Massacre na Copa faz brasileiros sofrerem com piadas em países rivais

O plano inicial era celebrar a vitória brasileira em território inimigo. Em 8 de julho, torcedores nascidos ou que passaram por São Paulo correram a bares e restaurantes dos países em que estavam para curtir mais uma partida da seleção: Brasil x Alemanha.

Mas o que conseguiram foi uma avalanche de gozações, provocações e, às vezes, palavras e gestos de consolo após o Mineiraço. Saiba como foi viver a derrota do Brasil, por 7 a 1, no solo dos sete outros países campeões do mundo. E como os alemães comemoram a vitória do lado de cá.

VEJA RELATOS DA HUMILHAÇÃO NA TERRA DOS CAMPEÕES:

Editoria de Arte

NA ALEMANHA

Queriam fotografar as nossas caras!
"Choveu o dia todo no 8 de julho! Estávamos em um salão de festas de um conjunto de prédios para estudantes, alemães e estrangeiros. Éramos umas cem pessoas, 15 ou 20 brasileiros. Cantamos o hino, fizemos barulho. Os alemães comemoraram muito os dois primeiros gols, mas no estilo deles. Levantam, gritavam gol, mas nada de mais. Com o quinto gol, eles gritavam e queriam fotografar as nossas caras. Depois, nos trens, pulavam e cantavam bebendo cerveja."

Barbara Bayer, 27, relações-públicas, mora em Karlsruhe há 1 ano e 9 meses

*

Choro em posição fetal
"Foi meu aniversário no dia do jogo. Eu e meu marido, que é alemão, encontramos um casal que também é formado por um alemão e uma brasileira. Chegamos ao bar a que sempre vamos, mas estava lotadíssimo. Andamos pelo bairro e conseguimos sentar em um espaço organizado por artistas. Foi a minha sorte, porque lá ninguém estava dando muita bola. Como disseram por aí, pelas piadas na internet, o pessoal de humanas perdeu rapidamente a conta dos gols... No primeiro gol, levei um susto. No segundo, fiquei brava e, no terceiro, achei que fosse chorar em posição fetal. Os alemães estavam bem tranquilos, com bastante dó dos brasileiros tristes que apareciam no telão. Mas não teve como não se divertir. Recebi as melhores mensagens de aniversário. No final, a comemoração foi bem tranquila e se resumiu a aplausos, mas tenho certeza de que teve muita festa na cidade."

Isabel Fernandes, 24, produtora cultural, mora em Berlim há dois anos

*

Eles invadiram nosso bar!
"Quando os gols começaram a sair em efeito cascata, os alemães passaram a invadir o nosso bar, outrora dominado pelas camisas amarelas. Depois do quinto gol, o que era um pequeno território brasuca na Alemanha, já tinha mais camisas brancas e bandeiras deles.Os brasileiros se voltaram de costas para a televisão com seus copos de cerveja na mão. Passavam grupos enrolados em suas bandeiras rindo toda vez que viam uma camisa ou um chapéu verde e amarelo."

Roberto Negrini, 27, engenheiro de processos, mora em Aachen há 2 anos

-

NA ARGENTINA

Engolimos com Quilmes
"Abrimos a bandeira verde e amarela sobre a mesa. Nós torcendo para o Brasil e o resto do bar, pela Alemanha. No primeiro gol ficamos espantados. A cada gol, encolhíamos mais. Não parecia real, sem tempo para um gole, e o final do primeiro tempo custava a chegar. Não podíamos desabar, chorar ou xingar. No intervalo, o dono do bar veio conversar. Ele também não estava entendendo nada. Depois do sexto gol, dois argentinos chocados e deslocados começaram a gritar a favor do Brasil. O gol do Oscar foi um momento estranho. Meu grito saiu para dentro, quase como um soluço. Foi um sofrimento solitário que engolimos com a ajuda de uma Quilmes."

Marcio Freitas, 41, designer, mora em Buenos Aires

*

As piadas não paravam
"Fui a um bar que fica no bairro de Palermo. A metade do bar, argentina, comemorou cada gol, cada vez mais feliz! E imagina o quanto é estranho ouvir de perto um gol contra o Brasil sendo comemorado? Foi sofrido! Confesso que no intervalo pensei em ir embora. Sentia uma agonia incrível. E os argentinos não perdoavam, as piadas não paravam. Mas depois disse: 'Não! Vou ficar e apoiar a seleção'. Fiquei até o último minuto!"

