Ingresso caro e violência levam paulistanos a substituir o estádio pela TV

Hoje é dia de clássico. São Paulo e Corinthians jogam no Morumbi, disputando uma vaga na final do Campeonato Paulista. Há quem aposte que o estádio estará excepcionalmente lotado, já que, como dizem os entendidos, é agora que começa de verdade a disputa.

O fato é que, antes disso, os confrontos da primeira fase do Paulistão entre os três grandes times da cidade, São Paulo, Corinthians e Palmeiras, têm arrastado cada vez menos gente ao campo. Até agora, o Trio de Ferro levou às arquibancadas uma média de 25 mil pessoas por jogo neste ano --3.000 a menos que em 2012. A queda é maior quando comparados com os dados de 2008: 20 mil torcedores a menos por clássico da primeira fase.

O preço dos ingressos, o desconforto e a violência nos estádios, a concorrência com o pay-per-view (assinatura de canal pago) e o formato dos campeonatos (com calendário inadequado) são alguns dos motivos que fazem o público ir cada vez menos ao campo, principalmente quando se trata de jogos sem poder de decisão no torneio --caso da primeira fase do Paulista.

"O sofazinho é mais negócio, né?", diz o palmeirense Rodrigo Figliola, 30, que assina jogos pela TV há seis anos. "No ano passado, parei o carro na rua, paguei R$ 20 adiantado e, quando a bola rolou, o guardador estava ao meu lado, torcendo junto", conta o empresário sobre o único jogo que assistiu ao vivo em 2012. Para ele, que nunca presenciou pancadaria, o desconforto basta para evitar o estádio.

"Também não se encontra um banheiro decente nem uma boa lanchonete", completa o são-paulino Fábio Helfstein, 39, que há três anos racha com o irmão a conta do PPV na casa dos pais. De 2004 a 2007, o arquiteto foi a todos os jogos do tricolor na Libertadores. Depois, só ficou no sofá.

Segundo o Premiere FC, canal da Globo que transmite os jogos via pay-per-view, Figliola e Helfstein não estão sozinhos. No último ano, houve um incremento de 9% no total de assinantes de jogos do Estado de São Paulo. A empresa, que criou o serviço em 1999, não revela dados anteriores, mas diz que o aumento é constante.

"O crescimento só é menor que o da TV paga em geral, mas isso porque a parcela que mais adere ao produto é a classe C, que ainda está descobrindo o PPV", analisa o gerente de negócios do Premiere FC, Marcos Botelho.

Sobre o total do público, a empresa diz que hoje 6% dos consumidores de TV por assinatura do Estado têm pacotes futebolísticos --cerca de 1,3 milhão de pessoas, já que, pelas estimativas da ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), são 21 milhões os paulistas com acesso a canais fechados.

Apesar da baixa de público nos clássicos entre Corinthians, Palmeiras e São Paulo na primeira fase do Paulista, fãs de times do interior ainda não se "jogaram" totalmente no sofá. Segundo o vice-presidente financeiro da Federação Paulista de Futebol, Rogério Caboclo, quando incluídos todos os times, a primeira fase do campeonato estadual deste ano registra um crescimento de 9% do total do público.

Os maiores responsáveis por isso são times como o São Bernardo, que atualmente tem média de público maior que a do Palmeiras. Mesmo assim, o número de torcedores nas arquibancadas por jogo é pequeno: foi de 5.200 em 2012 para 5.700 neste ano.

"PAÍS DO FUTEBOL"

Dados como esses fazem com que o Brasil, destino da próxima Copa, seja o 15º do mundo em média de público --12,9 mil pessoas por jogo. Na Alemanha, líder do ranking, a média chega a 45 mil, e até nos Estados Unidos, com pouca tradição de bola no pé, os jogos costumam reunir 18,7 mil torcedores.

Apesar do aumento das assinaturas pay-per-view, estádio cheio é positivo até para a Premiere FC. "É mais vantajoso porque o espetáculo fica mais bonito e mais rentável. E demanda não vai faltar", diz Botelho.

Arquibancada lotada faz a diferença também para o time. "Não tem como entrar em campo e não se empenhar quando o torcedor enche o estádio, grita seu nome, canta o hino do clube", diz Ganso, meia do São Paulo.

Os próprios torcedores que hoje preferem o sofá dizem que o fazem por conta das circunstâncias. "Até 1995, eu era rato de estádio, tinha carteirinha da Gaviões, agitava bandeiras no campo e colecionava os canhotos dos ingressos, que somavam centenas", diz o publicitário Stefan Menon, 37.

Há três anos ele assina jogos pela TV porque se sente inseguro de ir ao campo. Na Libertadores de 2006, chegou a deixar o Pacaembu às pressas quando torcida e PM se enfrentaram. Em 2012, foi quatro vezes ao estádio.

O palmeirense Valdecir Fossaluza, 53, engrossa a fila do sofá --ganhou dos filhos o pacote na TV há três temporadas. "Meu pai é daqueles que quando vê uma briga no futebol, pode ser em qualquer lugar do mundo, já se sente mal", diz Vinícius Fossaluza, 28.

