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Oratória de pastor marcou estilo de Crivella

Marlene Bergamo/Folhapress
RIO DE JANEIRO - ELEIÇOES - PODER - O candidato a prefeito do Rio de Janeiro pelo PRB, Marcelo Crivella, durante comício na Cinelândia. 27/10/2016 - Foto - Marlene Bergamo/Folhapress - 017
O candidato a prefeito do Rio de Janeiro pelo PRB, Marcelo Crivella, durante comício na Cinelândia no dia 27 de outubro

Era quase um mantra. O senador Marcelo Crivella (PRB), 59, invariavelmente fechava os olhos, se esforçando para não esquecer nenhum país.

"Zimbábue, Zâmbia, Maláui, Quênia, Uganda, Madagascar, Lesoto, Suazilândia, Namíbia, Angola, Moçambique", repetia, quase sempre na mesma ordem.

A lista de nações africanas pelas quais passou como missionário da Igreja Universal era, para ele, espécie de antídoto prévio apresentado às plateias nesta eleição. Estava nos discursos antes mesmo da divulgação de trechos de seu livro em que atribui às religiões do continente "toda sorte de comportamento imoral".

"Passei anos em países que não têm cinema, shopping center, salão de cabeleireiro, praia, e sempre que volto sou bem recebido. Então cadê esse homem que fazia preconceito contra os negros?", costumava dizer.

Sua experiência como bispo esteve escondida em sua campanha. Mas os artifícios oratórios deixavam claro que quem falava era um pastor: discurso ritmado com perguntas retóricas, digressões e adjetivações encadeadas.

Ao lembrar que o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) usara a estratégia de vinculá-lo à Universal para vencer a eleição, provocava.

"Governo que ganha com mistificação, mentira, falsidade pode dar certo? Hein, gente? Casamento dá certo quando casa com mentira?"

Datafolha 2º Turno Rio de Janeiro

A uma audiência de engenheiros, não exaltava apenas a dedicação dos funcionários públicos. Com voz solene, ressaltava que os profissionais tinham "a vocação, a índole e a natureza para servir". Ao comemorar um apoio político, dizia que o novo aliado "engrandece, dignifica e enobrece" a campanha.

Mas o bispo que, na infância, treinava pregações com uma vassoura simulando um microfone, nega replicar o estilo na política.

"A política mudou completamente minha oratória. A oratória cristã é eminentemente de parábolas, comparativa. Peixe, viúva, o rei e o servo, a figueira e a videira, rio e mar. A oratória política precisa trazer um certo rigor da academia, da política, da tradição", disse à Folha.

Nos discursos políticos, costuma usar palavras pouco comuns. As denúncias contra ele na imprensa o "entibiaram" (desanimaram). As filas para cirurgias são "anômicas" (desorganizadas).

O estilo "tiozão" de fala mansa mudou no segundo turno, quando uma sequência de reportagens questionou seus textos do passado.

Ao atacar a imprensa, classificou-a de "corrupta, venal, vendendo capa de revista". Passou a esconder as agendas diárias. Com liderança folgada nas pesquisas, ficou boa parte da última semana em Brasília.

CONVERSÃO

Crivella nasceu numa família católica da zona sul do Rio. Tornou-se evangélico aos sete anos, quando uma vizinha o levou à igreja Metodista. Não aceitou os apelos do pai e foi o único aluno da sala a não fazer primeira comunhão. As preces o ajudavam a esquecer as brigas dos pais.

"Como bom carioca, meu pai era boêmio e minha mãe não se conformava com isso", disse, em autobiografia.

O tio, Edir Macedo, fundou em 1977 a Universal. Ele começou a frequentá-la na década de 1980. Engenheiro, foi o responsável por construir igrejas. Tornou-se pastor em 1986 e cinco anos depois, foi à África cumprir os planos de expansão da denominação.

Em sua autobiografia, Crivella busca mostrar como "milagres" fizeram a igreja, que começou numa modesta sala na África do Sul, se espalhar por todo continente.

Crivella retornou ao Brasil já como cantor gospel de sucesso, com o CD "Perfume Universal" (1997). A fama o alçou como candidato ao Senado em 2002. Em discurso a pastores em 2011, ele reconheceu ter assumido a missão a contragosto por determinação da Universal.

Enfrentou este ano seu sétimo pleito –teve duas vitórias ao Senado, duas derrotas para a Prefeitura do Rio e o governo do Estado, cada.

Ele até hoje não comentou o vídeo em que atribui ao evangélico na política a missão de "levar o Evangelho a todas as nações da Terra".

À Folha rejeitou até a influência da experiência como pastor em seus discursos. Uma de suas frases mais comuns é como caracteriza as disputas eleitorais: "um dilúvio de ódios e paixões".

"O dilúvio é da Bíblia. Ódios e paixões, do ser humano", explica.

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