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Boris Fausto escreveu na Folha sobre AI-5, Oriente Médio e futebol

Historiador, que morreu na terça (18), foi colunista do jornal de 1998 a 2003

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São Paulo

A leitura de jornais, um hábito da vida toda, contribuiu para que Boris Fausto tomasse o caminho da história, campo onde se tornou um dos expoentes no Brasil.

Em uma longa entrevista publicada no livro "Leituras Críticas sobre Boris Fausto", organizado por Ângela de Castro Gomes, apareceu a pergunta inevitável: "Como descobriu que gostava de História?".

O historiador paulistano Boris Fausto em 2015 - Marcus Leoni - 21.dez.2015/Folhapress

Ele disse: "Pergunta difícil de responder. Tenho a impressão de que tem um pouco a ver com o fato de começar cedo lendo jornais e a me interessar pelo mundo em que vivia. Estou pensando alto agora: meu avô [que era cego] me pedia para ler sobre a Guerra da Espanha e, mais do que isso, a tomar uma posição".

Autor de livros fundamentais sobre a história do Brasil no período republicano, como "Revolução de 30" (1970) e "Crime e Cotidiano" (1984), Boris morreu na terça (18) aos 92 anos, em São Paulo.

A ligação do historiador com o jornalismo se fortaleceu em 1998, quando ele se tornou colunista da Folha. Escreveu toda segunda-feira na coluna vertical da página A2 até 2003 e, nos anos seguintes, passou a colaborar com regularidade para o caderno Mais!.

Atualidades da política brasileira e fatos da história recente do país eram temas frequentes dos seus textos.

Em dezembro de 1998, Boris abordou as três décadas do Ato Institucional nº 5, conjunto de medidas que marca o início do período mais repressor da ditadura militar brasileira (1964-1985). "Passados 30 anos da decretação do AI-5, o Brasil mudou para melhor. Virou uma página trágica de sua história e se converteu em uma democracia, com as insuficiências conhecidas", escreveu.

"Mas a memória permanece. E é um dever das gerações mais velhas transmitir às mais novas —quando mais não fosse para valorizar a liberdade de expressão— um pouco da experiência daqueles anos de chumbo."

Outra coluna relevante foi publicada em 12 de março de 2001, seis dias depois da morte de Mário Covas. Boris comentou o legado do então governador licenciado de São Paulo e apontou semelhanças e diferenças da trajetória dele em relação à de Tancredo Neves.

"A morte inesperada de Tancredo, coincidindo com o momento em que chegava à Presidência da República, deu margem ao nascimento da versão de um crime perpetrado pelos inimigos do povo contra uma figura que encarnava as esperanças populares."

E completou: "No caso de Covas, emoção e racionalidade se combinaram em doses iguais, sem dar lugar ao mito: sua morte foi um pouco a morte, por certo assustadora, de cada um de nós. Um ponto final condizente com a figura de um homem para quem, como ele mesmo dizia, as coisas têm começo, meio e fim".

Pelo menos uma em cada quatro ou cinco colunas tratava de política internacional. Nessa seara, os conflitos no Oriente Médio foram assunto recorrente, o que pode ser atribuído, ao menos em parte, ao fato de Boris pertencer a uma família de origem judaica.

O historiador paulistano demonstrava ceticismo em relação às propostas da época para dar fim aos confrontos entre Israel e Palestina —escritas há mais de duas décadas, suas análises a respeito desses embates em nada envelheceram.

Num texto de janeiro de 2001, no entanto, deixou escapar um sinal de esperança, irreal, ele admitia: "Seria possível transformar a Jerusalém de nossos dias em um "reino das três religiões"? Diante da brutal realidade do Oriente Médio, a pergunta soa como fantasia. Mas, em meio a tantas razões para o pessimismo, não custa ao menos sonhar, nem que seja o vago sonho de uma noite de verão".

Boris fazia, sobretudo, artigos de opinião. Mas vez ou outra arriscava-se como cronista. Lembrou uma história contada por seu Jeremias, guarda de rua, para comentar a expansão das religiões evangélicas, em setembro de 1999, e falou sobre a excessiva discrição de seu Mario, o barbeiro, em texto sobre a guerra no Iraque, em abril de 2003.

Escreveu algumas vezes sobre futebol, uma das suas paixões. Em janeiro de 2003, o corintiano resolveu palpitar sobre o maior rival, que havia caído para a série B do Campeonato Brasileiro no ano anterior. Segundo ele, o clube deveria deixar de lado o nome Palmeiras e retomar o antigo Palestra Itália. O texto tem 82 linhas e 8 parágrafos; as ironias são incontáveis.

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