Seca em SP aumentou interesse pelo assunto, dizem meteorologistas

Papo de elevador em um prédio da região central, na última segunda (27): "Pô, Nazário! Choveu bem quando eu saí para votar". Nazário, no caso, é o sobrenome de Adilson, 64, que, sem tempo ruim, responde:

"Eu, que sabia o horário que ia chover, fui votar antes", gaba-se, com bom humor. Como técnico em meteorologia, ele tem escutado cada vez mais esse tipo de brincadeira, principalmente nos últimos meses, em que a escassez de água é o assunto da estação. E leva na boa.

O catarinense integra há 14 anos a equipe de três profissionais de previsão do tempo do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências). Fundado em 1999, é o órgão da Prefeitura de São Paulo responsável por monitorar as condições meteorológicas. De sua sala saem informações e alertas, quando necessários, para instituições como Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e subprefeituras -eles chegaram a treinar agentes da CET para saber identificar nuvens.

Dados como índice de pluviosidade e temperatura são coletados nas 26 estações meteorológicas da capital, instaladas seguindo critérios como a ausência de barreiras que atrapalhem a medição da chuva e do vento e a distância de superfícies que interfiram na medição do calor. "É um trabalho de muita responsabilidade. Mexe com a vida das pessoas", explica.

"Acontece bastante de ligarem perguntando do tempo para saber se mantêm seus compromissos ou preocupados com os filhos que não estão em casa." Nazário se refere à época em que torós causam transtornos, como alagamentos, o que não tem ocorrido, apesar de já ter começado a temporada chuvosa, de outubro a março.

De acordo com dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), coletados no mirante de Santana, na zona norte, outubro passado foi o mais seco desde 1985: faltando dois dias para acabar o mês, a pluviosidade acumulada era de 25,2 mm (o esperado era de 129,7 mm). Cada mm equivale a um litro de água por m².

A chuva insuficiente é a mesma que não molha a região das represas do sistema Cantareira -que vai de Mairiporã, ao norte da capital paulista, à divisa com Minas Gerais.

Para a Sabesp, "o calor recorde e a inédita falta de chuvas desencadearam a pior crise hídrica na Grande São Paulo em 84 anos". A empresa estadual de abastecimento diz que os quatro reservatórios que compõem o complexo registraram 1.090 mm de chuva acumulada no ano passado, sendo a média histórica de 1.566 mm.

"ACHISMO"
Os números confirmam o que amigos e seguidores da meteorologista Olívia Nunes, 34, da Somar, rotulavam como pessimismo. "Todo mundo estava preocupado se teria Copa, e eu, se teria água", conta ela. "Uma pessoa que me seguia no Twitter afirmou que eu torcia para a água acabar."

Propagada desde o início do ano, a preocupação dela baseava-se em indicativos vistos em 2013 de que o volume de chuvas seria abaixo da média. "Não trabalho com achismo."

O sumiço das chuvas corroborou os boletins de Olívia e a ajudou a responder à piada que seu irmão repetia quando ela cursava meteorologia.

"Ele brincava que nunca teria uma situação de emergência em que eu poderia anunciar 'Deixa que resolvo, sou meteorologista', como fazem os médicos", conta ela, rindo.

Olívia, que iniciou a carreira aos 15 anos num curso técnico, não tem a saída para o imediato regresso da chuva. Mas está entre os poucos que podem responder à simples pergunta: quando vai chover? "Está todo mundo querendo saber", diz.

"Tem tido muita entrevista, cliente ligando aflito e desesperado querendo saber quando vai chover e como vai ser essa chuva, principalmente agricultores do interior de São Paulo e de Minas Gerais. As empresas do setor energético também têm procurado."

O síndico do prédio onde ela mora, nos Jardins, zona oeste, a convidou para participar da reunião do condomínio, na última quarta-feira (29),
para planejar o que vão fazer se a chuva insistir em não aparecer.

"As pessoas estão dando maior importância para o meteorologista", diz Olívia, que, em março, passou a reaproveitar a água da máquina de lavar roupa, para economizar.

