Entenda o que se sabe sobre o caso das joias sauditas dadas a Bolsonaro

Tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens de ex-presidente, também será interrogado

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Brasília

A Polícia Federal colheu na quarta-feira (5) os depoimentos de Jair Bolsonaro (PL) e de seu ajudantes de ordens na Presidência, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, sobre as joias recebidas de autoridades da Arábia Saudita em outubro de 2021.

Naquela ocasião, um militar que assessorava o então ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) tentou desembarcar no Brasil, após viagem ao Oriente Médio, com artigos de luxo na mochila. Como não tinham sido declarados, os bens foram apreendidos pela Receita Federal —o caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Como mostrou a Folha, o ex-mandatário chegou a discutir o assunto com o então chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes em dezembro passado.

Um segundo pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos também da marca suíça de diamantes Chopard e depois entregues a Bolsonaro, estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva e não foi interceptado pela Receita, como mostrou a Folha.

Um recibo oficial registrou a entrega desse segundo conjunto à Presidência em novembro de 2022, para compor o acervo pessoal do ex-presidente.

Joias que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou trazer ilegalmente ao Brasil, para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro; valor dos itens é de aproximadamente R$ 16,5 milhões
Joias que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou trazer ilegalmente ao Brasil, para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro; valor dos itens é de aproximadamente R$ 16,5 milhões - Reprodução - 3.mar.23/Paulo Pimenta no Twitter

Por determinação do TCU (Tribunal de Contas da União), esses artigos que estavam no acervo pessoal de Bolsonaro foram entregues por seus advogados à Caixa Econômica Federal para que fiquem guardados até o término de uma apuração instaurada na corte de contas.

Mesmo procedimento foi adotado para um terceiro estojo de joias, oferecido pessoalmente ao ex-presidente quando ele esteve na Arábia Saudita em 2019.

Veja o que já se sabe sobre o caso:

Para quem seriam os artigos trazidos em 2021? Segundo o ex-ministro Bento Albuquerque disse à Folha, seriam presentes do governo da Arábia Saudita a Jair Bolsonaro e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e que iriam compor o acervo histórico da Presidência.

O ex-titular de Minas e Energia afirmou ser praxe a troca de presentes em eventos internacionais envolvendo dois países. Como o ex-mandatário e esposa não compareceram, a comitiva trouxe as caixas dadas como presente pelo governo saudita.

O que diz a ex-primeira-dama? Em rede social, sem mais explicações, Michelle negou ser a destinatária das joias e ironizou: "Quer dizer que 'eu tenho tudo isso' e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento".

O que diz Bolsonaro? O ex-presidente disse, inicialmente, não ter pedido nem recebido qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita. "Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso".

Ele acrescentou também: "Eu estava no Brasil quando esse presente foi ofertado lá nos Emirados Árabes [na verdade, foi na Arábia Saudita] para o ministro das Minas e Energia. O assessor dele trouxe em um avião de carreira e ficou na alfândega, eu não fiquei sabendo".

Segundo Bolsonaro, dois ou três dias depois, a Presidência notificou a alfândega de que as peças deveriam ir para um acervo. "Até aí tudo bem, nada de mais, poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, seria entregue à primeira-dama. E o que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daquilo. Só isso, mais nada."

Já no depoimento dado à PF, o ex-presidente afirmou ter tido conhecimento sobre as joias apreendidas na Receita 14 meses depois do ocorrido. Segundo a defesa, Bolsonaro disse que, após saber do caso, em dezembro de 2022, buscou informações para evitar um suposto vexame diplomático caso os presentes fossem a leilão.

Bolsonaro falou outras vezes sobre o caso? Na quinta-feira (30), após desembarcar dos Estados Unidos onde permaneceu por 89 dias, Bolsonaro afirmou que recebeu presentes de elevado valor da Arábia Saudita por causa da relação de amizade que construiu. E ainda completou afirmando que "eles têm dinheiro, pô". "Agora [são] joias caras? Sim, caríssimas, até pela relação de amizade que eu tive com o mundo árabe", afirmou o ex-mandatário em entrevista à rádio Jovem Pan.

O ex-presidente reconheceu pela primeira vez que as joias vindas da Arábia Saudita eram para a ex-primeira-dama Michelle e que ele tentou reavê-las. No entanto, ressaltou que "não foi na mão grande".

"Entregamos ali o primeiro conjunto que chegou na Presidência. Cadastrei. E, tentando recuperar o outro conjunto da Michelle, foi via ofício, não foi na mão grande. Não sei por que essa onda toda. Se estão achando isso como algo que eu fiz errado eu fico até feliz, não tem do que me acusar", afirmou.

Todos os presentes sauditas foram retidos pela Receita no aeroporto de Guarulhos em outubro de 2021? Não. Como mostrou a Folha, um dos supostos presentes enviados pelo governo da Arábia Saudita por intermédio do ex-ministro de Minas e Energia passou a compor o acervo pessoal de Bolsonaro em novembro de 2022.

