Oposição tenta desidratar PL das Fake News e barrar trecho sobre conteúdo ilegal

Urgência do texto será votada nesta terça (25), enquanto mérito ficou para o dia 2

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Brasília

Deputados da oposição ao governo Lula intensificaram nos últimos dias uma articulação para tentar alterar trechos do projeto de lei das fake news que dariam poder e responsabilidade às big techs para atuarem preventivamente contra "conteúdos potencialmente ilegais" gerados por terceiros.

O cronograma do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), previa inicialmente votação da urgência —que acelera a apreciação do texto— nesta quarta-feira (26). Após acordo de líderes partidários, ficou definido que o requerimento será votado nesta terça-feira (25). O mérito ficaria para a próxima terça (2).

Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após entrega do arcabouço fiscal no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino-18.abr.23/Reuters

"É fundamental votar a urgência hoje. De hoje para amanhã nós temos que resolver esse impasse aqui dentro. E é um enfrentamento de concepções diferentes sobre como utilizar as fake news como instrumento político. Nós temos que votar, doe a quem doer. Vamos votar a urgência hoje, essa é a ideia", afirmou o parlamentar após reunião com vice-líderes do governo na Câmara.

Se aprovada a urgência da proposta, ela vai diretamente ao plenário, desconsiderando toda pressão contrária de big techs e de parlamentares da oposição em defesa da criação de uma comissão especial para analisar o mérito. Depois, deve voltar ao Senado, que havia aprovado o texto original em 2020.

O texto em discussão junta contribuições da proposta aprovada pelo Senado e modificações incorporadas pelo relator na Câmara, deputado Orlando Silva (PC do B-SP).

Entre os diferentes pontos contestados da proposta, os deputados citam especificamente o artigo que consta do último substitutivo do relator.

Esse ponto estabelece que provedores atuem preventivamente diante de "conteúdos potencialmente ilegais gerados por terceiros no âmbito de seus serviços, tendo o dever geral de atuar de forma diligente e em prazo hábil quando notificados".

O texto preliminar cita alguns casos, como crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, atos de terrorismo, crime de indução, instigação ou auxílio a suicídio ou automutilação, crimes contra crianças e adolescentes e de incitação à violência contra eles, crimes discriminação ou preconceito e violência de gênero.

Parlamentares veem o dispositivo com cautela. "Não apenas terceiriza como obriga as plataformas a agirem com poder de polícia, tendo que identificar e enquadrar as condutas potencialmente criminosas, algo que deveria ser feito pelos órgãos de Justiça", afirma o deputado Gilson Marques (Novo-SC).

Ele também questiona o que seria um ato potencialmente criminoso. "Vamos punir as plataformas, caso o Estado tenha um entendimento diferente?", continua. "Sob a aura do bom-mocismo, esse projeto destrói a liberdade de expressão no país."

Colega de partido de Marques, a deputada Adriana Ventura (SP) levanta dúvida sobre a definição de conteúdo potencialmente ilegal.

"Este projeto apresenta pontos muito preocupantes. O pior deles é que os provedores devem decidir o que é conteúdo potencialmente ilegal e retirar. Eles nem saberão como fazer isso, porque eles teriam que atuar como juízes", diz. "Isso é de um absurdo sem precedentes."

Pessoas envolvidas na elaboração do texto, ouvidas sob condição de anonimato, admitem que esse é um dos pontos sensíveis do projeto, justamente por dar às plataformas o poder de fiscalizar o conteúdo divulgado.

Por outro lado, entendem que o dispositivo, importado da legislação europeia e chamado de "dever de cuidado", cria condições para que se antecipe movimentos que podem passar sob o radar das autoridades —por exemplo, o que aconteceu com os primeiros ataques às escolas no país.

Assim, a ideia é aliá-lo, ao mesmo tempo, a mecanismos de transparência e de fiscalização, para garantir que as empresas não atuem como juízes. Dessa forma, dizem, a lei se equilibraria. Este trecho, uma sugestão do governo, deve ter apoio de parlamentares da base.

Para o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), o conteúdo da proposta gera receio de censura privada em massa por parte das redes em razão da responsabilidade preventiva. "Também atropela o debate de uma necessária comissão especial, dado que o tema não foi debatido na atual legislatura."

Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado Bibo Nunes (PL-RS) defende que o texto seja encaminhado para uma comissão para análise do mérito. Ele contesta também qual seria o prazo hábil para remoção do conteúdo.

Parlamentares da atual base do governo, no entanto, argumentam que a matéria já foi debatida por anos na Câmara e que, à luz de episódios recentes como os atos golpistas de 8 de janeiro e os ataques às escolas, é urgente a celeridade na tramitação.

Além disso, defendem uma alta periodicidade na revisão do texto, justamente para evitar que ele fique defasado da realidade.

Um dos principais focos de resistência é a Frente Digital. Em material divulgado, eles citam nove pontos que justificariam o envio do projeto a uma comissão especial, entre eles a suposta terceirização do poder de polícia para as plataformas.

"O que são conteúdos potencialmente ilegais? Qual o prazo hábil? O que é de forma diligente? Caberá às plataformas definirem quais condutas se enquadram nos tipos penais?", questiona o material.

O documento fala também de outro dispositivo, que dá ao Executivo prerrogativa de estabelecer entidade para regulamentar a lei, fiscalizar e aplicar sanções e cita a exigência de padronização de respostas pelas plataformas frente a riscos sistêmicos.

"Texto não define o que são riscos sistêmicos, responsabilizando as plataformas em caso de descumprimento", indica o material, que levanta dúvida sobre "como será possível analisar, gerir e estabelecer medidas de um risco sistêmico sem saber de que risco se trata".

Outro ponto criticado é o que aborda a cobrança por conteúdo jornalístico, que, afirma a Frente, vai reduzir o volume de notícias em circulação na internet. "Quem irá definir o que é jornalismo? Existe risco de as plataformas terem que remunerar portais que espalham fake news?"

O deputado José Guimarães refutou nesta terça a ideia de instalar comissão especial para tratar o texto, disse que a matéria está há três anos pronta para ir ao plenário e que a "democracia brasileira precisa desse PL".

"Vamos agora para a reunião na casa do Lira com todos os líderes e vamos ver, contar votos para saber se temos como aprovar. Mas vamos aprovar a urgência hoje", afirmou.

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