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PF mira aliados de Lira em operação que investiga fraude com kit robótica

Empresa ligada a político próximo do presidente da Câmara é investigada por suspeita de fraude em contratos

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Brasília

A Polícia Federal cumpriu na manhã desta quinta-feira (1º) mandados de prisão e de busca e apreensão em uma investigação sobre desvios em contratos para a compra de kits de robótica com dinheiro do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

O caso teve origem em reportagem da Folha publicada em abril do ano passado sobre as aquisições em municípios de Alagoas, todas assinadas com uma mesma empresa pertencente a aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Durante as buscas, em um endereço em Maceió ligado a um policial civil investigado, a PF encontrou ao menos R$ 4,4 milhões em um cofre superlotado com dinheiro vivo.

Lira foi um dos principais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e teve apoio da base do governo Lula (PT) para ser reeleito presidente da Câmara em fevereiro.

Como revelou a Folha, ele fez chegar a interlocutores do Palácio do Planalto na quarta-feira (31), em meio ao impasse para a votação da MP (medida provisória) que reformula a Esplanada dos Ministérios, que não irá pautar projetos de interesse de Lula até que os deputados avaliem que o governo ajustou a articulação política e a relação com a Casa.

Escola de Alagoas contemplada com kit robótica bancado pelo FNDE por meio de emendas na base de Lira
Escola de Alagoas contemplada com kit robótica bancado pelo FNDE por meio de emendas na base de Lira - Pedro Ladeira/Folhapress

Nesta quinta, Lira afirmou, em entrevista à GloboNews, que não se sente atingido pela operação, que não tem "absolutamente nada a ver com o que está acontecendo" e que cada um é "responsável pelo seu CPF nesta terra e neste país".

No caso dos kit de robótica, a PF investiga possíveis fraudes que podem ter gerado prejuízo de R$ 8,1 milhões. Foram cumpridos 26 mandados de busca e dois de prisão temporária.

Um dos mandados de busca e apreensão foi cumprido em endereço de um dos mais próximos auxiliares de Lira: Luciano Cavalcante, atualmente lotado na liderança do PP na Câmara. Ele acompanha o presidente da Câmara em agendas diversas e viagens.

A esposa de Luciano, Glaucia, também já foi assessora de Lira e aparece na investigação.

Uma das suspeitas é que Luciano e sua mulher possam ser beneficiários de valores desviados de contratos para compra de kits de robótica, custeados em parte com dinheiro de emendas do relator.

A PF chegou até Luciano Cavalcante e Glaucia ao investigar movimentações financeiras da Megalic, empresa de um aliado de Lira, vencedora de licitações de contratos para venda dos kits e também alvo da operação.

A Folha não conseguiu contato com Luciano, e os demais alvos da operação não responderam.

O FNDE disse que já havia suspendido os repasses de recursos para aquisição dos kits de robótica, notificado estados e municípios beneficiados, e que está tomando todas as providências recomendadas pelo Tribunal de Contas da União, além de ter firmado acordo de integridade junto à Controladoria-Geral da União.

A investigação começou ainda em 2022 após a revelação da Folha. Os pedidos de buscas e prisões foram feitos pela PF em março de 2023 e as ordens, expedidas pela Justiça Federal de Alagoas.

Como mostrou a Folha à época, os kits foram contratados com recursos, em boa parte, das bilionárias emendas de relator do Orçamento —naquele momento, durante o governo Bolsonaro, Lira era responsável por controlar a distribuição de parte desse tipo de verba.

A Megalic, empresa que fornecia os kits, funcionava em uma pequena casa no bairro de Jatiuca, em Maceió, com capital social de R$ 1 milhão.

A empresa é apenas uma intermediária, embora tenha fechado contratos milionários, ao menos R$ 24 milhões. Ela não produz os kits de robótica.

A Megalic está em nome de Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (PSD). A proximidade do vereador e de seu pai com Lira é pública.