Allyne Borges, 28,  gerente de markenting, mora em Buenos Aires há 3 anos

Atrasada
Toca a campainha de casa e é uma amiga brasileira atrasada. Abro a porta e escuto "4 a 0 né?" e tenho que responder "não, 5 mesmo".

Olivia Papa, 22, estudante, mora há 4 anos em Buenos Aires

-

NO URUGUAI

Foram muitos sentimentos novos
Eu assisti ao jogo no meu trabalho, era a única brasileira entre muitos uruguaios. Quando a seleção alemã fez os gols, a princípio, ficaram pasmados como eu, não podiam acreditar que aquilo estava acontecendo. Depois, vieram as piadinhas e as risadas. Foi difícil, nunca precisei lidar com essa situação, o Brasil sempre foi referenciado pelo futebol e, aqui no Uruguai, sempre fomos respeitados por isso. Neste momento, foram muitos sentimentos novos... Juntou a desclassificação, com o vexame e a situação nova de ser a única brasileira sofrendo contida. Quando começaram as brincadeiras, não soube como reagir, acho que foi uma sensação de tristeza e vergonha com impotência. Depois, quando o placar já estava 5x0 e acabou o primeiro tempo, as brincadeiras continuavam, mas os uruguaios já estavam com pena de mim e me olhavam com cara de dó, eu já não tinha muita esperança.

Adriana Catelli, relações-públicas, 25, mora há 2 anos em Montevidéu

*

TV que ia filmar a gente desistiu
"Assisti ao jogo em um bar com brasileiros que vivem aqui. Uma equipe de TV uruguaia combinou para filmar a gente. Mas quando chegaram já estava 4 a 0. Mudaram de ideia. O Uruguai venceu o Mundial de 1950, e a rixa aumentou quando tiraram o Suárez da Copa. Começou um boato de que o Brasil comprou a Copa e expulsaram o Suárez, pois tínhamos medo. Ficava chato o papo. Quando perdemos de 7 a 1, pararam de falar isso."

Adriana Molha, 31, empresária, mora em Montevidéu há 2 anos

*

Não esperava humilhação
Éramos uns 30 brasileiros em um bar. Eu não esperava que fosse ganhar, mas não esperava humilhação. Nos primeiros 30 minutos ninguém mais acreditava. No fim do primeiro tempo já pensávamos que só um milagre. No segundo tempo, já aplaudíamos os gols da Alemanha. O que achei legal é que tentaram jogar até o fim e não teve violência.

Renata Soares, 40, captação de eventos, mora há 10 anos em Montevidéu

*

Narrador foi ácido
"Chamou a atenção o narrador daqui. Ele falou coisas ácidas sobre o nosso futebol, tirou sarro. Ele gritou isso: 'O Brasil queria o hexa. Agora tem. Só que no placar'. Isso quase me fez tirar o som da televisão do hotel.
Aí, começamos a fazer piadas, pois não tinha mais nada para fazer."

Tata Pierry, 33, assistente de direção, estava em lua de mel em Montevidéu

*

-

NA INGLATERRA

Pints para esquecer
"Já era noite quando fomos a um pub no campus da Birmingham City University. O grupo tinha uns 20 brasileiros, preparados e enfeitados. O vexame começou e os únicos três alemães do bar faziam questão de aparecer na nossa frente aos berros. Quando um dos brasileiros comemorou o nosso mísero gol, um deles veio mostrar o placar para a gente, dando gargalhadas. Depois de um tempo, os sentimentos de tristeza e incredulidade sumiram com a ajuda de uns pints e, a cada gol, os brasileiros riam mais, contando as piadas da internet."

