Lousa com poema em armênio envolve alunos de letras da USP em mistério

Marina Rangel/Estudante
Foto tirada em lousa de sala na FFLCH, na Cidade Universitária, mostra poema escrito em armênio e ilustrado por aluno
Poema de autoria misteriosa escrito em armênio causou rebuliço entre alunos da FFLCH, na USP

"Pessoa misteriosa do armênio. Por favor identifique-se." O pedido, feito na quarta (11) em um grupo de Facebook da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, acompanhava a foto acima, de uma lousa em uma sala de aula da Cidade Universitária, zona oeste de São Paulo, onde é lecionada a língua da Armênia.

Daí em diante foram, até o fechamento deste texto, 3.749 "curtidas", 90 compartilhamentos e muito mistério sobre o autor cujas palavras e caligrafia impecável comoveram o entorno. "Quem puder compartilhar a foto para ajudar a encontrar essa pessoa ou souber quem é, por favor deixe nos comentários", continuava, na mensagem, a aluna Ingrid Orlandini.

Vista por um forasteiro, leigo ou desavisado, a imagem pode sugerir algo saído de um livro do Dan Brown, como palavras secretas para adentrar os domínios obscuros de uma seita guardiã de um segredo antigo capaz de alterar para sempre a história da humanidade como a conhecemos (ao melhor estilo "Código Da Vinci"). Mas não é o caso. Trata-se de poesia pura –e linda, segundo quem entende o idioma.

"Realmente tem beleza tanto no conteúdo quanto na estética", afirma Lusine Yeghiazaryan, 40, professora de armênio na Universidade de São Paulo desde 2003 e natural daquele país. "O nome do poema, como foi colocado, é uma palavra que inexiste, mas que qualquer armênio entenderia. É uma composição, como se você juntasse duas palavras em uma. Para fazer isso você tem que ter um domínio ótimo da língua", analisa.

"Quando me mostraram eu fiquei perplexa. Já trabalhei no consulado e sou muito ativa na comunidade [armênia]. Conheço o potencial, não sabia quem poderia ser. Queria saber. Falei se não tinha um site para perguntar pro pessoal. Aí ela [Ingrid] botou no Facebook e virou viral. De lá os armênios postaram para os grupos armênios no Brasil. Eles adoraram", diz.

Ainda sem resposta sobre a identidade secreta do poeta misterioso, Lusine conta ter procurado por aqueles versos em bases de dados de literatura. "Achei que poderia ser algum poema conhecido que eu desconhecia. Algum trecho lindo de alguma coisa... Como eu não sabia? Sou professora da USP, que vergonha", brinca. Mas não achou nada.

Até que recorreu ao Google. "Aí apareceu a imagem do poema. E o título desse mesmo poema estilizado. Falei: 'Não acredito! Será que foi ele mesmo que fez? Liguei e perguntei se tinha sido". Ele assumiu a autoria. Antes de o Brasil saber que fim levaria o comendador José Alfredo e seu "Império", o mistério das estrofes tinha chegado ao fim.

ALERTA SPOILER

Por "ele", a professora se refere a Alexandre Hamada Possi, 27, também aluno do curso de letras. Segundo o próprio, a imagem que causou rebuliço foi feita em um horário vago entre sua aula da manhã e uma reunião ao meio-dia de terça (10).

"Sempre que eu tenho que passar um tempo livre na faculdade, como naquele dia, eu gosto de ficar desenhando na lousa. Eu gosto muito de desenhar", explica Possi, que mantém uma página no site de hospedagem de fotos Flickr, onde diz ter colocado uma imagem semelhante e com a mesma poesia.

"É um poema que eu fiz já faz um tempo, para memorizar os tempos verbais do armênio. Para exercitar mesmo", diz. "Eu até ia comentar [no Facebook], falar que eu era o autor e agradecer. Mas não era membro do grupo [virtual], então não conseguia comentar."

Ele garante que não esperava nada disso e que chegou a ficar intimidado tamanha a repercussão. "Foi uma coincidência", analisa o jovem que, descendente de japonês e italiano, de armênio não tem nada além do grande interesse –esta língua que o fez mudar do curso de filosofia para o de letras.

"Mas se isso tudo ajudar a propagar o armênio pode ser bem legal. Foi isso que motivou a me revelar, a falar com você [reportagem]. Ainda mais nesse ano de 2015, que completa o centenário do genocídio armênio", afirma, referindo-se ao episódio histórico em que milhões de pessoas daquela nacionalidade foram mortas pelo Império Otomano.

*

Veja a tradução (abaixo) feita por Sarkis Ampar Sarkissan no grupo da FFLCH no Facebook, onde o poema virou o assunto da semana.

"Mas já apagaram [da lousa]. Que pena. Que crime contra a estética!", diverte-se a professora Lusine Yeghiazaryan

A CHUVA DE SOL
Um choro jogado do sol
Trazendo sua fria água dourada
De repente, chegou resplandecente.

Era perfeito o brilho da chuva
Cantando uma canção muda para mim
Limpou minha cinza em chamas.

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