Precursor de hip-hop relembra 40 anos de andanças no centro de SP

Quando Nelson Gonçalves Campos Filho chegou a São Paulo, em 1977, o que mais o impressionou na capital foi o frio. "Era realmente a cidade da garoa", lembra ele.

Em 1985, quase morreu afogado numa enchente. Mas nada disso o fez voltar para a pernambucana Triunfo —sua cidade natal, da qual o artista pegou o nome emprestado.

Precursor do hip-hop no país, teve sua trajetória retratada no documentário "Triunfo", que foi exibido no In-Edit, Festival Internacional do Documentário Musical. Nelson mora na Penha, na zona leste, e frequenta o centro todos os dias.

sãopaulo - Qual foi a sua impressão sobre a cidade quando chegou?
Nelson Triunfo - Era uma metrópole assustadora. Vim pela rodoviária da Luz, que era linda, com vidros coloridos. Quando saí, vi que estava tudo nublado.

Porque escolheu o centro como seu território?
Essa área é minha casa, meu escritório, minha 'vibe'. O centro é como se fosse uma árvore: nunca tem o mesmo tamanho ou as mesmas folhas, está sempre mudando. Quem viveu o centro de antigamente talvez tenha um choque hoje; a região se sofisticou. Mas ali está o lugar onde eu almoço, tomo sucos, com muita gente boa e jovem e os negos velhos da minha época.

Qual a diferença da cultura black dos anos 1970 e a de hoje?
Nos anos 1970, o Bexiga concentrava os bailes de música brasileira e alguns de reggae. Das festas black, a maior era no [clube] Palmeiras. E havia só um grande baile. Depois, as festas se dividiram e perderam um pouco a essência, foram acabando aos poucos.

Hoje existe um movimento black?
Há muitas casas noturnas que tocam música black moderna e diversos tipos de rap, além de bailes-nostalgia por toda a cidade. Até o funk é uma variação do nosso movimento.

O que acha do funk ostentação?
O problema do funk é não politizar os jovens. Eles têm essa aversão a uma boa música, a curtir um bom reggae, Dorival Caymmi, Gilberto Gil...

Como lida com o preconceito?
Sofri preconceito sempre do lado dos negros, por ser mais claro. Naquela época, o movimento era mais cerrado. Mas, como eu tinha o cabelo bem crespo, era discriminado também pelos brancos. Depois isso amenizou. O que mais deu trabalho foi meu sotaque nordestino. Quando cheguei e fui gravar um disco, chegaram a dizer que eu tinha um problema na fala.

Thays Bittar/Folhapress
Nelson Triunfo, 59, posa em rua na Penha, na zona leste; ícone do hip-hop no Brasil virou documentário
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