Oma Rodrigues dos Santos, 23, arquiteta, mora em Birmingham

*

Tinha acabado de chegar a Londres
Vi o jogo num hotel ao lado do palácio de Buckingham, com a família da minha namorada. Quando teve o quarto gol, fui jantar em um restaurante sem TV [risos]. O pior é que eu tinha acabado de chegar a Londres. Fizemos 'mó' correria, me perdi no metrô, corremos na rua do palácio... Tudo pra chegar a tempo. E depois do jogo teve de tudo: 'zoaram' muito. "

Eduardo Bueno, 28, coordenador deeventos; estava de férias em Londres

*

Vimos o jogo em casa: meu marido Rodrigo, meu filhinho Felipe e eu. Todos com camisa do Brasil, cantamos o hino, bandeiras por todo o lado.
Achávamos que a partida seria difícil, que talvez tivesse prorrogação, pênaltis...imaginavamos até que poderíamos perder, pois a Alemanha vinha jogando muito bem, mas não imaginávamos perder de goleada. E o que vimos foi uma seleção literalmente anestesiada, sem reação. Não pareciam que estavam disputando uma semifinal de Copa. Até o segundo gol pensávamos que dava para virar, mas, depois do terceiro, vimos que perderíamos de goleada. No quarto gol não sabíamos se era reprise.
Depois ouvimos os comentaristas esportivos falando da humilhação, mas com um tom de surpresa, todos esperavam mais do Brasil.
Na escolinha do Felipe o pessoal sempre falava sobre os outros jogos do Brasil. Mas depois da partida contra a Alemanha ninguém falou nada. No trabalho do Rodrigo, só brincaram depois que ele mesmo quebrou o gelo e fez uma piada. Todos estavam surpresos com a nossa derrota de goleada. Ninguém imaginava que seria assim tão fácil ganhar do Brasil.

Graziella Girardi Hanna, 37, médica, mora em Oxford há 1 ano

-

NA ESPANHA

Chorei na rua mesmo
"Coloquei a mesma roupa, peguei a mesma corneta e fui ao mesmo bar, Ovella Negra. O jogo aconteceria às 22h daqui. Às 19h, já estávamos todos lá, cantando e sambando. O lugar tem capacidade para mais de 800 pessoas. Fiz um esforço e consegui encontrar apenas quatro mesas com alemães (bastante contidos) no mar amarelo. Quando de repente, 1, 2, 3, 4... Não aguentei. Fui embora e larguei a vuvuzela da sorte lá. Por pouco não larguei a camiseta. Peguei o metrô para casa. Antes de entrar no prédio, chorei na rua mesmo. Como uma criança. Os espanhóis, que não tinham se manifestado até então, me vaiaram."

Lilian Sobral, 26, jornalista, mora em Barcelona há 11 meses

*

Tirei o som da TV
"Chegou uma hora que ficou até engraçado, demos risada... Mas estava perplexa, sem palavras! O que me deu mais raiva foram os comentaristas, que se alegravam com a Alemanha. Uma hora até tirei o som da TV. No dia seguinte, no trabalho, sofri com o povo me zoando. Falavam que os juízes ajudaram a gente e que não merecíamos estar nas semifinais. Assisti a todos os jogos de verde, azul ou amarelo. Contra a Alemanha, não. Estava de pijama. Mas não acho que teria mudado o placar [risos]."

Marcela Chacur, 28, advogada, mora há 3 anos em Barcelona

-

NA FRANÇA

Garçons me deram cerveja
"Havia um grupo de franceses torcendo para a Alemanha. Os garçons, franceses, torciam para o Brasil. Havia também algumas pessoas sozinhas, como um espanhol —depois, ele veio me dizer que sabia o que estávamos passando. Após o segundo gol, o clima já era de velório. Os brasileiros se conformaram. Os franceses que torciam contra nós fizeram graça durante o jogo. Mas, depois, estavam com sorrisos amarelos, sem falar nada. Os garçons franceses vieram nos consolar, ofereceram uma cerveja para afogar as mágoas, um abraço..."

