Descrição de chapéu Folhajus folha explica

Entenda como teria ocorrido fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro

Ex-presidente diz que não se vacinou, e PF suspeita de uso de dados falsos para gerar certificado

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Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo

A suposta inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde trouxe novamente à tona o cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —um dos mais de 1.000 temas colocados em sigilo na gestão passada.

A Polícia Federal suspeita que dados falsos de vacinação tenham sido inseridos em registros do SUS do ex-presidente para emitir um certificado, e no início deste mês cumpriu mandado de busca e apreensão no endereço de Bolsonaro e de prisão contra seus ex-assessores Mauro Cid e Max Guilherme.

Na última terça-feira (16), Bolsonaro prestou depoimento à PF sobre a investigação do caso. Ele disse que não determinou a inserção de dados falsos em sua carteira de vacinação, nem na de sua filha. Também afirmou que só teve conhecimento da adulteração quando esse tema começou a ser divulgado pela imprensa, em fevereiro deste ano.

Na quinta-feira (18), às 14h30, foi a vez do depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e suspeito de ter comandando um esquema de fraude no cartão de vacinação do presidente. Ele reivindicou o direito ao silêncio e não respondeu às perguntas da PF. Sua defesa alegou não ter tido acesso a todo o conteúdo da investigação.

Já na sexta-feira (19), Gabriela Santiago Cid, mulher do tenente-coronel, prestou depoimento à PF. Ela admitiu ter usado certificado falso de vacinação contra a Covid-19. Segundo a Folha apurou, Gabriela culpou o marido pela inclusão de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao lado de pessoa fantasiada de 'Zé Gotinha', símbolo das campanhas de vacinação do SUS, durante evento no Palácio do Planalto, em 2020 - Pedro Ladeira/Folhapress

Segundo a corporação, o ex-mandatário —alvo de investigação da PF— sabia da inserção forjada dos dados no sistema do Ministério da Saúde, mantendo-se inerte em relação ao cometimento da fraude.

Bolsonaro chegou a prometer apresentar esse documento, mas o acesso sempre foi negado por sua gestão em questionamentos feitos via Lei de Acesso à Informação.

"Da minha parte, já falei para minha assessoria, quem quiser meu cartão de vacina, pode olhar", afirmou o então presidente em setembro de 2021. Bolsonaro negou diversas vezes ter tomado a vacina.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) chefiada por Augusto Aras tentou por várias vezes barrar a investigação contra Bolsonaro, seus assessores e familiares, mas mudou de postura e passou a apoiar a apuração após a chegada de Lula (PT) à Presidência.

Entenda como teria ocorrido a fraude dos dados de imunização do ex-presidente:

O que a PF investiga? A PF investiga a atuação de uma "associação criminosa constituída para a prática dos crimes de inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde".

Segundo a Polícia Federal, os alvos da investigação teriam realizado as inserções falsas entre novembro de 2021 e dezembro de 2022 para que os beneficiários pudessem emitir certificado de vacinação para viajar aos Estados Unidos.

"Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes, impostas pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) e destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa, no caso, a pandemia de Covid-19", diz a PF.

A corporação ainda destaca a ciência, por Bolsonaro, da inserção fraudulenta dos dados no sistema do Ministério da Saúde.

"Jair Bolsonaro, Mauro Cid e, possivelmente, Marcelo Câmara tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento", diz.

Qual a suspeita? Os investigadores mapearam duas tentativas de inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde. Os dados teriam sido inseridos para constar que o então presidente teria sido vacinado e serem utilizados em viagem aos Estados Unidos, e depois, foram removidos da base.

A PF prendeu João Carlos de Sousa Brecha, secretário de Governo em Duque de Caxias (RJ), cidade onde as inserções foram feitas.

O deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), irmão do ex-prefeito de Caxias, Washington Reis, também é alvo da operação. Ele é apoiador de Bolsonaro e teria atuado como intermediador da fraude.

A inserção, segundo apuração da Folha, ocorreu em 21 de dezembro, no Palácio do Planalto, antes da viagem de Bolsonaro aos EUA. Os dados indicam que o ex-presidente teria recebido duas doses da vacina Pfizer. O ex-mandatário negou fraude e disse que nunca se vacinou.

Quem teve os cartões de vacinação fraudados? Ao menos Bolsonaro, sua filha Laura, Mauro Cid e dois familiares tiveram seus dados de imunização forjados.

O que mudou com a suposta fraude? Conforme as informações divulgadas até agora, com a inserção de dados falsos, Bolsonaro passou a ter em seu cadastro de vacinação dois registros de vacina Pfizer.

Entretanto, os dados foram retirados da base de imunização do país, segundo a PF, pela chefe da central de vacinação de Duque de Caxias, Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva.

O que diz Bolsonaro? O ex-presidente falou logo após ser alvo de busca e apreensão e afirmou que o cartão de vacina nunca foi solicitado nos EUA.

