos mobilizadas. Não é fácil, eu não abro mão de falar e sou tida como chata e briguenta", diz Analice.

Embora a bancada feminina pressionasse pela cassação de Cury, o desfecho de suspensão por seis meses foi tido como uma vitória histórica diante da tentativa dos pares de protegê-lo.

A cassação, por sua vez, foi aplicada a Arthur do Val (União Brasil), o Mamãe Falei, em maio de 2022, pela fala machista relacionada às ucranianas vítimas da guerra. "São fáceis, porque elas são pobres", disse o então deputado em áudio vazado.

Já o deputado Wellington Moura (Republicanos) foi poupado no Conselho de Ética por 5 votos a 4 e não enfrentou punição na Casa por ter dito, em maio passado, que iria colocar um cabresto na boca de Mônica. Ele, no entanto, foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral sob acusação de ter praticado violência política de gênero.

Os casos de Cury e Arthur também correm em paralelo na Justiça, depois de terem sido processados pelo Conselho de Ética presidido por uma mulher, a deputada Maria Lúcia Amary (PSDB).

Foi também nesta legislatura que se encerra que Douglas Garcia (Republicanos) disse que "tiraria no tapa" uma mulher trans do banheiro feminino –a fala atingiu Malunguinho.

E teve ainda Luiz Fernando (PT) afirmando que Carla Morando (PSDB) deve seu cargo ao marido, prefeito Orlando Morando (PSDB) de São Bernardo do Campo, e Enio Tatto (PT) dizendo que Janaina Paschoal (PRTB) estava sentada no colo do então governador João Doria.

Mônica Sodré, cientista política e diretora da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), afirma ter a percepção de que o machismo atinge "mulheres de todas as posições do espectro político e ideológico".

Já a reação ao machismo é diferente na esquerda e na direita, na avaliação de Mônica Seixas, do PSOL, para quem a trincheira é compartilhada por parlamentares progressistas, antirracistas e feministas –o que não é o caso de todas as eleitas.

"A gente deve unir forças, sendo de esquerda ou de direita, no quesito de ser mulher para não deixar nenhuma violência acontecer com nenhuma deputada", opina Fabiana.

Questionada pela reportagem sobre ser feminista, a deputada diz que não se classifica mais assim. "Sou muito cristã e entendi que Jesus pregava a liberdade para a mulher, mas sem o feminismo", diz.

Como ressalta Sodré, os obstáculos das mulheres na política não se encerram com a sua eleição –é preciso investir em sua permanência.

Isa tentou a candidatura para deputada federal em meio à depressão e não foi eleita. Malunguinho desistiu da candidatura. E Mônica se afastou do mandato por quatro meses, em 2021, para cuidar da saúde mental.

"Eu tive a ‘sorte’ de ter colapsado no meio do meu mandato. Eu não conseguia sair de casa e isso tem a ver com a violência que eu tenho que enfrentar no dia a dia, no que deveria ser meu trabalho", diz Mônica.

"Ser ‘louca diagnosticada’ se tornou um novo estereótipo. Mas eu estava fortalecida pelo tratamento e cercada pelo Movimento das Pretas, estava muito apoiada numa rede de acolhimento, o que me fez disputar a reeleição."

"O espaço da política não é visto como um espaço para mulheres", diz Sodré, ressaltando os casos de violência política de gênero não só na Alesp, mas no mundo.

"O aumento no número de mulheres na Casa é um indicador positivo, que tende a trazer mudanças e mais atenção ao tema, mas somente a eleição de mais mulheres não dá conta de diminuir a situação que estamos tratando", completa.

Na Raps, deputadas novatas recebem mentoria de deputadas veteranas para trocar experiências. Sodré cobra mais medidas dos partidos, como transparência na cota da verba que deve ser dedicada ao fomento da participação feminina. Outra iniciativa seria bancar advogados e tratamento psicológico em casos de violência.

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