Lauro Sollero, 29, programador e corintiano, mora em Paris há 2 anos

*

Francês não chora
"Vi a Alemanha eliminar a França e o Brasil em um bar, às margens do Sena, tomado pelos donos da casa. O clima de tensão existia, mas em nada lembrava a angústia tipicamente brasileira, a cara de feriado que toma conta do país, o silêncio das ruas das nossas cidades durante as partidas. Paris não parou nem para ver o jogo nem chorou pela derrota dos 'bleus'. Sem dramas, sem clima de funeral.Os franceses se tornaram torcedores da Croácia, do México, da Colômbia, do Chile. Com direito a comemoração pelos gols sofridos pela seleção e de suas bufadas típicas e ranhetices."

Juliana Landim, 36, funcionária pública, morou 10 meses em Paris

-

NA ITÁLIA

Só tinha alemão
"Assisti ao jogo no restaurante de um amigo. Quando saíram os gols, descobri que eram todos alemães. Eram discretos, educados. Ninguém ousava olhar para nós [risos]. Os alemães estavam tão perplexos quanto nós. Acho que ficaram constrangidos com o chocolate. Foi tudo bem frio, muito discreto."

Paula Starck Crestana, 33, designer, mora em Florença há 7 anos

*

A lavada era certeira
"Dividi o território com o 'inimigo'. Apesar de viver em um hotel no norte da Itália, o sotaque de 'fritz' é o que mais se ouve por aqui, ainda mais em noite de jogo da Copa do Mundo. Os alemães, certos de uma derrota, se acomodaram em seus lugares enquanto cochichavam um com outro a presença de uma brasileira 'em campo'. A lavada era certeira, ao menos antes de verem os seus compatriotas nos primeiros minutos de jogo. Primeiro gol e... Goooooollllll! Segundo gol e... Aplausos e rostos felizes. Terceiro e... 'Vem cá, isso é um replay?', pergunto em alto e bom tom. Quarto e... Sim, perdeu a graça até pra quem não liga para futebol e se senta em frente à TV só em época de Copa mesmo. Quinto e... o senhor à minha frente se levanta: 'Boa noite, já sei o fim do jogo, vou dormir.'

Adriane Hagedorn, 34, jornalista, mora há 4 anos em Toscolano Maderno

*

O que é que eu vou falar?
Com o primeiro gol, começou a festa da torcida rival... Quando vieram o sexto e sétimo gol, o único comentário foi: 'E agora, o que falo amanhã na rua?'"

Leandro Machado, 26, frei, mora em Roma há um ano

-

ALEMÃES NO BRASIL

As crianças choravam...
"Assisti ao jogo na casa de amigos em São Paulo. Eu era a única alemã. Com 1 a 0, eu estava feliz. Mas com os 2 a 0 ficou horrível porque os filhos das minhas amigas começaram a chorar. E com o terceiro, quarto gol, eles choravam cada vez mais. Naquele momento, eu não sabia o que fazer. Não fiquei feliz. Preferi explicar para as crianças que o Brasil tem cinco estrelas e a Alemanha só tem três, que foi só um jogo. Foi bastante difícil. Gostamos muito do seu país e não gostaríamos de fazer algo que possa ofendê-los. Eu pedi desculpas, mas os brasileiros disseram que não precisava."

Carmen Niethammer, 43, consultora do Banco Mundial, há 1 ano em São Paulo

*

Achei que seriam mais agressivos
"Achei que os brasileiros seriam mais agressivos comigo, já que eu torcia para o adversário. Mas foi muito tranquilo, só faziam algumas brincadeiras e provocações. Também foram muito hospitaleiros. O mais engraçado foi que, depois do quarto gol, os brasileiros começaram a torcer para a Alemanha. Eles ficaram bastante tristes, mas viram que não tinha muito jeito. Para mim, se a Alemanha vencer a Copa, será um momento muito especial, por estar no país sede. E acho que, se a Argentina vencer, será pior para os brasileiros. Com a vitória da Alemanha, o Brasil terá perdido para o campeão mundial."

Corinna Stanzel, 23, estudante, em São Paulo há 4 meses

*

Também ficamos em choque
No dia do jogo, havia mais ou menos 800 pessoas no Instituto Goethe em São Paulo, todos felizes e animados. Porém, quando vimos a quantidade de gols, nós alemães também ficamos em choque e não conseguimos mais comemorar."

Katharina von Ruckteschell-Katte, 52, diretora do Goethe, há 6 meses no Brasil

Publicidade
Publicidade