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Talvez a reforma eleitoral tenha exagerado na dose, diz cientista político Bruno Reis

Alexandre Rezende/Folhapress
O professor de ciência política da UFMG Bruno Pinheiro Wanderley Reis
O professor de ciência política da UFMG Bruno Pinheiro Wanderley Reis

Os primeiros efeitos das regras eleitorais que começaram a vigorar neste ano, diminuindo o dinheiro e o tempo das campanhas, trazem as armadilhas da novidade, afirma o cientista político Bruno Pinheiro Wanderley Reis.

Professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), estudioso de sistemas eleitorais e financiamento de campanhas, Reis chamou a atenção nos últimos meses ao alertar para os riscos de que a proibição à doação de empresas –uma das principais mudanças da minirreforma– aumentasse o caixa dois e desse mais peso a atores como o crime organizado.

Em conversas por telefone a partir de Belo Horizonte, no sábado (1º) e no domingo (2), ele manteve sua hipótese e traçou um diagnóstico do quadro político no país.

*

Folha - Quais foram as maiores novidades dessa eleição?
Bruno Reis - Uma fragmentação crescente, o protagonismo partidário diminuindo, com os partidos em baixa, pulverização maior, maior diversificação partidária.

O [cientista político Antonio] Lavareda dizia há pouco, e concordo, que, se houver um aumento da fragmentação partidária no plano municipal, a expectativa é é aumentar também na Câmara dos Deputados em 2018, continuar crescendo o número de partidos. Provavelmente essa é a sinalização imediata mais importante.

Tem o recuo do PT. É até difícil dizer da esquerda de modo geral, porque em alguns lugares, como no Rio, o PSOL cresce, certo eleitor de esquerda de ressaca está olhando o PSOL com carinho.

E a vitória do Doria, que é a vitória de Alckmin, um governador em quarto mandato que jogou todas as fichas num candidato, e a aposta alta deu certo.

Alckmin impôs uma grande derrota ao núcleo mais histórico do PSDB. A cisão foi tão dura que nos próximos dias deve ter gente deixando o partido, que ganhará a cara do Alckmin e passa, com esse resultado, a incorporar mais ao antipetismo. E Alckmin reforça um favoritismo para 2018 que já estava posto.

Houve uma guinada conservadora em relação a 2012?
Sim. Mas acho essas oscilações mais ou menos normais, não faço muito alarde disso. Como o governo federal foi exercido nos último 13 anos pela esquerda e no mandato da Dilma ela se atrapalha na economia e na articulação política, ao mesmo tempo que vem uma Operação Lava Jato, é a tempestade perfeita.

A Lava Jato é algo que enfraquece o sistema partidário como um todo, ainda mais se quem estiver no governo falhou tanto na articulação política no Congresso quanto na política econômica.

É a tempestade perfeita que alcançou o PT e por extensão a esquerda –que terá de contabilizar esse prejuízo e juntar os cacos para seguir adiante. Tanto o PT quanto o legado do Lula têm um peso, um enraizamento, muito forte. Então, passada a tempestade, o PT vai se manter um protagonista com força, desde que não entre em pânico, que não saia cada um prum lado a montar seu partideco. Se isso acontecer, vamos ver a "riodejaneirização" da esquerda brasileira.

Parece claro também que há uma certa rejeição da política, e o maior exemplo é o de Doria, que venceu em São Paulo se vendendo como antipolítico.
Aqui [em Belo Horizonte] também tem o [Alexandre] Kalil, com a mesma retórica. O engraçado é que ambos foram apoiados muito de perto pelo establishment político do governo do Estado, Doria pelo Alckmin, governador no seu quarto mandato. Aqui não é muito diferente, o Kalil é apoiado nos bastidores pelo governador Fernando Pimentel. Isso é conversa pra boi dormir.

Isso é somente efeito da Operação Lava Jato?
No Brasil, é muito aguçado pela Lava Jato. Tem certa tendência internacional de queda da identificação partidária, mas uma coisa menos aguda, de décadas, que está aguçada pela crise econômica.

