Histórias e curiosidades da Radial Leste, via que ganha o mundo na Copa

Conhecida na cidade por seus constantes e longos congestionamentos, a Radial Leste vai ganhar projeção mundial por seis dias, enquanto for a avenida da Copa. Ela é o principal caminho do centro até a arena de abertura do Mundial, em Itaquera, na zona leste.

Anunciada em 1945, a ligação começou a ser aberta 12 anos depois. A partir daí, avançou rumo ao leste enquanto a população se multiplicava.

Não demorou para que as filas de carros surgissem naqueles cantos, mesmo com a construção, ao seu lado, da linha de metrô 3-vermelha, agora tão lotada como a própria Radial.

Atualmente, quem passar por ela vai ver uma "grande, belíssima avenida", segundo Jaime Waisman, professor de engenharia de transportes da USP. Mas que está saturada e reúne raros pontos de área verde.

O professor Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, considera a Radial um testemunho de que a capital paulista, ao contrário do que dizem, foi, sim, planejada.

Planejamento que incentivou a ocupação daquele lado da cidade, para acolher os migrantes de outros Estados. "Interessava abrigar essa população porque ela construiu entre as décadas de 1940 e 60 a força econômica de São Paulo", diz Caldana.

No fim, o plano que contribuiu para o desenvolvimento resultou numa região em que moradores desperdiçam horas no trânsito para ir de casa ao trabalho. E vice-versa.

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A RADIAL EM 18 PONTOS

Gênese
A sua criação é anunciada em 1945, no fim da primeira gestão do prefeito Prestes Maia.

A novidade é chamada de radial porque, assim como a avenida 23 de Maio, foi pensada para ser um raio dentro de uma circunferência.

Traduzindo: uma reta (que parte do centro paulistano) dentro de um círculo (formado pelo conjunto de avenidas e ruas da região central).

A Radial nasceu para salvar as duas vizinhas: as avenidas Rangel Pestana e Celso Garcia, que sofriam com os congestionamentos.

A ideia era levar a via do parque D. Pedro 2º até a Vila Matilde (10 km), seguindo a linha Estrada de Ferro da Central do Brasil. O primeiro trecho foi inaugurado em 1957.

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Rumo ao Leste
A via surge em meio à expansão em direção ao leste.

A cidade crescia rapidamente, impulsionada principalmente pela chegada de migrantes de outros Estados. "No fim da década de 1960, um plano urbanístico incentivou a ocupação da zona leste", afirma a professora Ana Cláudia Castilho Barone, da FAU-USP.

"Na zona norte, tinha a serra da Cantareira. Na sul, as represas. E na oeste não tinha para onde crescer, pois é estreita." Restou, então, avançar para o leste.

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Ambulância de plantão
A Radial era considerada um dos locais mais perigosos para motoristas e pedestres na década de 1970. Só em 1974, houve ali 1.538 acidentes, com 2.023 vítimas.

Segundo reportagens da época, o cenário resultava da combinação de falta de sinalização com a imprudência dos motoristas, que pisavam no acelerador além da conta.

O cenário era tão caótico que uma ambulância era mantida de plantão na via, das 7h às 22h, para socorrer os acidentados.

Atualmente, a via não aparece como uma das mais perigosas da cidade.

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Curva da morte
No fim da década de 1970, a chegada da linha 3-vermelha do metrô pôs fim a um conhecido ponto dos motoristas: a curva da morte.

A cena de veículos capotados ou que saíam da pista era comum no trecho entre os viadutos Carlos Ferraci e Pires do Rio. Em meio às obras da construção da linha, o trecho desapareceu. O Metrô estendeu a Radial da Vila Matilde até Itaquera, aproveitando a área das desapropriações efetuadas

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Lar
Existem poucos moradores ao longo da via. O vendedor Jefferson Santos, 26, é um deles e não está feliz. A casa em que mora fica em Artur Alvim, um dos pontos mais estreitos da Radial com apenas duas faixas por sentido. ¨

É possível ir a pé à arena corintiana. No entanto, tudo o que a família dele quer é vender o imóvel e ir embora. Para onde? "Qualquer lugar longe de um estádio e de bagunça."

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A Radial Leste não existe; é apenas um conceito.
Começa com o nome de avenida Alcântara Machado, vira rua Melo Freire e depois avenidas Conde de Frontin e Antônio Estevão de Carvalho.

Termina como rua Doutor Luiz Ayres. Juntas, elas formam a Radial, que, apesar da fama, não aparece com esse nome em placa nenhuma.

Quem são as pessoas homenageadas ao longo da via?

Alcântara Machado (1875-1941)
Nascido em Piracicaba, formou-se em direito. Foi professor, vereador, deputado estadual e senador

Mello Freire (1738-1798)
Português, Paschoal José de Mello Freire ensinou direito e participou de uma junta formada para reformar a legislação portuguesa

Conde de Frontin (1860-1933)
Do Rio de Janeiro, o engenheiro André Gustavo Paulo de Frontin ganhou o título de conde por serviços prestados à igreja

Antônio Estevão de Carvalho (1885-1949)
O paranaense fundou a Casa Bancária, que negociava a venda de terrenos e casas em São Paulo, favorecendo a criação de bairros

Doutor Luiz Ayres (1865-1941)
O baiano atuou como juiz criminal e passou pela vara de Órfãos

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Campeã
Não tem para ninguém: é o local que mais recebe veículos entre as rotas consideradas mais importantes pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

São 2,7 veículos por segundo, em média, nos horários de rush. A conta acumulada entre o fim da tarde e o começo da noite chega a 29.620 veículos.

