Saiba quais são as bactérias mais comuns em SP e como se proteger

Felipe Gabriel/Folhapress
Marcela Santos Rocha, 5, brinca no parquinho infantil do Ibirapuera, local com a maior incidência de bactérias entre os 13 locais analisados por pesquisa feita a pedido da revista
Marcela Santos, 5, brinca no Ibirapuera, local com a maior incidência de bactérias entre os analisados

Os humanos convivem com as bactérias desde o início de sua existência, há pelo menos 200 mil anos. Elas são parceiras na produção de alimentos, na flora intestinal e ainda ajudam no equilíbrio do meio ambiente. Mas também causam doenças. E são invisíveis.

Para entender um pouco mais desse mundo que quase ninguém vê, a pedido da sãopaulo, a empresa Neoprospecta, que atua em hospitais como o HCor, realizou uma pesquisa. Durante dois dias, em horários sortidos, colheu 58 amostras divididas em 13 locais públicos de alto fluxo de pessoas. Um dos resultados curiosos é que um dos parquinhos infantis do parque Ibirapuera possui mais bactérias que a cracolândia.

Os paulistanos convivem com 2.854 espécies de bactérias ao passar por esses 13 lugares. Apesar da alta quantidade, apenas 198 desses tipos encontrados são patogênicos —que podem causar infecções.

Na maior parte do tempo, a relação é harmoniosa. Dentro do corpo humano existem dez vezes mais bactérias do que células, por exemplo. O problema só aparece quando a imunidade da pessoa está debilitada, quando a disseminação ocorre em ambiente hospitalar, ou simplesmente quando o corpo está propenso à determinada infecção.

"A quantidade não é relevante. E também não é surpreendente encontrarmos esses micro-organismos nesses lugares. Ainda mais onde milhares de pessoas colocam a mão e em locais onde a limpeza é raridade", explica Caio Rosenthal, infectologista do Emílio Ribas e membro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo).

O parque infantil do Ibirapuera (portão 6) foi o campeão em quantidade de bactérias —foram encontradas 141.000 sequências de DNA bacteriano (veja explicação abaixo). Pode parecer surpreendente que a cracolândia não esteja no começo da lista, com apenas 2.587 sequências, mas há explicação.

"Acredito que seja assim porque as crianças vomitam, babam, comem terra, se beijam e se abraçam. Isso contribui para que mais bactérias sejam disseminadas no local. Na cracolândia, eu apostaria na presença de mais vírus, como o HIV e as hepatites", explica Artur Timerman, infectologista do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos e do Albert Einstein.

Juliana Palma, 37, é médica e leva com frequência a filha, Gabriela, 2, para brincar num dos parquinhos infantis do Ibirapuera. "Eu já imaginava que poderia ser assim. É comum as mães trazerem os cachorros com os filhos nos finais de semana. Elas colocam os bichos em cima dos brinquedos e deixam eles fazerem cocô." Ela diz que gostaria que os pontos para lavar as mãos fossem mais espalhados pelo Ibirapuera e mais próximos dos parquinhos. "Às vezes precisamos caminhar muito para encontrar um local para limpar as crianças", afirma a médica.

Felipe Gabriel/Folhapress
Gabriela de Holanda, 2, brinca no parque Ibirapuera com a mãe, Juliana Palma, 37
Gabriela de Holanda, 2, brinca no parque Ibirapuera com a mãe, Juliana Palma, 37

Durante as férias, a advogada Maria Carolina Durso, 36, acompanhava a afilhada, Marcela, 5. "As crianças rolam no chão, lambem a terra, colocam a mão dentro do pacote de salgadinho e comem", conta.

"Criança é assim. E é bom que seja. O importante é evitar que espalhem as doenças por aí", avalia Timerman, do Einstein. A solução dos médicos para diminuir a disseminação é simples: lavar as mãos. Elas são o vetor das bactérias. O espaço é aberto para a ação dos micro-organismos quando, sem notar, as mãos são levadas à boca e aos olhos.

