Veja como roqueiros e cineastas ajudaram o MIS a ganhar uma das maiores filas de SP

O cobrador do ônibus avisa aos passageiros: "Museu da Imagem e do Som". Ele já se acostumou a responder qual é a parada certa a visitantes de primeira viagem do MIS.

A fila para entrar na exposição aberta há 15 dias sobre o músico britânico David Bowie, digna dos piores dias de Cumbica, quase chega à esquina da avenida Europa com a rua Alemanha. Apenas 200 pessoas podem entrar por turno, nos acanhados 600 m² de área expositiva, equivalente a um quarto do Museu da Língua Portuguesa.

Camelôs vendendo água e cerveja dão um tom popular e animado a uma região de calçadas normalmente vazias, dominada por casarões de pastiche arquitetônico e concessionárias de automóveis de luxo.

Em 2009, o MIS recebeu menos de 44 mil visitantes. No ano passado, o número saltou para 257 mil —quase um terço do total para a exposição dedicada ao cineasta americano Stanley Kubrick (1928-1999).

"O Kubrick foi para o MIS o que a exposição do Rodin foi para Pinacoteca", comemora o diretor do museu desde junho de 2011, André Sturm, 47, em referência à megaexposição que marcou a transformação da Pinacoteca no principal museu de arte paulistano.

"Tanto o Kubrick quanto o Bowie viraram programas que vão além do público do MIS e do público que frequenta museus. Chegamos ao público geral, as pessoas sentem que precisam ver, apesar das filas."

Desde sábado (15), a exposição passaria a ficar aberta até a meia-noite aos sábados até seu encerramento, em 20 de abril.

Um estúdio-container preto foi instalado no vizinho Museu Brasileiro de Escultura (MuBE) para os fãs mais exaltados do roqueiro britânico poderem se esgoelar à vontade.

Dentro da estrutura, gravam canções de Bowie e compartilham um videoclipe nas redes sociais —pagando o mesmo preço da entrada, R$ 10.

Editoria de Arte/Folhapress/Editoria de Arte/Folhapress

No dia em que a sãopaulo visitou a exposição, fãs cantavam clássicos do cantor, como "Starman" e "The Man Who Sold The World", enquanto ouviam as músicas nos fones de ouvido distribuídos para se acompanhar a visita.

Aberto nos dias de semana até as 21h, o museu ganhou ares de balada, com um restaurante badalado nos fundos, o Chez MIS.

Uma vez por mês, mais do que parecer um clube, o espaço recebe uma festa de música eletrônica no entardecer do sábado. No fim de semana passado, 2.000 ingressos para uma balada em homenagem a David Bowie se esgotaram uma semana antes do evento. Cambistas vendiam o ingresso, que custava originalmente de R$ 7 a R$ 30, por R$ 150 na porta.

Tanto agito contrasta com o vizinho Mube, mais belo e projetado por Paulo Mendes da Rocha, mas, ao contrário do MIS, que até pouco tempo atrás era isolado por grades e hibernava.

O aumento na visitação provocado por Kubrick e Bowie se iniciou com com mostras de outros mestres.

As exposições em torno de Georges Méliès, ilusionista francês morto em 1938, e do artista chinês de vanguarda Ai Weiwei são uma virada surpreendente para uma gestão que começou de forma atribulada.

A antecessora de Sturm, Daniela Bousso, deixou o cargo após a saída de vários funcionários que a acusavam de maus-tratos, o que ela negava.

Mas, em defesa da ex-diretora da instituição, um abaixo-assinado com 600 assinaturas protestou contra a "intervenção do governo estadual", que buscaria desvalorizar a "cultura digital" exposta no museu até então.

"Uma voz aqui ou ali ainda reclama que o MIS anda pop demais, mas acho reacionário dizer que se vai muita gente é porque se popularizou e isso é ruim", defende-se Sturm.

"Nada contra a vanguarda. Ai Weiwei é vanguarda no Brasil, não é popular, e estamos atraindo muitos jovens que nem sabiam quem eram Kubrick e Bowie", diz.

Neste ano, a verba do governo estadual para o MIS aumentou para R$ 10,5 milhões por ano, depois de alguns anos estacionada em R$ 9,5 milhões, pouco menos que o espetáculo "O Rei Leão" captou no ano passado via Lei Rouanet (R$ 11 milhões).

Mas o museu já conseguiu patrocínios e renda própria de R$ 4 milhões. "Ontem me ligaram de uma agência dizendo que querem patrocinar o MIS", afirma Sturm.

A próxima grande exposição do museu, a ser aberta em julho e que reforça a aposta na popularização do espaço, é sobre a série de TV infantil "Castelo Rá-Tim-Bum", último grande sucesso da TV Cultura, produzida entre 1994 e 1997, e reprisada por diversos anos.

"Vou levar até pedrada por colocar o 'Castelo' no MIS, mas foi um enorme sucesso do audiovisual brasileiro, que nos faz pensar nas possibilidades da TV pública", diz Sturm. "Além do 'Vila Sésamo', que era importado, quem conseguiu fazer tanto sucesso com uma produção infantil de qualidade?"

Entre outros eventos já confirmados, tem a exposição de arte digital da fundação Cifo, fundada pela bilionária família Fontanals-Cisneros para apoiar o trabalho de artistas latino-americanos. E também mostras de fotógrafos como o brasileiro Valdir Cruz e o tcheco Josef Koudelka, da agência Magnum. Um acordo com o museu londrino Victoria & Albert, de onde veio a mostra do Bowie, permitirá exibir a coleção fotográfica da instituição britânica por quatro anos, a partir de 2015.

BEM NA TELA

Sturm tem mais a comemorar. Dono do Cine Belas Artes, ele conseguiu apoio da prefeitura e patrocínio da Caixa Econômica Federal para reabrir o cinema na rua da Consolação, fechado há três anos.

Ele começou a carreira na sala do cineclube da Fundação Getúlio Vargas, onde estudou administração.

Chegou até a fazer mestrado sobre a economia da distribuição e exibição de cinema "para continuar no cineclube", sem entregar a dissertação. "Mas uso vários conceitos aprendidos até hoje." Criou a distribuidora Pandora aos 22 anos, hoje tocado pela filha —que tem 24.

"Na minha época, todo mundo queria ser cineasta ou dono de cinema. Mas o que adiantava ter um cinema sem filmes para distribuir? Naquela época, os cineclubes passavam filmes antigos", recorda.

Nos anos 80, quando o MIS tinha um público anual de 130 mil visitantes, ele também reunia boa parte da cinefilia paulistana, além de primeira sede do Festival de Curtas-Metragens de São Paulo.

Criado em 1970, passou por sedes provisórias nos Campos Elíseos e na avenida Paulista, até ganhar o prédio atual em 1975, com um acervo de gravações e de depoimentos de artistas e intelectuais como Tarsila do Amaral, Gregori Warchavchik, Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre.

Às vésperas dos 40 anos da sede própria, finalmente entrou no roteiro de muitos paulistanos —alguns avisados pelo cobrador do ônibus.

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