Um país formado majoritariamente por mulheres e negros deve refletir sua composição nas cortes, tribunais e em todos os espaços políticos, defende Edilene Lobo, 54, primeira mulher negra a se tornar ministra do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Advogada, ela tomou posse nesta terça-feira (8), em cerimônia realizada no gabinete do presidente da corte, Alexandre de Moraes. Edilene assumiu a cadeira de integrante substituta na classe dos juristas, ocupando a vaga de André Ramos Tavares, agora ministro titular do TSE.
"Ter a diversidade brasileira compondo as cortes, os tribunais e a atuação do Judiciário em geral, no Brasil, é um cumprimento do que determina a Constituição."
Para isso, faz-se necessária uma legislação específica e propositiva, que determine formas igualitárias de ocupação dos cargos no Judiciário brasileiro, afirma ela, em entrevista à Folha nesta quarta-feira (9).
De acordo com Edilene, a indicação do presidente Lula (PT) para a vaga da ministra Rosa Weber no STF (Supremo Tribunal Federal), que deve se aposentar no mês que vem, pode significar um passo mais largo em direção à diversidade nos espaços de poder.
Como a senhora se vê com relação ao seu posicionamento jurídico? Se identifica com os garantistas? Os rótulos, principalmente para nós, mulheres negras, muitas vezes servem para excluir.
Por outro lado, quem se propõe a aplicar a legislação, o ordenamento jurídico, especialmente eu, uma advogada agora com a graça de ser ministra substituta no TSE, precisa ter em mente que temos uma grande orientação para essa função, que é a Constituição.
Então, sem rótulos, mas com a preocupação de afirmar um documento essencial em um país democrático, a Constituição é minha orientação. Destaco que ela tem como primeiro e principal título aquele voltado para as garantias e a proteção dos direitos fundamentais.
Nos últimos meses, houve uma onda de debates sobre a presença de pessoas negras no Judiciário. Como a inclusão desse grupo pode interferir na interpretação das leis e na vida dos brasileiros? Há de se travar um combate sem tréguas contra a discriminação, particularmente de gênero e de raça, e é dever dessa nação lutar contra as desigualdades.
O artigo 5º da Constituição determina que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Se assim é, o Judiciário tem que ter esta foto. É importante que o Judiciário brasileiro se faça composto dessa diversidade, sem discriminações.
Portanto, ter mulheres e pessoas negras, ter a diversidade brasileira compondo as cortes, os tribunais, a atuação do Judiciário em geral, no Brasil, é um cumprimento do que determina a Constituição.
Eu trabalho com três elementos: o estético, que é a fotografia da diversidade, o ético, que é fazer com que o que a Constituição promete como vida boa se efetive sem discriminações, e o funcional.
Certamente a função judicial será melhor e mais eficiente se contar com juízes e juízas que reflitam a coletividade brasileira.
Diante da aposentadoria da ministra Rosa Weber, qual é a importância de uma mulher negra ser indicada pelo presidente Lula, como tem sido reivindicado por diversas organizações? É importante termos tribunais plurais porque a sociedade é plural.
A ministra Rosa tem um papel fundamental, ela mostrou para a sociedade brasileira que mulheres podem e devem ocupar esses espaços.
Se o presidente Lula entender por bem nomear uma mulher negra para o Supremo, e ele já deu mostras de que tem uma preocupação com a diversidade, certamente vai contribuir para ampliar a qualidade das decisões da mais alta corte do Brasil.
A senhora tem nomes de mulheres negras que acredita serem boas candidatas para ocupar esse cargo? O problema de apontar o dedo para uma é que muitas podem ficar de fora.
Basta olhar nas universidades brasileiras, no próprio Judiciário e na advocacia. Temos muitas mulheres negras capazes e aptas a desempenhar essa função, a despeito de poucas juízas ainda no contingente nacional. No ano passado o CNJ nos contava que há apenas 7% de juízas negras.
Esses 7% é um número pequeno, pensando nos mais de 90% que sobram. O que falta para que essas outras mulheres sejam vistas? É importante que haja ações afirmativas, efetivas e específicas, para que esse contingente se amplie. Na sociedade brasileira já é compreensível a palavra cota.
Já está quase sendo naturalizado que precisamos compartilhar. Por enquanto, falamos em cotas como percentuais, como espaços pré estabelecidos, mínimos ainda, para a ocupação das mulheres, em especial das mulheres negras. Mas é importante entender que cotas são ponto de partida, não são o ponto de chegada.
É fundamental ter uma lei muito precisa dizendo como compartilhar igualitariamente cargos no Judiciário brasileiro. Uma boa medida é que o Parlamento brasileiro, juntamente com a sociedade e esses órgãos, o Judiciário, o Executivo e o Legislativo, se debrucem sobre esse desafio.
