Rodízio com cinco dias sem água já preocupa paulistanos

Considerada a última opção para evitar o colapso completo do sistema Cantareira, reservatório que abastece 6,2 milhões de pessoas e que está com cerca de 5% da sua capacidade, a adoção do
rodízio em que a população teria água nas torneiras apenas dois dias por semana já é cogitada pela Sabesp.

"Se as chuvas insistirem em não cair no sistema Cantareira, seria uma solução de um rodízio muito pesado, muito drástico", disse na última semana o engenheiro Paulo Massato, diretor metropolitano da empresa de saneamento.

Apesar de já estar sendo usada a segunda cota do volume morto do sistema, o "rodízio drástico" só deve acontecer se as chuvas nos mananciais continuarem abaixo da média e se não surtirem efeito medidas como redução da pressão da água distribuída e da quantidade captada, criação de bônus e sobretaxa para ncentivar menos consumo, além de planos para aproveitar a reserva da Billings.

Do pessimismo ao escracho, veja como 24 paulistanos se preparam para enfrentar a pior crise hídrica da história da Grande São Paulo.

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O QUE O GOVERNO DIZ; Marcio Aith, subsecretário de Comunicação do governo do Estado, em artigo na Folha na quinta-feira (29)

"Diante da pior crise hídrica já registrada na história, o governo do Estado de São Paulo adotou desde janeiro de 2014, e continuará adotando, as medidas que forem necessárias em defesa de sua população."

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RAFINHA BASTOS, humorista e apresentador
"Quando a água for embora:
Dia 1: Vou tentar não me mexer muito.
Dia 2: Vou usar tanto perfume que as plantas se apaixonarão por mim.
Dia 3: Vou adotar o uso de máscara de oxigênio para evitar meu odor.
Dia 4: Vou perder alguns amigos que não aguentarão o meu cheiro de fralda de recém-nascido.
Dia 5: Vou morar na cracolândia.

Quando a água voltar:
Dias 1 e 2: Vou passar 48 horas no banho com um esfregão de aço na mão e gastar toda a água de SP pra tirar a sujeira dos cinco dias."

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RODRIGO LIMA, dono de dois salões Circus Hair
"Já colocamos álcool gel nos banheiros para as pessoas substituírem na hora de lavar as mãos. Oferecemos cerveja para os clientes e estamos pedindo que eles tomem nas garrafas."

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ANDRÍCIO DE SOUZA, quadrinista
"O paulistano pode muito bem viver cinco dias por semana sem água. Para cozinhar, aumentaremos as frituras -o que, convenhamos, é muito mais gostoso. No mercado, qualquer água ganharia o status de Perrier. Haverá até gente dispensando as empregadas, já que não terá água para limpar o chão. A ideia seria recebida com muito gosto, já que adotaríamos o hábito parisiense de só tomar banho aos finais de semana –vai ver, este era o plano original do Alckmin ao não investir em fontes de recursos hídricos e por isso ele foi reeleito. A cinco dias sem água o paulistano se adapta. O que levaria a cidade
ao caos seria se houvesse um racionamento de antidepressivos, e as pessoas só pudessem tomar os remedinhos aos finais de semana. Sem água, até que se vive em São Paulo. Mas sem antidepressivos, é impossível."

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JEAN-CHRISTOPHE BURLAUD, dono do restaurante On Va Manger, na Consolação
"Vamos ter que fechar as portas [durante os cinco dias] e ver qual o impacto sobre o faturamento, de quanto vai ser o prejuízo. A água é vital porque determina a higiene e a preparação da comida. O que eu vejo de imediato é que vamos ter que fechar. Não vou ser o único. Fui convidado a ir a um condomínio com piscina e não consegui por problema de consciência."

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MARINA GURGEL, sócia da floricultura A Bela do Dia, na Vila Madalena
"Não sei o que fazer se houver rodízio 5 x 2. Já passamos dois dias sem água. Deixamos as flores concentradas em menos baldes. Quando chove, colocamos os baldes na chuva. Estamos tendo pesadelos com isso."

