Jornalista que percorreu 460 km de SP conta o que viu por aí

Consegui! Com o joelho fraturado, as costas doloridas e a língua de fora, completei no último domingo meu percurso de 460 quilômetros em homenagem ao próximo aniversário de São Paulo, que tem como "data de nascimento" 25 de janeiro de 1554.

São Paulo não é nem minha terra, mas virou minha pátria, como acontece com milhões de migrantes que aqui aportam vindos de todos os recantos do país. Sou gaúcho e gremista, mas vivo na Pauliceia há mais de 30 anos. Aqui plantei árvores, tive filhas, escrevi livros. Aqui fiz minha primeira corrida.

Corredor que sou, transformei em quilômetros os anos da cidade e tratei de percorrer caminhos cuja existência nem sequer desconfiava, descobrindo maravilhas, revelando mazelas e encontrando figuras que ajudam a construir a cidade.

Foram 40 dias de andanças, mais três míseras folguinhas em toda a jornada. Cada dia saía de algum ponto diferente e peregrinava por algumas horas, tentando conhecer os intestinos daquele local.

Comecei em primeiro de dezembro de 2013 no extremo da zona oeste, no topo da cidade: subi correndo o pico do Jaraguá, chegando ao ponto mais alto da metrópole, 1.135 metros acima do nível do mar.

De lá é possível apreciar belas paisagens, mas, logo ao sopé do morro, em frente à entrada do parque estadual do Jaraguá, o visitante encontra um dramático exemplo do estado em que vive parte de nossa população. Em uma aldeia de índios guaranis há choças, choupanas, barracos e casas precárias onde moram 127 famílias, cerca de 700 pessoas. O esgoto rola pelo chão batido; cachorros, gatos e galinhas circulam entre a criançada, que brinca com bonecos produzidos pela própria tribo.

A situação de abandono também atinge parte da história da cidade. Percorri, na região da Mooca, ruas com ruínas de prédios bombardeados durante da Revolução de 1924, a mais cruenta da história de São Paulo. Os edifícios parecem entregues à destruição do tempo. Mesmo uma chaminé tombada pelo patrimônio histórico, ao lado do prédio que abriga a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), na Luz, está longe de ter os cuidados merecidos.

Em Perus, parecem estar ao deus-dará as ruínas da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus, a primeira fábrica do gênero no Brasil. Contribuiu para a construção da cidade e do país, foi palco de históricos conflitos trabalhistas e hoje ali há apenas restos de prédios esburacados e vazios.

Mas ainda há esperança: movimento que congrega entidades da região pedem o tombamento de toda a área e sua transformação em parque e museu.

A falta de cuidados atinge ainda nossas calçadas. Circulei pelo rico Morumbi e pela luxuosa Oscar Freire, pelos confins da avenida Sapopemba e pela quase desconhecida ilha de Bororé. Em todos os pontos, com raríssimas exceções, as áreas de circulação de pedestres mais parecem regiões de conflitos, esburacadas, cheias de altos e baixos.

O que não quer dizer que São Paulo também não esconda surpresas e maravilhas. Visitei, no extremo da zona sul, a cratera de Colônia, um local que, há milhões de anos, foi atingido por um corpo extraterrestre —se meteoro, asteroide ou cometa, os estudiosos ainda não sabem.

Também sensacional é o granito de Guaianases, uma afloração rochosa explorada por uma pedreira no século passado. Trata-se de exemplo de rocha formada há 600 milhões de anos, provavelmente pela colisão dos blocos onde hoje estão o Brasil e a África. Há projeto para preservar a área e transformá-la a área em parque, mas, por enquanto, é usada como piscinão.

Falando em parques, todos sabem que São Paulo tem poucos. Mas eles existem. Alguns são distantes do centro, como o núcleo Curucutu, no parque estadual da serra do Mar, no extremo sul, onde o visitante percorre uma trilha que passa pelo limite com a cidade praieira Itanhaém. Há os mais urbanos, como o do Piqueri, espécie de recanto mágico encravado ao lado da marginal Tietê.

De tudo, porém, o que mais me encantou foi o povo que conheci. Artistas transformam escadarias cinzentas em obras de cor e alegria; escolas levam letras para analfabetos; música soa em encostas com favelas; milhares se mobilizam por trabalho, saúde e habitação. Em cada local, a cidade pulsa, vibra, tem gente que luta para transformar seu mundo. É uma São Paulo viva.

Com o que concluo esta história, não sem antes deixar meu grito de guerra de corredor: vamo que vamo!

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