Meu problema com a Lava Jato é um pouco a ambição de zerar o sistema, de limpar, isso é muito ingênuo, na melhor das hipóteses. Não dá certo, isso dá errado, espero que não aconteça, espero que o sistema passado sobreviva, bem ou mal.

Política é isso, o jogo é bruto, e não é porque os políticos são corruptos. O jogo é bruto porque os conflitos da sociedade se manifestam ali dentro. Precisa ter uma ação permanente de combate à corrupção e na busca de igualdade na política. Não é que eu minimize o combate à corrupção. É que, se você desorganiza completamente a disputa, você facilita a vida do salvador da pátria, do esquema personalista, de quem costuma ser mais corrupto.

Como a instabilidade do governo Temer, cuja legitimidade é questionada por uma parcela da população, se manifestou na eleição?
Se o governo Temer fosse muito bem-vindo e tivesse direcionando de alguma forma a população, canalizando parcelas importantes da opinião pública, você poderia esperar que essa fragmentação da identidade partidária não tivesse a mesma força.

A fragilidade do Temer faz com que você tenha o esvaziamento relativo daquele centro ocupado por PT e PSDB, com o eleitorado espirrando em múltiplas direções.

O Temer frágil torna tudo mais imprevisível, assim como em 1989. O Sarney chegando muito fraco na sua sucessão explodiu completamente a eleição de 89, houve um segundo turno entre dois candidatos com pouca estrutura partidária na época, que eram Lula e Collor. Um presidente fraco favorece cenários imprevisíveis.

Pelos números do TSE, as doações neste ano foram até agora quase 1/3 do registrado em 2012 (R$ 4 bilhões a menos). Como lê esse dado?
Se as demais variáveis se mantiverem constantes e cair a quantidade de dinheiro, pode ser uma boa notícia, sugere que é viável bancar uma candidatura com menos dinheiro.

Mas tem de ver a concentração relativa da origem do dinheiro; de onde veio e para onde foi o dinheiro –remapear os fluxos e analisar os efeitos disso– e depois tentar estimar mais ou menos, e é sempre uma estimativa frágil, os indícios de uso ilegal de recurso, de caixa dois, o tráfico de CPF [quando o doador declarado tem renda incompatível com a doação].

No primeiro momento, mantenho a preocupação que venho externando nos últimos meses: como a gente tirou as empresas e enxugou muito o dinheiro numa eleição que continua, por suas características, tendo resultado muito sensível à disponibilidade de dinheiro, minha preocupação é que a gente ia aumentar o peso relativo de quem permanecesse com dinheiro nesse novo cenário. Fiquei me perguntando quem ia continuar doando e pensei no crime organizado, foi a conjectura que andei compartilhando por aí.

Por ora há algum indício que corrobora disso, na violência que apareceu, sobretudo no Rio. Mas corroborar cientificamente esse tipo de hipótese é uma dureza.

Foi de fato uma campanha muito violenta, com aumento do número de mortes de candidatos. É possível relacionar isso com a tendência de rejeição da política?
É. Acho que tendo a relacionar esse fenômeno tão imediato assim mais com esse clima do que com o eventual protagonismo crescente do crime organizado, que levaria algum tempo pra se estabelecer e operar.

Acho que o tipo de violência que apareceu –o que houve em Itumbiara, por exemplo [assassinato de candidato a prefeito]– parece vir de gente com problemas específicos com candidatos x ou y, que chegou à atitude extrema de sair atirando. As pessoas tendem a dizer que não é por razão política. Discordo.

Acho que o clima político de grande animosidade, rejeição aos políticos, grande polarização, a raiva que as pessoas ficam umas das outras, ressentimentos –todo esse clima aumenta a probabilidade de violência, de que um maluco qualquer, com uma dívida qualquer, um processo ou qualquer motivo para ter raiva de político, cometa um ato extremo.

Fora a queda na arrecadação, qual foi o reflexo da minirreforma eleitoral (os candidatos tiveram metade do tempo de campanhas anteriores, não puderam receber doações de empresas, fixou-se um teto para gastos) nessa eleição?
De modo geral, houve um aumento no número de coisas que é proibido fazer e um encolhimento geral da visibilidade. Recursos foram reduzidos, o tempo de campanha diminuiu, a exposição na TV diminuiu. Um sintoma que deu para verificar a partir disso –foi muito sensível aqui em Belo Horizonte– foi o de uma campanha de baixa intensidade, baixa visibilidade e muito estável quanto em relação à intenção de votos, em alguns casos sem movimentação nenhuma.