O sentimento de reconhecimento da profissão também é notado por Bianca Longo, 27, da Climatempo. "Está todo mundo prestando mais atenção na meteorologia. É importante as pessoas se envolverem, tirarem o preconceito." Questionada se está trabalhando mais, ela diz que, no monitoramento, não. "Mas o trabalho aumentou pelo interesse da população e da mídia por causa desse problema. Recebemos mais pedidos de reportagem e telefonemas, como os de agricultores preocupados, pois assumem o risco de plantar ou não."

A previsão do tempo, afirma Bianca, não é bem vista no país por não acertar sempre. "Dependemos do avanço da tecnologia para melhorar, porque as equações que regem a atmosfera não têm soluções exatas."

Traduzindo: o tempo e o clima são bem mais complicados do que sugerem as imagens de mapas. Por isso, não é raro Bianca ouvir que meteorologista fala que vai chover e não chove ou que qualquer um pode prever de 11ºC a 27ºC em um dia.

A tecnologia tem se aprimorado ao longo dos últimos anos. Mas apesar das inúmeras informações consultadas pelos meteorologistas antes de elaborarem seus boletins -como a convergência dos ventos, a precipitação acumulada, a umidade do ar e a pressão atmosférica, exibidos em mapas multicoloridos cheios de escalas-, no fim, o que pode fazer a diferença é a pessoa por trás da máquina.

"O meteorologista é tipo um médico", compara Marcelo Schneider, 41, que atua no escritório paulistano do Inmet há oito anos. "Você faz o exame e consulta dois, três doutores que vão analisá-lo. Aí conta a experiência e o treinamento que eles têm."

Alguns desses exames analisados pelos doutores do tempo são os modelos numéricos, programas que fazem cálculos para descrever o comportamento da atmosfera. "Não é 100% preciso. É bom conhecer onde cada modelo acerta e onde falha, e onde o outro é melhor ou pior."

Thays Bittar/Folhapress
Estação meteorológica automática do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências)
Estação meteorológica automática do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências)

"[A porcentagem de acerto] Varia muito em função da localidade, da época do ano e do sistema meteorológico atuante. Por exemplo, no Sudeste, o índice de acerto pode passar de 90% para até 72 horas no inverno", diz Fábio Rocha, 42, do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos), do Inpe.

"O mesmo não ocorre, na mesma região, na primavera, com o índice podendo ficar inferior a 80% até para 24 horas." Incertezas ocorrem e ocorrerão, de acordo com o professor Augusto José Pereira Filho, 54, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.

"Quem diz que tem certeza sobre variabilidade de mudança climática está sendo, no mínimo, incoerente. Hoje, há um bom nível de compreensão do sistema, mas não bom o suficiente para entender todas as suas nuances e variações."

A metrópole, conta, revive hoje temporadas de seca vistas no século passado. "Em 1969, carreguei lata na cabeça para ter água em casa", relembra ele, que na época morava em Osasco, na Grande São Paulo.
Graduado em meteorologia na USP há 30 anos, Pereira Filho espera que a atual crise leve governos a tratar a área com mais seriedade.

"Guerras são ganhas e são perdidas com a meteorologia. Os mongóis no século 4º iam invadir o Japão e perderam mais de 4.000 barcos, segundo relatos históricos."

Há um consenso entre os meteorologistas ouvidos pela sãopaulo: racionamento de água deveria ter sido iniciado no começo do ano. "Nesta seca, a gente deveria ter se prevenido melhor", diz Pereira Filho. "Quando a chuva falha, tem que começar o racionamento. Não tem o que discutir."

A Sabesp considera a medida a pior alternativa para a crise e alega que "as estratégias adotadas estão corretas". A empresa diz acreditar que, a partir deste mês, a água vai voltar a cair, recuperando os reservatórios até o fim do próximo verão.

Enquanto isso, até os senhores do tempo que sabem dizer quando choverá estão economizando. "Eu já não deixo água correndo quando escovo os dentes. A gente se policia. A atitude das pessoas tem que mudar", afirma Nazário. Ele reforça: "Antes de sair de casa, veja a previsão do tempo".

Ah, segundo a meteorologista Bianca Lobo, a semana começa com previsão de pancadas de chuva em todo o Estado, que devem se intensificar a partir desta segunda (3). Ainda não é muito, mas pode ajudar.

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