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MANCHA LEONEL, dono da Casa do Mancha, produtor musical e videomaker
"Vou passar cinco dias num lugar que não tenha governo do PSDB, aí volto..."

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LAERTE, cartunista
"Procurarei estocar em balde ou coisas assim. Vou tentar controlar a água da caixa. O meu gasto de água é pequeno, eu desligo o chuveiro quando passo o xampu. Mas penso em hospital, espero que haja um tipo de atendimento especial. Todo dia fico sem água [por causa da redução da pressão]. O problema da Sabesp é a falta de um calendário para as pessoas se programarem. Uma política um pouco mais assertiva de informação ajuda a pessoa a se organizar. É necessário a gente se informar o que está sendo feito a nível de organização política."

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HAMILTON ZANELATO, motorista, em referência à derrota do Brasil para a Alemanha na Copa 2014
"Era melhor que fosse 7x1 de uma vez, porque a gente já está acostumado hahahaha."

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FACUNDO GUERRA, sócio do bar Riviera, do Cine Joia e do PanAm
"Quero que tenha uma outra solução [além do 5 X 2], porque senão teremos o caos em São Paulo. Tenho restaurante, clube, não estou preparado para esse cenário. Não me planejei ainda, estou desesperado. Em casa, estou reformando o telhado para captar água da chuva. Tomo banhos rápidos. Meu chuveiro fica dentro da banheira, então eu fecho o ralo e depois uso a água para a descarga com um balde."

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RICARDO LÍSIAS, escritor
"Achei tudo isso muito bizarro, cinco dias sem água e dois com água. Parece receita de nutricionista: olha, dois dias pode comer um doce, cinco dias não. Acho insuportável, é como ouvi alguém dizendo: seria mais suportável se fosse com sexo: cinco dias sem e dois com... Quando eu tenho problemas com o computador, troco ajuda por um livro. É o que eu acho que vou fazer: trocar alguns litros por um livro. Mas vai variar conforme o livro. Será que consigo um banho a mais por semana ou confirmo que no Brasil lê-se muito pouco?"

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IVO RIBEIRO, sócio do restaurante Tordesilhas
"Não tenho ideia do que fazer com cinco dias sem água. São Paulo vai parar. Ninguém tem caixa para ficar cinco dias sem água. Quero crer que não vai chegar a esse ponto. Espero que as zonas comerciais tenham um tratamento especial."

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ROGER FRANCHINI, escritor
"Achava que São Paulo entraria em colapso por causa da violência ou do trânsito, ao ponto de provocar um êxodo como aconteceu em Detroit. Sinto-me enganado porque nunca houve um alarme do governo quanto à emergência da situação. Mesmo com os reservatórios se esgotando rapidamente ao longo dos último anos, os anúncios oficiais eram de que "NÃO VAI FALTAR ÁGUA". Sequer cogitou-se a despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, coisa que qualquer grande capital do planeta conseguiu fazer com suas bacias hídricas urbanas sem falir. Entre manter os lucros dos investidores da Sabesp ou garantir o bem estar da população, o governo nos mostrou os interesses de quem ele está defendendo."

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TIBIRA, dono do Armazém Alvares Tibiriçá, Santa Cecília, e do bar Caos, Consolação
"Antes de abrir o Armazém, colocamos uma caixa d'água maior. Se tiver esse racionamento, a saída será chamar caminhão-pipa. Uma outra coisa vai ser usar materiais descartáveis para servir. Já a lavagem de frutas e verduras não sei como vai ficar. Na Augusta, escorrer aquela água na sargeta, que sai dos prédios. No Caos, estamos usando essa água para lavar banheiro e dar descarga e também já lavei meu carro com ela."

Editoria de Arte/Editoria de Arte

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BRUNO MORESCHI, artista plástico
"No ateliê, vamos construir uma cisterna para coletar água da chuva. Mas a vontade mesmo é pedir, de porta em porta, um copo de água potável para quem ajudou a eleger Alckmin no primeiro turno."