Esse segundo pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça Chopard e supostamente destinados a Bolsonaro, estava na bagagem de Bento Albuquerque e não foi interceptado pela Receita. Publicamente, não há estimativa ou avaliação de valores desse outro lote de joias.

Ainda não se sabe por qual motivo a Receita reteve somente parte das joias oriundas dos sauditas.

Quem estava na viagem à Arábia Saudita? A comitiva era formada pelo ex-ministro Bento Albuquerque e pelos assessores Marcos André dos Santos Soeiro e Christian Vargas. Bolsonaro estava no Brasil —no dia 25 de outubro de 2021, ele participou de um almoço na Embaixada da Arábia Saudita, em Brasília.

Quais itens foram alvo da apreensão? Um par de brincos, um anel, um colar e um relógio, confeccionados com pedras preciosas, bem como um enfeite em forma de cavalo com adornos dourados. Os itens estavam na bagagem de Soeiro, então assessor do à época ministro.

O que dizem os ex-assessores de Albuquerque? Soeiro não se manifestou sobre o caso. Vargas afirma ter retornado ao Brasil carregando apenas artigos pessoais e que, ao desembarcar no aeroporto de Guarulhos, não portava itens oferecidos como presentes oficiais ao governo Bolsonaro.

E o ex-ministro alega? Ao jornal O Estado de S. Paulo Bento Albuquerque disse que a remessa retida pela Receita era um presente para Michelle, mas afirmou desconhecer o conteúdo do estojo de joias. Procurado posteriormente pela Folha, negou que sua equipe tenha tentado trazer presentes caros destinados a Bolsonaro e a Michelle.

Por que os itens foram apreendidos pela Receita? Pelas regras em vigor, bens adquiridos no exterior que tenham valor superior a US$ 1.000 (pouco mais de R$ 5.000) precisam ser declarados à Receita na entrada no Brasil. Quando ultrapassam esse valor, eles estão sujeitos à cobrança do Imposto de Importação, que é de 50% sobre o excedente.

Como não houve declaração, o órgão apreendeu os bens e exigiu o pagamento do devido Imposto de Importação, oferecendo a opção de o Ministério de Minas e Energia pleitear formalmente o reconhecimento da condição dos bens como propriedade da União —o que destravaria os itens sem a necessidade do pagamento.

Especialistas de integrantes do Fisco ouvidos pela Folha dizem que o mais aconselhável é o despacho por transportadora, ou pela própria companhia aérea, como serviço de transporte. O material seria então encaminhado para a alfândega brasileira acompanhado do respectivo "conhecimento de transporte".

Qual o valor dos itens apreendidos? Quem fez essa avaliação? O valor das joias, de 3 milhões de euros (cerca de R$ 16,5 milhões), foi estimado pela equipe de auditores da Receita e iria embasar a oferta no leilão. Essa avaliação revisou o preço inicialmente previsto pelos fiscais —que, no ato de apreensão das joias, chegaram a estimar em cerca de US$ 1 milhão.

Por que os itens não foram incorporados depois ao acervo presidencial? Em nota divulgada em março, a Receita abordou os procedimentos para incorporação de presentes trazidos do exterior e afirmou que o governo Bolsonaro não os seguiu nesse sentido naquela ocasião.

De acordo com o órgão, a incorporação de um presente do tipo trazido do exterior ao patrimônio da União "exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu".

"Isso não aconteceu neste caso. Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público", disse a nota.

O que diz a lei sobre o recebimento de presentes pelo presidente? Entendimento fixado pelo Tribunal de Contas da União desde 2016 considera que o recebimento de presentes contraria os princípios da moralidade e razoabilidade e que os objetos devem ser considerados como bens públicos, a exceção de itens de uso pessoal ou de caráter personalíssimo.

Na decisão colegiada daquele ano, o TCU identificou que, de 1.073 presentes recebidos de 2002 a 2016, apenas 15 haviam sido incorporados ao patrimônio público. Com isso, determinou a devolução de 434 presentes por Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e 117 por Dilma Rousseff (2011-2016).

Quais providências o governo Bolsonaro adotou? Segundo documentos divulgados por ex-integrantes do da gestão passada, o ministério tentou, entre outubro e novembro de 2021, reaver as joias alegando que elas seriam analisadas para incorporação "ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República". Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, as investidas para tentar liberar os itens valiosos continuaram em 2022, sem sucesso.

Bolsonaro se empenhou diretamente na liberação das peças? Sim. Como mostrou a Folha, o ex-presidente e o então chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes conversaram por telefone em dezembro sobre a liberação das joias presenteadas pela Arábia Saudita e apreendidas na alfândega do aeroporto de Guarulhos (SP).

