Peça encenada dentro de ônibus já foi parada pela polícia; leia entrevista

Não tem aperto nem empurra-empurra no ônibus da Trupe Sinhá Zózima. Todo decorado, o veículo serve de palco para o espetáculo "Dentro É Lugar Longe", que terá a última sessão na terça (24), às 20h.

Elenco e plateia se encontram no Terminal Parque Dom Pedro 2º (centro de São Paulo), onde a viagem de cerca de 80 minutos começa —passando por locais como as praças Júlio Prestes e Ramos de Azevedo.

Criado com base nas experiências dos próprios atores, o texto, escrito por Rudinei Borges, fala sobre malas cheias e vazias, chegadas e partidas.

No elenco estão Alessandra Della Santa, Junior Docini, Maria Alencar, Priscila Reis e Tatiane Lustoza.

O diretor e cofundador da companhia, Anderson Maurício, diz que a peculiaridade da encenação e a proximidade com o público fazem surgir imprevistos, como abraços e conversas. "E já fomos parados por policiais por causa de uma cena de briga entre os personagens", conta.

Em março, a trupe receberá um grupo de teatro por semana para embarcar no ônibus, dentro do projeto "Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro!".

Abaixo, leia a entrevista com o diretor.

Informe-se sobre o evento

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ENTREVISTA COM ANDERSON MAURÍCIO

sãopaulo - Qual a principal dificuldade em fazer uma peça dentro de um ônibus?
Anderson Maurício - Por ser um espaço tão peculiar e distante das artes, enfrentamos inúmeras dificuldades para fazer com que as pessoas compreendam a importância politica, social e cultural do nosso trabalho de pesquisa. Precisamos sempre reinventar os mecanismos necessários para se concretizar ações artísticas, desde repensar as dramaturgias que compõem o espetáculo até as outras formas de produção, comunicação e circulação.

Já teve alguma história engraçada ou diferente que aconteceu durante alguma sessão?
Por estarmos muito próximo do público e criarmos um lugar intimista, já tivemos abraços, conversas, interferência e tentativas de mudanças do roteiro. Já fomos parados por policiais durante uma apresentação, por conta de uma cena de briga entre os personagens. Em "Cordel do Amor sem Fim", espetáculo do nosso repertório (dramaturgia de Claúdia Barral), em um determinado momento é feita a leitura de uma carta de amor, e, certa vez, uma pessoa nos pediu para ler uma carta que tinha um pedido de noivado. E esse pedido aconteceu no nosso ônibus!

Já pegaram trânsito inesperado?
Já fizemos mais de 500 apresentações e sempre terminamos no local desejado, pois criamos um roteiro que interfere na dramaturgia do espetáculo. Combinamos com o motorista todas as ações e as possibilidades do espetáculo. Mas, uma vez, pegamos um trânsito que não conseguimos sequer fazer a metade do trajeto. Era Natal e nosso roteiro passava na avenida Paulista, que estava lotada de carros. Após o espetáculo, explicamos tudo para o público e, enquanto não chegávamos ao ponto final, aproveitamos para conversar com os passageiros.

É um ônibus exclusivo só para a peça? Ele fica decorado permanentemente?
Sim. Ele assume as características necessárias e a cenografia de acordo com as ações da Trupe Sinhá Zózima. Temos alguns espetáculos em nosso repertório, além da ação "Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro!", em que convidamos grupos de outras linguagens para experimentarem nosso ônibus como espaço de encontro das artes com trabalhadores/passeiros do Terminal Parque Dom Pedro 2º. Além de usarmos nosso ônibus, também buscamos a interação com as outras áreas do terminal. E, neste ano, estamos em processo de montagem de um novo espetáculo que tem como objetivo ser encenado em um ônibus de linha convencional que parte do Terminal Urbano Parque Dom Pedro 2º em direção à Cidade Tiradentes.

Por que vale a pena embarcar neste ônibus?
Este ônibus nos permite viajar por lugares que são preciosos para todo nós. Podemos reclassificar o ônibus como lugar de encontro, proporcionar
uma experiência única de assistir a um espetáculo teatral em movimento, tendo a cidade como cenário —que em determinados momentos dialoga com a cena e em outros estabelece um contraponto provocando um estranhamento. Podemos perceber a potência do ônibus urbano como espaço cênico. Vale a pena embarcar na possibilidade de humanização do transporte público, na possibilidade de transformação das relações que este espaço produz e que precisa ser olhada com afeto.

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