As justificativas de Menon e Fossaluza para se afastarem do campo corroboram estudo deste ano das consultorias de marketing Pluri e Stochos, que listou 17 motivos pelos quais os brasileiros vão pouco aos estádios.

Nesta ordem, a qualidade dos estádios, o preço dos ingressos, a possibilidade de ver o jogo pelo pay-per-view e a violência foram elencados pelas consultorias como os principais deles.

Segundo a Pluri, de 2003 a 2013, o valor médio do ingresso mais barato passou de R$ 9,50 para R$ 38 no Brasil. "Qualquer setor da economia tende a baixar os preços quando a demanda está pequena. Mas o futebol tem essa peculiaridade de ir contra a lei da oferta e da procura", observa Fernando Trevisan, diretor da Trevisan Escola de Negócios, de marketing esportivo.

Para o presidente do Palmeiras, Paulo Nobre, não adianta só baixar o preço dos ingressos. "Isso não é garantia de estádio cheio." Roberto Natel, vice-presidente Social e de Esportes Amadores do São Paulo concorda. "Disponibilizamos mais de 10 mil lugares a R$ 10 por jogo, no setor família, mas nem assim esse espaço lota. A explicação passa mais pelo fator importância do jogo. No Paulista, o público é mais fraco mesmo."

Segundo Trevisan, o público médio deve aumentar com as duas arenas em construção na cidade (a do Corinthians, em Itaquera, zona leste, e a do Palmeiras, no Sumaré, zona oeste), já que elas devem trazer mais serviços.

"Mas o consumidor não vai se sujeitar sempre a ser intimidado por flanelinhas e cambistas, ser tratado como gado na entrada, não poder usar a camisa do seu clube por medo de confusão", ressalva Cesar Gualdani, diretor da Stochos.

Para evitar pancadaria, a designer corintiana Gel Woerle, 28, só vai ao campo em jogos menores. "Tenho medo da bagunça dos clássicos", diz ela, que assinou o PPV neste ano.

O Brasil é o líder no ranking de mortes decorrentes da violência no futebol, aponta o sociólogo Mauricio Murad no livro "Para Entender a Violência no Futebol" (ed. Benvirá, 240 págs., R$ 24,90), lançado em 2012.

"No curto prazo tem de haver repressão, no médio, prevenção, para só a longo prazo conseguirmos reeducar os torcedores", diz ele. "Não é preciso acabar com as torcidas, muito menos adotar o sofá como única alternativa. Pode haver um equilíbrio."

Em busca desse meio-termo, os são-paulinos Marco Yamada, 28, gerente administrativo, e Rogério Gois, 31, fisioterapeuta, já foram a cerca de dez jogos neste ano. Eles reconhecem que as estruturas poderiam estar melhores, assim como os preços, e que há sensação de violência, mas ponderam.

"Tudo está melhorando de uns tempos para cá. Sobre a violência, criou-se muito mais um tabu. Você vai ao jogo e vê crianças e famílias", diz Gois, que divide o pay-per-view com Yamada e mais quatro amigos para poupar o valor de alguns ingressos.

A engenheira ambiental Lívia Boccia, 27, concorda com o "tabu da violência". A corintiana estreou nas arquibancadas do Pacaembu há duas semanas, a convite da sãopaulo. "Fiquei surpresa com a interação do público. Você tem que ficar esperta, claro, mas isso sempre acontece em multidões, como num grande show."

Emoção semelhante viveu a empregada doméstica são-paulina Maria José dos Santos, 38, que foi pela primeira vez ao campo no ano passado. "Eu adorei, mas as pessoas me perguntaram: 'Você teve coragem?'. Sim, e vou mais vezes quando der", conta ela, que não tem PPV.

O ingresso pago por torcedores como Maria é parte --pequena-- do faturamento dos times, que ganham também com as cotas de TV. No Trio de Ferro, o percentual proveniente da bilheteria não passa de 10%, enquanto as cotas de TV chegam aos 40%.

O Corinthians, líder de público nos estádios e de faturamento em todo o país, arrecadou R$ 358,5 milhões em 2012. Em segundo vem o São Paulo, com R$ 282,9 milhões. Já o Palmeiras recebeu R$ 241,2 milhões.

Na Europa, as cotas para transmissão também são representativas. No Real Madrid, time que mais fatura no mundo, mais de €$ 500 milhões por ano, 39% da receita vem da TV. A diferença é que lá a bilheteria conta mais. No Real Madrid, são 25%. Líder de arrecadação, o inglês Arsenal tem nos ingressos 41% de sua renda.

"Lá os ingressos chegam a ser cinco vezes mais caros que aqui, mas o público vai por saber que terá serviços agregados durante a partida", diz Pedro Daniel, consultor da BDO Brasil.

Para Luis Filipe Chateubriand, professor de administração da Estácio de Sá e especialista no calendário do futebol, a torcida de sofá é apenas um sintoma de que a qualidade do espetáculo está caindo no Brasil. "Mas as pessoas não vão parar de ver os jogos, apenas de ir aos estádios."

Hoje é dia de clássico e o estádio deverá estar lotado, aposta Cesar Gualdani, da Stochos. "O torcedor não é bobo, vai quando o jogo vale alguma coisa", diz. "Mas e no resto do ano?"

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