Curso em museu usa arte para estimular idosos com problemas de memória

– Quem fez esse vaso no quadro?

– Foi você.

– Não é possível! Quando?

– Semana passada. Fiz foto, olha...

Em silêncio, ela observa a imagem no celular, depois o desenho na tela. A expressão, antes desconfiada, cede lugar a uma reprovação meio infantil:

– Não gostei. Coisa mais feia!

– Tudo bem, a gente arruma! Vem?

O diálogo de Cristiane Pomeranz, 49, e uma participante do Faça Memórias, no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura), ilustra bem o desafio do curso: tratar com leveza o esquecimento causado pela idade ou por doenças, como o mal de Alzheimer.

Criado em 2009 por Cristiane e Juliana Naso, 32, o programa tem duas sessões por semana, ambas às sextas, de manhã e à tarde. São turmas de sete alunos em média, quase todos mulheres acima de 80 anos. As terapeutas usam a arte para estimular lembranças, driblar a depressão e melhorar a qualidade de vida.

"O Alzheimer e outras demências causam esquecimento angustiante", diz Cristiane. E, embora a degeneração seja irreversível, "é possível trabalhar a atenção e o vocabulário e ajudar a não piorar", completa Juliana. A Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer) estima que haja no Brasil cerca de 1,2 milhão de casos, a maioria sem diagnóstico.

A inspiração do Faça Memórias veio do MoMA (Museu de Arte Moderna), de Nova York. Lá, porém, as aulas não são regulares e preveem só a observação do acervo e um bate-papo.

Na primeira hora do Faça Memórias, as terapeutas levam a turma às mostras. O tema ecológico de "Em Busca de um Novo Mundo", em cartaz no MuBE até quarta (29/10), motivou uma tocante recordação sobre a fazenda onde uma delas passara a infância.

Na segunda etapa, "ateliê", os alunos criam obras de arte, principalmente pinturas, esculturas e artesanato, usando fotos ou modelos.

As colegas terapeutas estão sempre às voltas com novos obstáculos, ao encontro dos estágios da doença e da personalidade de cada um. Em solução recente, uma aluna com dificuldades motoras se deu bem trocando o pincel de pintura por um de barbear. "Além de ser fácil de manusear, a fazia lembrar do marido", diz Juliana.

SUPERAÇÃO

Após uma fase gratuita subsidiada por incentivo fiscal estadual, o curso hoje custa R$ 420 ao mês, entre mensalidade e material. O valor restringe o acesso, reconhece Cristiane, "pois esse público já tem um gasto alto com remédios, cuidadores etc.".

Outra dificuldade é tirar o idoso de casa. Se na terceira idade a incidência de depressão é maior, quando falta a memória, a apatia ganha força. "Condenar o portador de um diagnóstico a viver em frente à televisão aumenta a propensão à doença", diz Cristiane.

No dia da visita da sãopaulo, todos os idosos tinham cuidadoras profissionais na sala ao lado do ateliê. "Geralmente essas senhoras não querem nem caminhar no parque. Aqui elas se divertem e dão risada", diz Eulina Silva Souza, 34, há seis anos zelando por Ernestina Magdeli, 83.

Para Maria Pereira, 52, cuidadora de Elvira Severino, 90, o principal benefício do curso é reativar a autoestima: "Ela se sente importante". "Gosto muito daqui porque me distrai. É bom lembrar do passado", diz Icléia, 88, segurando um quadro com flores roxas.

Mesmo em casos graves, quando o idoso só reproduz borrões, Cristiane vê benefícios. "A filha de uma aluna me disse: Sei que na calçada ela já não se lembrará de onde esteve, mas terá um sorriso no rosto. É o que importa'."

O convívio ainda emociona as terapeutas. "Ernestina tinha uma amiga, a Lucita, que parou de vir pois ficou mal. Lucita se apresentava às colegas toda vez que as via, mas logo estava de braços dados com Ernestina. E assim ficavam."

Juliana contém a emoção: "Um dia Lucita disse à amiga: 'Hoje sonhei com você. Tenho certeza'. Como explicar uma coisa dessas?"

FAÇA MEMÓRIAS

Tel. 2594-2601 (ramal 12) ou e-mail cursos@mube.art.br
www.facamemorias.com.br

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