Pessoas com conhecimento do episódio confirmaram à Folha a ocorrência da ligação, o que representa o indicativo de participação direta do então presidente da República na tentativa de liberação do material avaliado em R$ 16,5 milhões.

Há divergência apenas sobre de quem teria partido a ligação, se de Bolsonaro para Julio Cesar ou o contrário.

Essa conversa entre eles contradiz a versão que o ex-presidente apresentou durante evento no final de semana nos Estados Unidos, quando tentou se desvincular do caso, dizendo não ter ficado sabendo dos presentes barrados na alfândega e negando tentativa de trazê-los de forma ilegal.

O que diz a Receita sobre o conjunto de artigos de joias não apreendido no aeroporto e que foi incorporado ao acervo pessoal de Bolsonaro? Em nota, a Receita disse que tomará as providências cabíveis no âmbito de suas competências para a esclarecimento e cumprimento da legislação aduaneira, sem prejuízo de análise e esclarecimento a respeito da destinação do bem.

Bolsonaro poderia vender essas joias sauditas que estavam em seu acervo pessoal? Não. Em decisão inicial, o ministro do Tribunal de Contas da União Augusto Nardes proibiu o ex-presidente de usar ou vender os artigos de luxo enviados a ele como presente do governo da Arábia Saudita por intermédio do ex-ministro Bento Albuquerque, mas que ficariam sob sua responsabilidade.

Posteriormente, o TCU determinou que Bolsonaro entregasse os artigos à Caixa Econômica Federal, para serem guardados até o desfecho da apuração.

Quais os desdobramentos do caso? Além do TCU, investigações foram instauradas em diferentes instâncias. Após solicitação do ministro da Justiça e Segurança Pública de Lula, Flávio Dino, a Polícia Federal abriu inquérito. A apuração está a cargo da superintendência em São Paulo.

O Ministério Público Federal abriu uma apuração a pedido da Receita.

No âmbito do governo federal, a Controladoria-Geral da União instaurou uma investigação preliminar com o objetivo de coletar elementos para análise de fatos sobre a conduta de servidores.

Adversários políticos de Bolsonaro passaram a levantar suspeitas de corrupção. O senador Omar Aziz (PSD-AM), por exemplo, disse ver "fortes indícios de propina" na entrega das joias.

Diante do desgaste de Bolsonaro no episódio, a Comissão de Transparência e Fiscalização do Senado passou a apurar a venda de uma refinaria na Bahia, em 2021, para um fundo de investimentos dos Emirados Árabes. O país não foi visitado pela comitiva em 2021, mas Aziz falou na hipótese de uma "operação cruzada".

Quais as providências da PF? Além de levantar informações junto a outros órgãos, os investigadores já colheram uma série de depoimentos. O ex-ministro Bento Albuquerque, por exemplo, mudou sua versão sobre o segundo estojo de joias recebido em viagem à Arábia Saudita, em 2021, e afirmou que esse conjunto foi trazido ao Brasil naquela ocasião em sua bagagem.

Albuquerque afirmou que, da mesma forma que o conjunto da marca suíça Chopard de R$ 16,5 milhões apreendido na mala de seu auxiliar, "apenas supôs" serem presentes para Bolsonaro e a primeira-dama Michelle, já que ambos tinham sido convidados para a viagem.

RELAÇÕES ENTRE BRASIL E ARÁBIA SAUDITA SOB BOLSONARO

Visita presidencial
Bolsonaro visitou a Arábia Saudita uma vez, em outubro de 2019, semanas após afirmar, na ONU, que sua gestão aprofundaria as relações com parceiros asiáticos, incluindo aquele país do Oriente Médio.

‘Quase irmão’
No encontro, o ex-presidente disse ter "certa afinidade" e que se sentiu "quase irmão" do príncipe Mohammed bin Salman, líder polêmico pelo desrespeito aos direitos humanos e acusado de ter ordenado a morte de jornalista nas dependências da embaixada saudita na Turquia.

Parceria comercial
As importações brasileiras de produtos da Arábia Saudita atingiram recorde em 2022, último ano da gestão Bolsonaro. Foram US$ 5,3 bilhões, valor mais alto em série histórica do governo com informações a partir de 1997. O recorde anterior era US$ 3,3 bilhões (2014). Petróleo e fertilizantes são os principais produtos importados.

Missões de governo
Dados do Portal da Transparência do governo, segundo levantamento de adversários de Bolsonaro no Congresso Nacional, indicam mais de 150 missões de autoridades brasileiras ao pais do Oriente Médio entre 2019 e 2022. Entre elas está a comitiva à Arábia Saudita comandada pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que retornou ao Brasil com os artigos de luxo na bagagem oferecidos pelos sauditas.

Convite frustrado
Bolsonaro convidou o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman para vir ao Brasil em março do ano passado, mas a visita não se concretizou.

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