Diretor do filme 'Sr. Kaplan' fala sobre velhice e esquecimento; leia entrevista

Jacobo (Héctor Noguera) tem 76 anos e é, ao mesmo tempo, um senhor ranzinza e cheio de humor. Judeu, nasceu na Polônia, mas vive desde menino no Uruguai, destino escolhido para se refugiar da Segunda Guerra Mundial.

Entediado com a ociosidade da velhice, o homem, que vem a ser o personagem central de "Sr. Kaplan", que estreou na quinta (26), decide fazer algo memorável.

Na comédia dramática, o protagonista é assombrado por uma lembrança da infância. Ainda na Europa, seus pais disseram que ele seria alguém muito especial para o mundo. Agora um idoso, Jacobo quer realizar sua missão.

Assim, toma conhecimento de que um ex-oficial nazista mora numa praia perto de Montevidéu e monta um plano para pegá-lo e levá-lo a Israel.

O sr. Kaplan, no entanto, não enxerga mais tão bem e, por isso, fica impedido de dirigir. É aí que entra em cena o seu parceiro: Contreras (Néstor Guzzini), um ex-policial um bocado atrapalhado que fica incumbido de levar Jacobo a qualquer parte.

Dirigido pelo uruguaio Álvaro Brechner (leia entrevista abaixo), o longa, baseado no livro "El Salmo de Kaplan", de Marco Schwartz, trata de apresentar uma figura doce, mesmo que às vezes se faça amarga. Um sujeito parecido com o simpático velhinho da animação "Up - Altas Aventuras". E ele até tem o seu próprio Russell.

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LEIA A ENTREVISTA COM O DIRETOR ÁLVARO BRECHNER, 38

Histórias sobre o Holocausto te inspiram de alguma maneira?
Não quis fazer um filme a respeito do nazismo, mas uma obra sobre um tema atual. A vida de um senhor que sente que viveu uma vida "não vivida" e decide sair em busca de uma aventura que dê sentido a sua passagem pela Terra.

Por que envelhecer é tão custoso para Jacobo?
Porque sua trajetória foi marcada por um equívoco. Quando criança, disseram que Jacobo seria muito especial e inspiraria a humanidade. E ele acreditou. Agora, com 76 anos, quer saber se sua vida fez diferença. Para piorar, Jacobo se compara a homens que marcaram o mundo e frente aos quais ele nunca poderá se equiparar.

O Uruguai é conhecido por sua grande população idosa. Há muitos Jacobos em seu país?
Acho que todos somos esquecíveis. G. K. Chesterton [escritor, jornalista e filósofo britânico] tem uma frase que diz: "A coisa mais extraordinária é o homem ordinário, com sua mulher ordinária e seus filhos ordinários". Creio que, assim como Jacobo, nós também entendemos mal o conceito de sermos especiais.

Como foi seu primeiro contato com "El Salmo de Kaplan", livro que inspirou o filme?
Eu estava trabalhando com certas ideias que tinham a ver com a história do meu avô, que emigrou da Polônia para o Uruguai um ano antes da Segunda Guerra Mundial. Um dia fui visitar o povoado onde ele nasceu e quando voltei quis fazer um projeto que de alguma forma servisse de homenagem a essa geração de imigrantes que deixaram suas vidas, tomaram um barco mesmo sabendo que nunca mais voltariam a ver seus familiares e foram recebidos na América do Sul, onde tiveram que começar do zero e se reinventar. Falei sobre isso com uma amiga e ela me recomendou a leitura do livro do Marco [Schwartz].

Como se deu a coprodução entre Uruguai, Alemanha e Espanha?
De forma muito natural. Sou uruguaio, embora viva com um pé em meu país e o outro na Espanha. A história de "Sr. Kaplan" se passa em Montevidéu e, por isso, 100% das filmagens aconteceram no Uruguai. A produtora Mariana Secco se encarregou de tudo. A Espanha participou com uma equipe humana muito importante. Muitos deles já haviam trabalhado no meu primeiro filme, "Mal Día para Pescar" [2009]. Contamos com a Alemanha por meio da Razor Film Produktion e, por causa do roteiro, necessitávamos também de um ator alemão. Há vezes em que as coproduções exigem que paguemos certos preços que de alguma forma podem comprometer o resultado artístico da obra, mas no meu caso nunca foi assim, pelo contrário, sinto que de alguma maneira esse trabalho em conjunto enriqueceu o produto por oferecer uma perspectiva distinta.

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