Relembre em 7 atos os protestos que pararam SP em junho de 2013

Relembre em 7 atos os protestos que pararam SP em junho de 2013:

ATOS 1, 2 E 3

Com exceção de quem ficou preso no trânsito do centro e da marginal Pinheiros nos dias 6 e 7 de junho, quando ocorreram o primeiro e o segundo ato contra o aumento da tarifa, quase ninguém percebeu a conexão entre o que começava em São Paulo e o que já havia acontecido em Florianópolis e em Salvador.

Nas duas cidades, o MPL (Movimento Passe Livre) conseguiu reverter o aumento das passagens de ônibus com milhares de pessoas nas ruas. Em São Paulo, foi preciso uma onda de vandalismo, protagonizada por anarcopunks (com depredações de ônibus e de agências bancárias), para que o governo, a imprensa e a população percebessem os manifestantes. Isso ocorreu no 3º ato, no dia 11.

A reação da mídia e do governo no dia seguinte foi similar, condenando o vandalismo dos manifestantes. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que estava em Paris com o prefeito Fernando Haddad (PT), afirmou que a ação de "baderneiros" destruindo o patrimônio era "intolerável".

A Folha e o "Estado de S. Paulo" publicaram editoriais pedindo a retomada da Paulista. Nas TVs, opiniões raivosas de Arnaldo Jabor, da Globo, e do apresentador José Luiz Datena, da Band, atiçaram a PM. A cena do policial Wanderlei Vignoli sangrando foi a gota d'água.

No dia 12, a corporação afirmou que os manifestantes não se sentiriam à vontade para se manifestar no ato marcado para o dia seguinte.

ATO 4

A promessa da PM foi cumprida. Na quinta-feira, dia 13, antes de o 4º Ato Contra o Aumento da Tarifa começar, cerca de 50 manifestantes já haviam sido presos —muitos deles por portarem vinagre, que, além de temperar a salada, serviria para amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo.

O que se viu em seguida foi uma ação desastrada da PM, que iniciou um confronto na esquina das ruas Maria Antônia e da Consolação, atirando bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha em manifestantes, jornalistas e pedestres.

O colunista da Folha Elio Gaspari escreveu em artigo, no dia seguinte: "Quem acompanhou [...] pode assegurar: os distúrbios de ontem começaram às 19h10, pela ação da polícia, mais precisamente por um grupo de uns 20 homens da Tropa de Choque, com suas fardas cinzentas, que, a olho nu, chegaram com esse propósito".

Os disparos de bala de borracha no olho que a repórter da "TV Folha" Giuliana Vallone e o fotógrafo Sérgio Silva levaram foram um tiro no pé da própria Polícia Militar. A imagem dos jornalistas feridos correu o mundo e provocou uma reação de imediato repúdio da opinião pública.

As redes sociais ferveram como nunca antes, e a imprensa engrossou o coro dos descontentes. Todos denunciavam agressões e cobravam punição.

ATO 5

E foi. Na segunda, dia 17, eram milhares de pessoas nas ruas. Na concentração, no largo da Batata, o Datafolha contou 65 mil, mas, no decorrer da passeata, outros milhares se juntaram aos primeiros, formando uma multidão gigantesca nas ruas.

Em um certo momento, a passeata se dividiu em três blocos. Um foi para o Palácio dos Bandeirantes, outro para a avenida Paulista e o terceiro para a avenida Luiz Carlos Berrini. Houve tentativa de invasão ao palácio do governo aos gritos de "ei, Geraldo, seu governo vai cair".

No Rio, manifestantes atearam fogo na porta da Assembleia Legislativa; em Belo Horizonte, houve confronto com policiais; brasileiros no exterior foram até suas embaixadas para apoiar o movimento; centenas de cidades se rebelaram e foram às ruas protestar.

A vitória da seleção brasileira de futebol na Copa das Confederações, que ocorria paralelamente às manifestações, em vez de tirar o foco do que acontecia nas ruas, fez com que protestos contra a Fifa e a Copa de 2014 entrassem definitivamente na pauta dos manifestantes. Nascia o atormentador grito de "não vai ter Copa".