Além da empresa e de Edmundo Catundo, foram alvos da PF outros aliados de Lira em Alagoas.

homens sentados em torno de uma mesa retangular
Arthur Lira (PP-AL), de camisa branca, à direita na mesa, e aliados, como o vereador João Catunda (à direita de Lira) e o pai, Edmundo Catunda (primeiro à esquerda), dono da empresa Megalic, que vende kits de robótica pra prefeituras - Reprodução

De acordo com a nota da PF, a investigação identificou "que foram realizadas, pelos sócios da empresa fornecedora e por outros investigados, movimentações financeiras para pessoas físicas e jurídicas sem capacidade econômica e sem pertinência com o ramo de atividade de fornecimento de equipamentos de robótica, o que pode indicar a ocultação e dissimulação de bens, direitos e valores provenientes das atividades ilícitas".

Segundo a PF, os crimes teriam sido cometidos entre 2019 em 2022 em contratos de 43 municípios alagoanos.

"De acordo com a investigação, as citadas contratações teriam sido ilicitamente direcionadas a uma única empresa fornecedora dos equipamentos de robótica, através da inserção de especificações técnicas restritivas nos editais dos certames e de cerceamento à participação plena de outros licitantes", disse a PF em nota.

Como mostrou a Folha, o TCU já havia apontado fraude nos processos de compras de kits de robótica no governo Bolsonaro e suspendeu os contratos.

A área técnica do tribunal identificou, no total, 253 empenhos em valor total de R$ 189 milhões para a compra de kits de robótica. A maior parte é relacionada a recursos de emendas de relator, e nem tudo isso foi de fato pago.

A relação levantada pelo TCU indica priorização a prefeituras de Alagoas e Pernambuco, onde 12 municípios receberam R$ 44 milhões, segundo o órgão.

"Vimos um explícito beneficiamento dos estados de Alagoas e Pernambuco com emendas que claramente violentam os princípios constitucionais sobre isonomia e diminuição das desigualdades regionais", disse em seu voto o ministro Walton Alencar, relator do caso.

Ainda segundo o TCU, "em detrimento de outros municípios, tendo a maioria das verbas repassados tido por origem emendas do relator".

Lira tem protagonizado embates e feito cobranças públicas ao governo Lula, sendo a mais recente delas relacionada à medida provisória que reorganizou a Esplanada.

A Câmara só analisou o texto na véspera do dia em que ele perde validade, e Lira disparou diversas críticas à articulação política do governo.

"O problema não é da Câmara, não é do Congresso. O problema está no governo, na falta ou na ausência de articulação", disse Lira, horas antes de a MP ser aprovada pela Câmara. "Há uma insatisfação generalizada dos deputados e talvez dos senadores com a falta de articulação política do governo, não de um ou outro ministro", completou.

Além do embate com o Executivo, Lira aguarda nos próximos dias uma decisão de seu interesse no STF (Supremo Tribunal Federal).

O ministro Dias Toffoli liberou para julgamento um recurso apresentado pela defesa de Lira sobre denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o parlamentar por corrupção passiva.

O caso deverá ser julgado pela Primeira Turma do tribunal na próxima terça-feira (6). Toffoli pediu transferência para a Segunda Turma, mas, como o julgamento deste processo já havia iniciado, ele volta ao grupo neste caso.

A ação representa uma das principais pendências judiciais contra Lira, em que o deputado é acusado de corrupção após um ex-assessor ter sido flagrado transportando R$ 106,4 mil em dinheiro vivo.

A denúncia recebeu aval do Supremo em 2019, mas o processo pouco andou desde então. Em 2020, Dias Toffoli pediu vista, e a ação foi paralisada.

Também será analisado um parecer de abril deste ano da vice-procuradora geral da República, Lindôra Araújo , em que ela voltou atrás e pediu a retirada da denúncia.

Ela citou como argumento a nova legislação do pacote anticrime, sancionada em 2019, e o novo entendimento do STF sobre a insuficiência para sustentar a abertura de ação penal. A tese trata de depoimentos de delatores que não estejam acompanhados de elementos de comprovação.

Colaborou Constança Rezende

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