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EGYPCIO, vocalista do Tihuana
"Nos dias sem água vou fazer a 'dança da chuva' sem parar. Nos dias com, vou passar o dia tomando banho e dando descarga."

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HOSPITAL SÃO CAMILO, em nota
"Temos contrato para o fornecimento de água em caminhões-pipa para não interromper os serviços, no caso de dificuldades no abastecimento nas unidades. Como suporte à iniciativa, a unidade Santana conta com um poço artesiano que abastece parcialmente o hospital. A unidade Ipiranga está em fase de análise da qualidade da água de um poço artesiano que há no local, para verificar a possibilidade de reativação."

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CARMEN DA SILVA FERREIRA, líder da FLM (Frente de Luta por Moradia)
"Para conseguir água para a ocupação, a gente sempre procura fazer acordo para pegar do vizinho; muitas vezes pagamos. Então, é obvio que alguns podem deixar de ceder essa água."

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MAURÍCIO RIBEIRO LOPES, promotor de habitação e urbanismo de São Paulo
"Vou me valer da minha experiência de tracking (caminhadas ao ar livre). Consigo tomar banho com um copo d'água, usando um lenço umedecido. Tenho vocação para camelo, consigo ficar três dias sem tomar água. Na Serra Fina (na fronteira entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) não tem riachos, cachoeiras. Precisamos carregar toda a água que vamos usar no tracking, quatro ou cinco litros para passar cinco noites. Eu não vou passar aperto. Vai acontecer o que? A cidade vai ficar fechada? Não, né. A crise é uma oportunidade para as pessoas mudarem seus hábitos de consumo."

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ELAINE BUAVA, gerente da academia Gaviões da rua 13 de Maio
"Se faltar água nos chuveiros, os clientes vão ter que entender. Mas vamos ver um modo de ter reserva em caixa d'água, com uma maior. Para beber, estamos prevenindo e estocando água de galão. Quando houver o recesso, vai faltar até na distribuidora. Já temos de 20 a 30 galões de 20 litros estocados."

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RAFAEL MAMBRETTI, sócio da Carbono Zero Courier, em Pinheiros, que faz entregas de bicicleta
"Pedalo todo dia. Vamos ter que tomar banho estilo indiano, você sabe como é? No balde. Pega uma canequinha, lava o importante, e a vida segue. É bom passar esses perrengues para repensar nosso consumo."

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FERNANDO MEIRELLES, cineasta responsável por filmes como "Ensaio Sobre a Cegueira" e "Cidade de Deus"
"Enquanto forem só cinco dias sem água está sob controle. O bicho pegará quando secar tudo, em setembro. O pior é que, como o consumo é maior que as chuvas, a situação vai se estender por anos a fio. Meu plano B, quando secar, é me mudar para Ibiúna até a represa de lá secar também. Depois, quem sabe Dubai, onde fabricam água e não há risco."

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LUIS BOLOGNESI, cineasta e roteirista de filmes como "Uma História de Amor e Fúria"
"Se acontecer esse rodízio, pretendo tomar banho dia sim, dia não, comprar água mineral, recolher água da chuva em tonéis plásticos e reutilizar a água do banho e da máquina de lavar na privada, na limpeza e nas plantas. Pensar que São Paulo já foi um corredor de montanhas com corredeiras entre dois minipantanais me faz pensar em como somos burros."

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STELA GOLDENSTEIN, diretora-executiva da Associação Águas Claras do Rio Pinheiros
"A primeira coisa é pensar que essa crise indica que vamos ter que mudar nossos hábitos para sempre. Água não é um bem com a disponibilidade que acreditávamos que tínhamos. Passado a crise, vai ser necessário manter uma postura de muito cuidado com a água. Para o rodízio, é muito importante ter caixa d'água. Com a redução da pressão, quem não tem caixa d'água não consegue estocar. Existe água de qualidades diferentes, dependendo do uso que você vai fazer. Água de cisterna, colhida de chuva. Se ela já passou pelo telhado, você pode desprezar, depois pode usar para o banho, para lavar roupa, regar planta. Só vale a pena comprar água para beber, cozinhar. No caso do caminhão pipa, é preciso saber se é de uma fonte registrada e autorizada. Existem fontes clandestina, que não têm controle da qualidade."