ATO 6

No dia 18, terça-feira, a manifestação se transformou em uma revolta popular. Como em uma batalha medieval, manifestantes atacaram a sede da Prefeitura de São Paulo. Na entrada lateral, tentaram derrubar a porta com um poste arrancado da rua. Enquanto isso, no hall principal, poucos guardas-civis lutavam bravamente para impedir que a multidão em fúria tomasse conta do prédio.

A PM, ainda sob impacto das fortes críticas que sofreu após atos de violência, desapareceu. O recado foi claro: "Vocês reclamam que a polícia é violenta, então vamos ver como é sem polícia". Naquela noite, marginais se aproveitaram da ausência policial e saquearam lojas das ruas São Bento e Direita. Pessoas corriam carregando TVs de plasma, brinquedos e até geladeiras nas costas. A PM só deu as caras horas depois da confusão.

ATO 7

Na quarta (19), o 7º Ato Contra o Aumento da Tarifa, que deveria ser uma comemoração, foi o mais confuso e talvez o mais significativo do momento que o país esta vivendo. Com o aumento da tarifa revogado, abriu-se espaço para as mais diversas reivindicações em todos os espectros políticos, da extrema esquerda até a extrema direita.

Segundo o cientista político Marcos Nobre, o que aconteceu no dia 19 foi diferente de qualquer outra grande manifestação já ocorrida no país. "Até junho de 2013, as pessoas iam para as ruas sempre por um objetivo comum, como foram as Diretas ou o impeachment de Collor. O que se viu naquele dia foi cada um com a sua reivindicação e com opiniões muitas vezes incompatíveis. Obviamente, isso não viria sem conflito."

Para ele, os protestos refletem a falta de uma oposição definida no Congresso. "Desde que o governo Lula adotou a política do 'acordão da governabilidade', praticamente acabando com a oposição, o sistema político se blindou, fazendo com que a grande pluralidade de opiniões da sociedade não fosse mais refletida no sistema político."

Para Marcos Nobre, isso causou uma desilusão na sociedade e gerou movimentos populares como o MPL, que desistiram de tentar dialogar inutilmente com o governo e passaram a buscar um canal direto com a sociedade. "Isso é uma coisa nova."

Para o sociólogo Luiz Eduardo Soares, "como o Brasil tirou mais de 40 milhões da miséria nos últimos 20 anos, essas pessoas agora querem mais". O também sociólogo Sérgio Adorno completa: "Essas pessoas se tornaram cidadãos através do consumo, mas isso não basta. Apesar da melhora de renda, o sistema público continua produzindo desigualdades nas escolas, no transporte, na polícia e nos hospitais".

EPÍLOGO

Um ano depois, as opiniões ainda são divergentes em relação ao saldo final das manifestações, mas aparentemente há um ponto em comum: só saberemos a real importância do que houve em junho de 2013 quando junho de 2014 terminar. Já o tamanho do legado que esses dois meses de junho deixarão para o Brasil só será medido em outubro, quando o país voltar às urnas para escolher o próximo presidente da República.

FOLHA LANÇA FILME SOBRE O TEMA NO DIA 5

Um ano após os protestos que levaram milhões de pessoas às ruas de todo o país, a Folha lança "Junho - O Mês que Abalou o Brasil". É o primeiro documentário de um jornal brasileiro sobre o momento, que evoluiu de uma reivindicação contra o aumento das tarifas para uma revolta contra a corrupção, a falta de serviços públicos e o excesso de gastos com a Copa do Mundo. Dirigido pelo fotógrafo, documentarista e editor da "TV Folha", João Wainer, 38, e distribuído pela O2 Play, "Junho" será exibido em cinemas de oito cidades e disponibilizado via iTunes para 80 países por US$ 4,99 (R$ 11,05) a partir do dia 5 do próximo mês.

No iTunes, assinantes da Folha não precisarão pagar.

ABAIXO, ASSISTA AO TRAILER DE "JUNHO - O MÊS QUE ABALOU O BRASIL":

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