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Indicado político para cargo técnico pode ter vantagens, diz estudo

Pesquisa avalia desempenho em relação a concursados, mas ressalta também aspectos negativos do apadrinhamento

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São Paulo

Pessoas que ocupam um cargo técnico, como o de diretor de escola, por indicação política podem entregar mais resultados do que concursados, ainda que a prática traga também efeitos negativos, mostra pesquisa.

O trabalho, publicado em janeiro no prestigiado periódico American Journal of Political Science, junta-se a uma nova geração de estudos que têm mostrado nuances e aspectos positivos do apadrinhamento no serviço público, prática tradicionalmente associada a corrupção e clientelismo.

A tese não é consenso entre pesquisadores. Parte deles aponta riscos relevantes da indicação política para os resultados das políticas públicas, como a escolha de profissionais pouco qualificados.

pernas e carteiras de alunos
Aula em escola de Osasco; pesquisa analisou desempenho de diretores escolares - Karime Xavier - 31.mar.22/Folhapress

O estudo de Guillermo Toral, professor de ciência política da IE University, na Espanha, analisou o trabalho de diretores de escolas municipais do Brasil com base em dados administrativos e entrevistas tanto com servidores como com políticos.

Isolando outros fatores, ele conclui que os diretores que perderam suas conexões políticas após o prefeito perder a reeleição se tornaram menos eficazes em melhorar a qualidade da escola.

Em sua avaliação, isso sugere que o alinhamento político pode ajudar na obtenção de resultados.

Isso ocorreria porque indicados teriam maior alinhamento a políticos e acesso a recursos materiais e não materiais.

Outra conclusão de Toral é que diretores que chegaram ao cargo por indicação política, mas não atingiram metas de qualidade, têm mais chances de serem substituídos do que os concursados na mesma situação.

Ainda assim, no geral, ele também aponta problemas do apadrinhamento: pode facilitar o uso da burocracia em proveito próprio por políticos corruptos e também torna a política pública mais vulnerável quando há troca de gestão.

É por isso que o pesquisador defende um sistema misto, em que exista uma burocracia qualificada, mas também algum grau de discricionariedade do agente político para escolher um servidor para um cargo de gestão.

Se é um equilíbrio difícil de se obter na prática, não é difícil saber qual seria o pior dos mundos na escolha para ocupantes de cargos de liderança, diz Toral.

Em sua avaliação, seria o caso da indicação política de pessoas não alinhadas diretamente ao governante, mas apadrinhados de aliados, por exemplo —o que pode ser uma vulnerabilidade no caso de governos com muitos interesses partidários a atender, como é o caso da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Evidências positivas da indicação política também foram encontradas em outros estudos recentes, sobre a Índia e o Peru, por exemplo, embora aspectos negativos também tenham sido apontados.

Outro livro recente chega à conclusão de que confiança, e não necessariamente clientelismo, é o principal motivo por trás da indicação política nos países da América Latina.

Trata-se da obra "The Politics of Appointment in Latin America Central Administration" (A Política de Nomeação na Administração Central da América Latina, em tradução livre, University of Pittsburgh Press, 2023), com uma série de artigos editada por Francisco Panizza (London School of Economics and Political Science), Guy Peters (University of Pittsburgh) e Conrado Ramos Larraburu (Universidad de la Republica).

Eles concluem que, como em outros países do mundo, as indicações políticas na região não teriam apenas o papel de garantir apoio político, mas seriam substancialmente uma ferramenta para implementação da política pública.

Isso não os impede de alertar para as possíveis implicações negativas do apadrinhamento, especialmente em níveis mais baixos da hierarquia e, a longo prazo, para a formação de um corpo burocrático qualificado.

Professora da FGV-SP e autora de diversas pesquisas sobre a burocracia, Gabriela Lotta diz que é preciso um equilíbrio entre a técnica e a política nos cargos públicos.

"Faz parte da democracia que políticos consigam implementar agenda para a qual foram eleitos, e isso significa ter pessoas na administração pública alinhadas com a política."

"Mas a boa política é embasada em decisões baseadas em evidências. A técnica é muito importante para embasar a boa política, ainda que não possa substitui-la", afirma.

Ela avalia que a ocupação de cargos técnicos apenas por indicação política, sem outros critérios combinados, pode até não fazer diferença quando há falta de candidatos qualificados o suficiente para a função, mas não quando há abundância de profissionais capacitados.

É preciso lembrar, diz, que muitas das funções na burocracia demandam conhecimento técnico específico, o que seria o caso tanto de um diretor escolar como de um fiscal do Ibama.

Quando se fala na ocupação de tribunais de contas por esposas de políticos, raciocínio semelhante se aplica. "Tribunal de contas não deveria ser um espaço da política. A natureza dessa ação se assemelha à de um juiz", diz Lotta.

Especificamente em relação à escolha de diretores escolares, a também professora da FGV Lara Simielli aponta a necessidade, não atendida em boa parte do Brasil, de que os ocupantes desse cargo sejam qualificados para exercer a função.

Isso já ocorre em sistemas educacionais bem-sucedidos, tanto no Brasil como no exterior, diz ela, autora de relatório sobre o tema apresentado pela associação Dados para Um Debate Democrático na Educação (D3e).

Em Sobral (CE), por exemplo, referência nacional de educação, a mudança nos critérios de escolha de diretores é considerada chave para os resultados do município. Se antes eram cabos eleitorais de políticos locais, passaram a ser profissionais formados para a função e escolhidos por uma seleção que leva em conta aspectos técnicos.

A experiência motivou a inclusão de critérios de mérito ou escolha da comunidade como condição para as redes públicas receberem valor complementar do Fundeb (fundo de financiamento da educação básica).

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