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CARLOS CAREQA, cantor e compositor
"Dizem que em Sampa a água vai faltar
Dois dias de banho e cinco sem se lavar
Vou guardar minha urina, não vou usar latrina
O suor que escorrer na panela vou ferver

Nos dias com água vou me esbaldar
Sexo, Carro, Calçada, Piscina e Ofurô
Cinco dias na seca, não consigo aguentar
Sou Paulistano Egoísta, nem aí se ela faltar!

Se o Tietê fosse bem tratado como já ouvi falar
A água que São Paulo joga fora pra torneira ia voltar
Mas tudo é uma balela, e agora no esgoto vamos chafurdar!"

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FERNANDO CACHALDORA, sócio do restaurante Casinha Mineira
"Terei de estar preparado para chamar um caminhão-pipa, galões e mais galões de 20 litros de água mineral para o preparo da comida, usar o máximo possível de descartáveis. O pior é que, com o aumento do custo que tudo isso vai gerar, talvez tenha que repassar parte para o cliente. Lamentável!"

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PADRE DERVILE ALONSO, Paróquia Nossa Senhora de Lurdes, na Água Rasa
"[O rodízio] vai afetar bastante porque nós temos uma creche, as 220 crianças vão ficar sem água. É um absurdo o que está acontecendo. É uma gestão que privatizou a Sabesp. Não sabemos ainda o que fazer com a creche. É impossível captar água da chuva para dar para as crianças. Gostaria que o governador se manifestasse. E não vale culpar são Pedro pela falta de chuvas. É revoltante a situação que o governo do Estado criou."

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MAURÍCIO RIBEIRO LOPES, promotor de Habitação e Urbanismo de São Paulo
"Vou me valer da minha experiência de tracking (caminhadas ao ar livre). Consigo tomar banho com um copo d'água, usando um lenço umedecido. Tenho vocação para camelo, consigo ficar três dias sem tomar água. Eu não vou passar aperto. Vai acontecer o quê? A cidade vai ficar fechada? Não, né. A crise é uma oportunidade para as pessoas mudarem seus hábitos de consumo."

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LUÍSA ZIMMER RITTER, artista plástica
"Nos meus pensamentos, e imagino que no de outros, o que vem à mente é o que não faremos nesses cinco dias sem água. Mas é preciso manter o foco, seguir nossos trabalhos. Não deixar que isso mude o nosso comportamento é impossível. Com água armazenada desses dois dias, teremos que calcular as necessidades básicas para os outros cinco dias. É uma experiência que ninguém deveria passar. Mas tantos lugares no mundo sofrem muito mais. Quem ainda não entendeu o valor da vida talvez entenda quando essa escassez for uma realidade."

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FERRÉZ, escritor e educador
"Toda a rotina de quem mora na periferia foi afetada. As favelas já estão sem água há muito tempo. Aqui o racionamento começou faz meses. Como as pessoas têm caixas d'água menores, é mais triste, mais drástico. É onde realmente a coisa aperta, vira uma questão de higiene, de futuros focos de doenças -semanas atrás, toda uma comunidade da favela Santiago teve um surto de virose. Alguns dizem que veio pela água, e dezenas de crianças ficaram doentes. Foi horrível."

Editoria de arte/Editoria de arte

(COLABORARAM ALESSANDRA BALLES, ANA ELISA FARIA, BRUNO B. SORAGGI, INGRID FAGUNDEZ, NATÁLIA ALBERTONI, TATIANA BABADOBULOS e VANESSA CORREA)

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