"Não tomei a vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso. Havia gente que me pressionava para tomar, natural. Mas não tomava, porque li a bula da Pfizer", disse o ex-chefe do Executivo.

Já à PF ele disse em depoimento que não determinou a inserção de dados falsos na sua carteira de vacinação, nem na de sua filha.

Ele também afirmou que só teve conhecimento da adulteração quando esse tema começou a ser divulgado pela imprensa, em fevereiro deste ano.

O ex-mandatário disse ainda às autoridades policiais que o tenente-coronel Mauro Cid "sequer comentou sobre certificados de vacina" com ele. Cid foi preso na mesma operação da PF.

O que diz Mauro Cid? O tenente-coronel, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, reivindicou o direito ao silêncio e não respondeu às perguntas da PF durante depoimento.

Ele seria questionado sobre a inserção de dados falsos referentes à vacinação de sua família —sua mulher, Gabriela Ribeiro Cid, e três filhas — e de Bolsonaro e sua filha, Laura, no sistema do SUS.

A defesa de Mauro Cid alegou que não teve acesso a todo o conteúdo da investigação, por isso seu cliente optava pelo silêncio. Sem falar com a polícia nem com a imprensa, Cid saiu 40 minutos depois, novamente em silêncio.

O que diz Gabriela Santiago Cid? A mulher do tenente-coronel, que também é investigada no inquérito, admitiu em depoimento à PF que usou certificado falso de vacinação contra a Covid-19.

Ela culpou o marido pela inclusão de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde.

Quem foi alvo de mandado de prisão? Foram alvos de mandado de prisão os ex-ajudantes de ordens Mauro Cid e Luis Marcos dos Reis, os seguranças Max Guilherme e Sergio Cordeiro, Ailton Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL-RJ em 2022, e João Carlos de Sousa Brecha, secretário em Duque de Caxias.

A CGU sob Lula determinou divulgação do cartão? Sim. O governo Bolsonaro argumentava que divulgar os dados poderia ferir a intimidade, vida privada e honra do ex-presidente. A Saúde, sob Lula, também chegou a negar o acesso ao documento, alegando possível violação à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Em fevereiro, porém, a CGU (Controladoria-Geral da União) decidiu pela divulgação dos dados de vacinação do ex-mandatário. No mês seguinte, a controladoria determinou que a Saúde entregasse o cartão de imunização.

O cartão, porém, ainda não foi divulgado. O órgão afirmou que esse documento será liberado justamente após a conclusão de investigação sobre a suposta inserção de dados falsos na carteira do então presidente.

Quais as razões da CGU pela divulgação do cartão? A CGU apontou dois motivos para isso.

Primeiro, o de que o próprio Bolsonaro já havia exibido o papel. Com isso, não haveria porque manter o dado sigiloso, já que seu proprietário o teria tornado público.

Além disso, o órgão disse que o acesso à informação comprovaria a autenticidade das declarações de Bolsonaro sobre o seu "status vacinal" —ou seja, que ele não tomou a vacina— , e que esse dado teria interesse público.

"O acesso às informações que comprovam a autenticidade das declarações feitas voluntariamente pelo ex-chefe de Estado, no que se refere ao seu status vacinal, possui interesse público geral e preponderante, pois influenciaram a política pública de imunização do Estado brasileiro durante a crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19", argumentou a CGU.

Em nota, a Controladoria afirma haver uma IPS (Investigação Preliminar Sumária) aberta, iniciada nos últimos dias do governo anterior, "envolvendo denúncia de adulteração do cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro".

"As informações levantadas nesse IPS foram compartilhadas com a PF, o que subsidiou a operação", afirma a controladoria.

A pasta diz ainda aguardar o fim da apuração e divulgação dos resultados para, então, liberar o cartão de vacinação do ex-presidente.

O que diz o governo? Segundo integrantes do Ministério da Saúde e gestores do SUS consultados pela Folha, os dados sobre a vacinação contra a Covid são inseridos "na ponta", ou seja, nos locais de aplicação das vacinas, geridos por secretarias municipais.

O registro da vacinação, em tese, não pode ser alterado pelo Ministério da Saúde.

O governo federal consegue fazer alterações em dados como nome e declaração de óbito dentro dos registros, como nas intervenções em cadastros que haviam sido invadidos e alterados com ofensas durante a pandemia.

Em nota, a Saúde disse colaborar com as investigações da PF. Afirmou ainda não haver relato de invasão externa ao sistema da pasta.

"Todas as informações inseridas no sistema de registro de imunizações do SUS são rastreáveis e feitas mediante cadastro. Não há relato de invasão externa (sem cadastro) ao sistema do Ministério da Saúde que mantém rotina para a sua segurança e regularmente passa por auditoria", disse a Saúde.

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