Tocando Anitta e Naldo, grupos andinos disputam 'hits' e tiram até R$ 500

"A música do 'Titanic' não, tudo menos a música do 'Titanic'! Eu pago R$ 5 para vocês não tocarem a música do 'Titanic'", clama o office boy Carlos Lee Dias, 21, na calçada em frente ao Theatro Municipal

A família Alénde já não para mais de tocar a canção imortalizada por Céline Dion para responder a esse tipo de provocação: veteranos da música andina no palco da rua, eles sabem como funciona seu público.

"As pessoas gostam muito de fazer graça com nossa música", diz a matriarca boliviana Marcia Alénde, 58, que toca sua flauta de pã em ruas paulistanas há 18 deles.

"Mas contanto que ganhemos nosso dinheiro, está 'todo bien'." Ao lado dela, na flauta de apoio, o marido Leon, 56, continua a tocar o sétimo minuto da melodia de amor de Jack e Rose. A filha Ana, a única nascida no Brasil, há 16 anos só olha.

"Eu costumava tocar chocalho, mas não vim por duas semanas e não fez diferença no lucro", diz ela, revelando que a trupe familiar Condor Andino chega a tirar R$ 200 em um dia de domingo. "Quero um emprego de telemarketing agora", planeja.

Enquanto isso, na praça da República, os canos de madeira entoam as notas de "Hotel California", dos Eagles. Os intérpretes são Carlos e Marcio Yuruyarilk, idade não revelada. "Gostamos de clássicos, mas precisa fazer uma coisa nova ou outra, que vende bem", diz Carlos, que vende dez coletâneas com versões como "Esse Cara Sou Eu", a R$ 10 cada.

INSÔNIA CRIATIVA

A trupe peruana Flauta Pan América é especializada em novidade. "Quando sai música nova da Lady Gaga, o negócio é não dormir para aprender e tocar já no dia seguinte", explica Miguel Angel, 31, um dos seis irmãos que tocam na Paulista.

"É a novidade que vende. Se somos os primeiros a 'tirar' a música que está tocando no rádio, as pessoas param e pagam." Chegaram a faturar R$ 500 numa jornada por terem sido os primeiros a latinizar com sucesso o "Show das Poderosas", hit do ano passado na voz de Anitta.

"Não é assim, foi a gente que estreou essa música", defende Ruth Gomez, 41, que com um irmão e um sobrinho compõe a Eco dos Andes.

"Fui eu mesma que bolei os três acordes do 'pre-pa-ra'", diz, enquanto com uma respiração bota o instrumento de sopro para fazer o refrão.

"Eles só foram conseguir tocar dois dias depois, quando eu ensinei num jantar." Os concorrentes quebram pão juntos? "É claro, nossos únicos inimigos são os caras que dançam Michael Jackson ou tocam guitarra e pegam nosso dinheiro. Nós somos todos amigos", diz Angel.

Os três grupos garantem que só lutam contra o tempo, nunca um contra o outro. "Não tem essa de território marcado. Somos todos irmãos. Se tem alguém tocando no lugar que você queria, toca para o próximo lugar", dizem os irmãos Yuruyarilk. "Ou todos se juntam."

De volta à porta do Municipal, "My Heart Will Go On" chega ao seu oitavo minuto com o primeiro lucro. A dentista Célia Ribeiro ouve a música, fica com lágrimas nos olhos e deita uma nota nova de R$ 5 no pano com motivos de lhama estendido no chão. "É uma arte fazer qualquer música soar como um anjo cantando." A família não para de tocar.

*

PAGANDO PARA OUVIR
As músicas que mais dão dinheiro para cada grupo:

Condor Andino

  1. Não Para – Anitta
  2. Show das Poderosas – Anitta
  3. Maravida – Gonzaguinha
  4. El Condor Pasa – Daniel Alomía Robles
  5. Piradinha – Gabriel Valim

Flauta Pan América

  1. Roar – Katy Perry
  2. Show das Poderosas – Anitta
  3. Titanium – David Guetta
  4. Chorando se Foi – Kaoma
  5. Amor de Chocolate – Naldo

Ecos dos Andes

  1. Te Esperando – Luan Santana
  2. Um Ser Amor – Paula Fernandes
  3. Anjos – O Rappa
  4. Show das Poderosas – Anitta
  5. Get Lucky – Daft Punk
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