Também no Ibirapuera, não foram encontradas muitas bactérias na água do bebedouro —a maioria está na parte metálica.

GRAVES

Entre as bactérias encontradas nos lugares pesquisados, está a Streptococcus pneumoniae, causadora da pneumonia. Todos os lugares apresentaram uma quantidade, às vezes mínima, desta que também é chamada de pneumococo.

Rosenthal e Timerman acharam curioso essa bactéria ser encontrada no verão, já que ela geralmente aparece no inverno. "Se você está gripado e entra em contato com o pneumococo, a chance [de se infectar] é enorme", explica Timerman.

O terminal de ônibus Parque Dom Pedro (centro) foi o local com maior incidência de pneumococo —mas isso não significa que há um surto.

A outra bactéria que causa uma infecção grave é a Neisseria meningitidis. As amostras do guichê da linha 2-verde do Metrô, dos sanitários femininos do parque Ibirapuera e dos botões dos caixas eletrônicos do Mercadão continham essa bactéria, causadora da meningite. "Se você examinar várias pessoas pela rua, provavelmente irá encontrar diversos portadores", diz Rosenthal. Mas nem todas desenvolverão a doença, e a bactéria só ficará "incubada".

Em maior quantidade, como é normal em qualquer cidade, as enterobactérias, comuns no intestino, apareceram em todas as amostras.

"Há muita contaminação fecal. Isso mostra a deficiência do tratamento de esgoto da cidade", explica Timerman.

A RESISTÊNCIA

Por diferentes motivos, incluindo a própria evolução natural dos micro-organismos, as bactérias desenvolvem os chamados genes de resistência. Elas surgiram no planeta há cerca de 3,5 bilhões de anos. O ambiente era hostil: temperaturas altíssimas, radiações ultravioleta e cósmicas, tempestades e falta de nutrientes. E assim começou a existência das bactérias "bombadas", aquelas que conseguem ir contra o que pode destruí-las.

De acordo com o infectologista do HCor (Hospital do Coração) Pedro Mathiasi Neto, mais importante do que a frequência das bactérias nos ambientes, são os genes de resistência encontrados nelas.

Esses genes bacterianos causam um principal problema: aumentam a dificuldade para o tratamento de doenças. Dois deles estavam circulando nos ambientes públicos pesquisados: o primeiro, o OXA-23, estava presente em bactérias do gênero Acinetobacter; o outro, MecA, em Staphylococcus. Eles estavam nos terminais Parque Dom Pedro e no Rodoviário Tietê, parques Ibirapuera e Buenos Aires e no Mercadão.

"O OXA-23 é muito importante nos hospitais. Ele faz com que essa bactéria seja uma das mais difíceis de serem tratadas. Acabamos usando antibióticos muito mais potentes, ou receitando a associação de dois antibióticos diferentes. É um gene que traz um dos problemas terapêuticos mais importantes hoje em dia", afirma Timerman, do Einstein.

Atualmente, o uso desenfreado de antibióticos é um dos fatores mais apontados como responsáveis pela aparição desses genes. Outro ponto, segundo os médicos, é que a população ingere carnes que já possuem esses antibióticos.

"Os animais são tratados com antibiótico para engordar. As galinhas estão cheias deles. E esse é um fator mundial, não é exclusividade de São Paulo", avalia Timerman.

Segundo os especialistas, antigamente, os genes de resistência eram mais encontrados em ambiente hospitalar. Nos últimos anos, locais públicos também são muito afetados.

Timerman explica: "Sempre ficamos atentos aos frequentadores assíduos do hospital. Se eles aparecem com uma infecção, pode ser mais difícil realizar um tratamento. Mas se esses genes de resistência já estão fora do ambiente hospitalar, a lógica se inverte, porque todos podem estar doentes devido a bactérias mais resistentes".

Procurados, os administradores dos lugares pesquisados informaram que a frequência de limpeza é regular, com lavagem e a varrição diária. A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo informou, por nota, que a areia dos parquinhos infantis dos parques Ibirapuera e Buenos Aires será substituída nas próximas semanas.