Então é possível que a gente esteja exagerando na dose. Uma campanha tão higienizada, com tantas coisas proibidas, sem visibilidade na mídia e com tão pouco tempo de duração tende a favorecer certo status quo político.

Além da chamada venda de CPF, a mudança deu vazão a outras artimanhas para driblar a restrição a doadores empresariais, como a doação de candidatos ricos e de executivos de empresas. É mais um caso em que uma lei brasileira "não pegou"?
Tem de ir com calma com isso. Eu sempre fui cético quanto ao potencial dessa decisão. Eu não era um simpatizante da ideia.

Num mundo ideal, na minha utopia, também não tem empresa doando. Mas no mundo real, levando em conta que as eleições no Brasil eram custeadas quase 100% por empresas, de uma eleição para outra não vai virar zero. É claro que ninguém vai acreditar nisso, terão de fazer algum malabarismo.

Então o caixa dois, algo que de um modo geral estava diminuindo na última década –de 2005 a 2014, porque veio o mensalão, pessoas começaram a ser presas por dinheiro de campanha e passaram a ficar mais cuidadosas com isso–, deve crescer.

Na prestação das empresas, pode apostar que o caixa dois vai aumentar. Porque de repente você introduz uma restrição muito forte sobre a prática anterior. Então, em parte vai ter uma adaptação, haverá menos dinheiro do que em 2012, mas não vai ser tão menos quanto o oficialmente registrado, o caixa dois vai dar uma engordada.

Você é um defensor do voto obrigatório. Por quê?
Sim. Primeiro: no registro que temos no Brasil, o fato de ser facultativo elitiza o voto de saída. Em qualquer lugar do mundo que há voto facultativo, os ricos votam mais que os pobres, homens mais que mulheres, idosos mais que jovens, executivos e profissionais liberais votam mais que trabalhadores manuais etc.

A segunda coisa é que a obrigação no Brasil hoje é quase simbólica: o sujeito que não vota resolve sua situação em dois minutos no TRE pagando R$ 3. Só que o fato de ter se tornado obrigatório obrigou a Justiça Eleitoral a se organizar para receber todo mundo. O resultado é que a gente tem um cadastro relativamente confiável e uma logística muito boa. É fácil votar no Brasil, você raramente pega filas grandes, vota sem intimidação, o resultado é confiável e os cadastros são em boa medida confiáveis. Se você comparar o cadastro brasileiro com o americano, por exemplo, não tem comparação [o brasileiro é muito mais confiável].

Tornando o voto facultativo, para poupar o eleitor do embaraço quase simbólico de sair de casa no domingo, gastar meia hora para votar de vota segura, você se expõe ao risco. Em alguns lugares mais conflagrados –numa favela, no pontal do Paranapanema [SP], no Bico do Papagaio [Tocantins]– haverá o eleitor que quer votar mas ficará intimidado porque algum chefão local resolveu que não é para ir. Então a obrigatoriedade é algo que protege o eleitor contra esse tipo de intimidação.

Basta ver também a história americana nisso, no sul dos EUA há intimidação de populações negras para não se registrarem e votarem.

Há quem diga que o voto obrigatório é um sintoma de subdesenvolvimento...
Diria que não. Seu eu fosse um legislador americano, tentaria tornar o voto obrigatório lá, porque o voto facultativo prejudica as populações mais pobres do país. Pelo contrário, são poucos os países –da Escandinávia ou a Holanda– que podem justificadamente dar de ombros diante disso. Num país desigual como os EUA, o voto facultativo dá uma vantagem significativa ao Partido Republicano. O voto obrigatório é um instituto que favorece a igualdade política.

*

  • BRUNO REIS
  • Idade 51 anos (nasceu em 1965, em Belo Horizonte)
  • Formação Graduação em economia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); mestrado e doutorado em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do RJ)
  • Atividade Professor da UFMG, estudioso de sistemas eleitorais e financiamento de campanhas
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