Congresso devolve coordenação de inteligência a militares, e Planalto vê recado a Rui Costa

Mudanças feitas em medida provisória atrapalham divisão de funções entre Casa Civil e GSI

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Brasília

A mudança de última hora no relatório da MP (medida provisória) da reorganização da Esplanada dos Ministérios que devolve ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional) a responsabilidade de "coordenar as atividades de inteligência federal" foi vista dentro do Palácio do Planalto como um recado dos parlamentares ao governo —em particular contra o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT).

Além de atrapalhar os planos da pasta, que queria a manutenção dessa competência em sua estrutura, assessores de Lula no Planalto dizem que a alteração no texto ainda terá o efeito colateral de provocar uma série de ruídos na organização da inteligência do Estado.

Na quarta-feira (24), uma comissão especial do Congresso Nacional aprovou a MP que altera a estrutura do governo com a criação de ministérios e definição de novas atribuições para as pastas. O texto votado trouxe também o esvaziamento das responsabilidades do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, e o empoderamento de pastas chefiadas pelo centrão.

Além disso, o relator Isnaldo Bulhões (MDB-AL) decidiu alterar o texto para retirar da Casa Civil a coordenação das atividades de inteligência do governo federal —retornando ao texto original apresentado pelo governo federal em janeiro.

Lula durante reunião no Planalto com representantes do setor automotivo na quinta-feira (25) - Pedro Ladeira/Folhapress

No primeiro relatório, apresentado na terça (23), Isnaldo havia transferido essa competência para a estrutura da Casa Civil, seguindo o desenho proposto pelo governo Lula num decreto editado em março.

Na versão votada na quarta, no entanto, Isnaldo devolveu esse item ao GSI. A mudança não devolve de imediato a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para a pasta, mas cria um imbróglio legal que pode pavimentar o retorno do órgão para os militares.

A MP agora terá de ser apreciada nos plenários de Câmara e Senado na próxima semana, uma vez que ela perde validade no dia 1º.

Lula passou a Abin para a Casa Civil após os ataques golpistas de 8 de janeiro, em meio à desconfiança do petista com os militares do GSI.

A iniciativa do líder do MDB na Câmara reverteu toda uma articulação do governo. O Planalto contava com a aprovação da medida provisória com a inteligência sob o guarda-chuva da Casa Civil para, na sequência, editar novos atos e concluir o novo desenho da inteligência do Estado brasileiro.

A avaliação de membros do governo ouvidos pela Folha é a de que o Congresso quis dar uma demonstração de força no sentido de que consegue interferir em questões do Executivo —inclusive alterar a estrutura de dentro do Palácio do Planalto.

A mensagem ganhou ainda mais peso por se tratar de um tema considerado sensível (a relação do governo com militares).

Eles ressaltam que essa mudança não tem lastro ideológico, como nas transferências de competências que esvaziaram a pauta ambiental do governo devido à pressão da bancada ruralista. Apontam ainda que Rui tem sido alvo de queixas dos parlamentares, que criticam sua falta interlocução com o Congresso.

O ministro entrou na mira de parlamentares por centralizar as decisões da Casa Civil, segurando nomeações e também se colocando como um entrave dentro do Planalto para a liberação de emendas.

Ele ainda passou a ser criticado, mesmo internamente no governo, por tentar atropelar via decreto mudanças feitos pelo Congresso no Marco do Saneamento, o que resultou na maior derrota legislativa sofrida por Lula até o momento neste mandato.

O recado parte principalmente de lideranças do PSDB e da União Brasil, incluindo o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), adversário de Rui na Bahia.

Elmar confirmou à Folha que participou do esforço para retirar o controle das atividades de inteligência da pasta do conterrâneo. "[A Abin] Não cabe na Casa Civil", disse.

O deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou que a bancada da legenda na Câmara pretendia apresentar um destaque em plenário para tentar reverter a situação caso o relator não tivesse atendido o pleito.

"Abin é órgão de Estado, tem atribuições de Estado e não de governo. Você transferir ela para o órgão mais político do governo é o inverso. Vamos lutar para deixar isso muito claro na votação do texto na próxima semana", disse.

"Não é uma coisa contra o PT. É a favor das instituições do Estado brasileiro. O governo não pode se apropriar de determinadas funções que não são políticas", seguiu.

Segundo relatos de aliados do relator Isnaldo Bulhões, não houve consenso sobre as atribuições de inteligência e, por conta disso, voltou-se à versão original da MP. Eles ainda não descartam a possibilidade de que o trecho sofra novas alterações nas discussões em plenário.

Apesar de ter perdido a função de coordenadora das atividades de inteligência, Rui conseguiu manter outras funções da Casa Civil na MP. Entre elas, o PPI (Programa de Parceria de Investimentos).

Ministros palacianos acreditam que ainda há espaço para negociar alguns pontos antes que a medida provisória da Esplanada seja votada definitivamente na Câmara e no Senado. No entanto, há o diagnóstico de que não se pode "esticar muito a corda" a ponto de inviabilizar a aprovação da MP.

Isso porque, caso a MP expire em 1º de junho, toda a estrutura ministerial montada por Lula deixa de existir. Nessa hipótese, voltaria a valer o formato do governo Jair Bolsonaro (PL), com apenas 23 pastas.

Assessores palacianos dizem que a alteração promovida pelos parlamentares aumenta a crise organizacional que vem atingindo o setor de inteligência desde a edição do decreto que levou a Abin para a Casa Civil.

Isso porque existe atualmente uma divisão de atribuições, que ainda não está totalmente afinada. Apesar de a Abin ter migrado para a Casa Civil, o Sisbin —que integra mais de 40 órgãos governamentais da área de inteligência— segue no GSI.

O governo esperava, com a medida provisória, consolidar a coordenação das atividades de inteligência na Casa Civil, para na sequência editar normativas delimitando as atribuições de cada órgão.

Pessoas que acompanham as negociações disseram à Folha que o GSI articulava no Planalto para a criação de um célula de inteligência da Abin dentro da pasta. O responsável pelo cargo seria o diretor-adjunto da agência, Saulo Moura da Cunha, que já trabalha em sala ao lado do gabinete do ministro Marcos Antonio Amaro.

O objetivo, segundo integrantes do Planalto, seria permitir que o GSI tivesse um interlocutor direto com a Abin —que permanece na Casa Civil—, para solicitar informações e relatórios de inteligência que auxiliam na tomada de decisões por Amaro.

Na quarta, em audiência na Câmara, o ministro Amaro afirmou haver um consenso no Planalto de que a Abin permaneceria sob o comando da Casa Civil.

"Já houve decisão a respeito e não há qualquer postulação para que ela [Abin] retorne para o GSI, mas o importante é que o GSI continue contando com os conhecimentos produzidos pela Abin", disse o general.

Amaro, porém, afirmou que o GSI precisa ser "um dos clientes dos produtos" da Abin, porque as informações de inteligência auxiliam na tomada de decisões sobre a segurança do Palácio do Planalto e de Lula.

"Para prevenção e gerenciamento de crises, nós temos que contar com essa previsibilidade e esses conhecimentos produzidos pela Abin. Isso que é importante para nós."

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