POR FAVOR, LAVE AS MÃOS

Não é preciso ficar paranoico para se proteger. Os médicos explicam que uma boa lavagem das mãos já reduz muito os riscos. Se não tiver água, o álcool em gel poderá ser usado.

Todos os médicos entrevistados para esta reportagem fizeram essa recomendação, coro engrossado pelo Ministério da Saúde e a OMS (Organização Mundial da Saúde).

"A mão é pior que o sapato, porque o sapato está longe da boca", afirma Caio Rosenthal.

Isso também vale, principalmente, para os profissionais da saúde. Segundo cartilha divulgada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), os médicos devem aderir à prática com muito mais frequência por estar em contato direto e frequente com as enfermidades.

O texto propõe que eles lavem as mãos antes e depois do contato com os pacientes, após a remoção das luvas, antes de manusear instrumentos invasivos, ao trocar de local e após o contato com objetos externos.

Em 2010, o Cremesp e o Ministério Público Estadual analisaram 65 hospitais públicos e 93 privados da capital. Em 28,1% deles não havia uma pia para lavar as mãos nos locais próximos aos consultórios.

O celular também é um vilão, principalmente nas UTIs.

"Os aparelhos nunca são limpos. O médico coloca na mesa, onde os pacientes colocam as mãos, e depois leva até a boca. Além disso, as pessoas carregam ele para todos os lugares", diz Rosenthal.

ÁLCOOL EM GEL E SABÃO LÍQUIDO

  • Lave as mãos com sabão líquido e água, antes e depois de ir ao banheiro ou quando mexer em objetos que não são limpos há muito tempo
  • Quando não houver água, use álcool em gel
  • Opte pelo álcool em gel com 70% de álcool e 30% de água quando estiver na rua e ao sair de ambientes de alto fluxo
  • Não é preciso utilizar em grande quantidade: um pouco na palma da mão é suficiente
  • Sabonetes bactericidas funcionam apenas com algumas espécies e a eficiência depende da marca. Na maior parte das vezes, os líquidos comuns acabam cumprindo a mesma função
  • O sabão em barra não é recomendado, já que acaba acumulando as bactérias lavagem após lavagem
  • Evite compartilhar toalhas de pano e, se possível, use descartáveis

ENTENDA MELHOR OS TERMOS

Bactérias patogênicas
Podem causar doenças infecciosas em pessoas com a saúde debilitada ou com o sistema imunológico comprometido, não apresentando necessariamente risco aos indivíduos saudáveis.

Gene de resistência
O gene é o que identifica as bactérias. Um gene de resistência possui mecanismos diferentes que tornam as bactérias resistentes à uma classe determinada de antibióticos. Ou seja: fica mais difícil tratar determinadas doenças

Sequência de DNA
Esta tecnologia utilizada para a identificação do tipo e da quantidade de bactérias descreve uma sequência de DNA das amostras. Aparecer uma sequência não é igual a existir uma bactéria. Mas, consequentemente, quanto mais sequências encontradas, mais bactérias estarão no local

Acinetobacter
Estão amplamente distribuídas na natureza, sendo capazes de sobreviver em diversas superfícies. Diferentes espécies persistem em ambientes hospitalares e causam infecções graves que ameaçam a vida de pacientes imunocomprometidos.

Pseudomonas
Também são encontradas na natureza, sendo capazes de sobreviver em diversas superfícies. Comumente causam pneumonias em ambiente hospitalar.

Enterobacter
São bactérias encontradas em água doce, solos, esgotos, vegetais, animais e fezes humanas. Algumas delas são agentes patogênicos oportunistas e podem provocar infecções em ferimentos e infecções urinárias.

Staphylococcus
Feridas e aberturas na pele, pacientes em estados de debilidade e operações cirúrgicas favorecem infecções causadas por esses micro-organismos. São encontrados na pele de todas as pessoas.

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