Sei que ainda precisamos avançar mais. Não basta separar espaços, nós precisamos fazer com que as mulheres negras, em especial, saiam das estatísticas mais perversas. Que elas não sejam maioria como vítimas da violência física, como exemplos de baixos salários, de trabalhos degradantes, de baixa formação escolar.
Ainda pensando no substituto da ministra Rosa, a indicação de um outro homem branco seria um retrocesso nesse projeto que já está em construção? Não vejo como retrocesso, acho que pode ser uma chance perdida de dar um passo mais largo.
O mundo da política exige um conhecimento muito grande da realidade, principalmente no Brasil de agora, que passou há muito pouco tempo por sobressaltos gigantescos e ainda não ganhou essa briga.
Nós ainda estamos tentando nos reinventar como um povo da diversidade, que fala de tudo e que respeita posições sem extremismos. Então eu não diria retrocesso, mas acho que pode ser uma boa oportunidade para dar um passo mais largo adiante.
Penso que, sensível como ele é, o presidente Lula certamente, também orientado pelas suas ministras, pelas suas assessoras, vai refletir bem. E imagino que ele vá tomar uma boa decisão.
Mas eu também penso que não deve ser uma decisão muito fácil, considerando tantas tarefas a cargo dessas pessoas, tanto no Supremo como no Executivo brasileiro.
O presidente chegou a dizer que não se ateria especificamente a raça ou gênero para guiar as suas escolhas, mas iria escolher pessoas em que confiasse, com quem pudesse contar. Essa afirmação não iria contra a ideia de um compromisso com a diversidade? Eu te confesso que não ouvi o presidente dizendo isso.
Mas também entendo que, no modelo constitucional brasileiro de composição de cortes pela Presidência da República, é a Constituição que diz como esse fluxo procedimental se dá.
Naturalmente, o presidente, ao escolher ou indicar alguém, vai considerar vários elementos, em especial o conhecimento da capacidade daquela pessoa que se indica. Considerando o fosso de séculos de desigualdade e de exclusão, eu não creio que ele apenas, sozinho, seja a pessoa que vai resolver.
Esse é um debate coletivo, que não está apenas e tão somente no Executivo ou na hora que se nomeia alguém. Precisamos trabalhar uma proposta de médio a longo prazo.
Eu esperava que fosse de curtíssimo prazo, mas compreendo que o tempo na política tem uma lógica, uma sistemática própria.
Estamos novamente discutindo a PEC 09/2023, que perdoa partidos que não cumpriram a cota de negros e mulheres em 2022. Que mensagem essa proposta transmite sobre o Judiciário e os partidos? Quando magistrados se deparam com uma situação que possa chegar à sua mesa de julgamento, não deve se manifestar, sob risco de pré-julgamento.
Então você vai me permitir não apresentar agora uma posição sobre a PEC. Mas precisamos manter visível e explicitado que não se pode tolerar as candidaturas fictícias. Precisamos trabalhar com outra lógica, e o TSE vem dando esse recado.
Dados partidários do TSE mostram pagamentos do PT para seu escritório de advocacia ainda neste ano, no valor de R$ 341 mil, e R$ 1,3 milhão em 2022, correspondentes a prestações de serviços. Isso seria motivo de impedimento para sua atuação? A contratação de advogados por partidos políticos e candidaturas é prevista pela lei brasileira, e é obrigatório que tenha comprovação do serviço desempenhado.
Em uma corte como essa, composta de juristas que advogam no ambiente eleitoral, é natural que essas mesmas pessoas tenham no seu passado partidos ou candidatos como clientes.
Diante de casos concretos que me chegarem, se minha atuação for comprometida nos termos do que a lei processual estabelece, imediatamente me afastarei do julgamento.
Como advogada, professora de direito processual, e com a minha ética, asseguro que vou fazer aplicar a lei.
Além disso, as pessoas que aqui trabalham vão me ajudar a evitar processos em que possa haver alguma colisão de interesses, de direitos e de deveres. Também já advoguei para outros partidos, estarei atenta.
RAIO-X | EDILENE LOBO, 54
Jurista, advogada e pesquisadora brasileira, é a primeira mulher negra a integrar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Mineira, é doutora em direito processual pela PUC-MG e mestre em direito pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Como advogada, defendeu Dilma Rousseff (PT) em 2018, durante a campanha ao Senado por Minas Gerais. Também defendeu o PT, tendo terminado seu vínculo com o partido antes de sua nomeação.
Edilene é professora de direito da Universidade de Itaúna (MG) e docente convidada da pós-graduação em direito eleitoral da PUC Minas Virtual. É autora de artigos científicos e livros sobre o Judiciário brasileiro.
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