O mar de carros pode ser visto todo o dia, especialmente no trecho entre o viaduto Alcântara Machado e a rua dos Trilhos

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Bi-bi
A chance de se ouvir a tão conhecida buzina de motos é maior na Radial do que em qualquer outro ponto da cidade.

Por lá passa, em média, uma a cada quatro segundos nos horários de rush.

E é comum formarem-se filas no estreito espaço entre os carros, para desespero de quem precisa mudar de faixa. Acidentes são comuns, dizem motociclistas.

"Não tem motoqueiro que não tenha caído na Radial", afirma o motoboy Jerry dos Santos, 30, que utiliza a via todo dia.

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Miscelânea
Há de tudo um pouco:

13 concessionárias de veículos
13 restaurantes
10 postos de gasolina
6 escolas
5 motéis
3 shoppings nas redondezas
3 hospitais
3 supermercados
2 sex shops
2 casas noturnas
2 agências bancárias
1 alfaiataria

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Gigante
A Radial liga o centro à região mais populosa da cidade, com 3,9 milhões de pessoas. O total de habitantes na zona leste supera o de Aracaju, Brasília, Belém, Belo Horizonte, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Macapá, Maceió, Manaus, Natal, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Salvador, São Luís, Vitória, Rio Branco e Teresina.

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Turma do barulho
A queixa mais comum de quem mora à beira da Radial é o barulho. "É impressionante. Ouço um motorista xingar o outro, as motos buzinando, cara com o som ligado que estremece minha janela", enumera o metalúrgico Roberto Celante, 47, que mora no oitavo andar de um prédio na Mooca (um dos quatro edifícios residenciais da via). "O barulho é tão alto que não consigo assistir televisão no quarto."

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Haja esfirra
A cada minuto, uma das duas lojas do Habib's na Radial vende 12 esfirras de carne a R$ 0,98 cada.

A que está mais próxima do estádio, a cerca de quatro quilômetros, ganhou reforma recentemente e promete atendimento em inglês e espanhol.

"Estamos em um processo de renovação da imagem da marca em curso e achamos por bem começar com essa loja", afirma Jorge Pretz Filho, diretor de marketing da rede. "O mundo vai passar pela Radial", comemora.

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Fast-food
Para o McDonald's, as duas unidades existentes na Radial são um ótimo negócio. A empresa não divulga em que posição do ranking de vendas elas estão, mas revela que ambas aparecem entre as que mais faturam da rede na cidade. Elas funcionam sem parar, 24 horas.

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Tempos de Maluf
O viaduto Guadalajara, que passa sobre a Radial na região do Belém, ganhou esse nome em homenagem à cidade mexicana, sede dos jogos da seleção tricampeã do mundo em 1970. O deputado federal Paulo Maluf (PP), 82, era prefeito à época e diz ter sido dele a ideia do batismo.

Na década de 1980, o nome do pai dele, Salim Farah Maluf, tornou-se o nome da avenida que passa sob a Radial na região do Tatuapé.

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A faixa reversível
A medida é adotada nos horários de pico. Agentes da CET criam faixas na contramão para dar vazão ao fluxo

Manhã: 9,4 km, das 6h às 9h

A montagem no período da manhã leva 1h15. Ela é feita com 12 funcionários e são utilizados em torno de 460 cones

Tarde: 7,5 km, das 7h às 19h30

No período da tarde, a montagem leva 55 minutos, com dez funcionários e cerca de 360 cones

Início da montagem das faixas reversíveis da Radial: 1977

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Vai ter cone
Todo dia, o agente da CET Welson Salles, 44, e sua equipe acordam por volta das 3h da manhã. "A gente faz os preparativos para receber os convidados.

Faça chuva ou faça sol, a gente está aqui." Com cerca de 460 cones, ele e seus 11 agentes organizam pela manhã a faixa reversível de 9.400 metros na contramão da Radial. A medida é adotada novamente no fim da tarde, no sentido contrário, num trecho menor.

Por mês, eles perdem cerca de 50 cones, furtados ou atropelados por motoristas.

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Sem direção
A 39 dias da abertura do Mundial, quem sair do centro rumo ao bairro vai se deparar com mais de 500 placas de sinalização.

Nenhuma avisa, entretanto, que há uma arena no fim do caminho. A CET diz que está finalizando um projeto para revitalizar parte da sinalização na Radial e em outras avenidas próximas à arena.

Nesse processo, placas de orientação (aquelas verdes) devem ganhar a mensagem "Estádio Itaquera".

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E na Copa?
Por enquanto, não se sabe como será exatamente a operação de trânsito no entorno do estádio em dias de jogos do Mundial. A única informação é que a Radial será fechada.

O bloqueio deve ser montado antes da estação Artur Alvim, do metrô. Todos os detalhes serão divulgados em uma data mais próxima do início da Copa, promete a CET.

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