Filha de Glauber Rocha, a cantora Ava Rocha lança disco de experimentação

Alternando o timbre da voz, Ava Rocha, 36, pinta o retrato de uma mulher de costas para o mar usando poucas palavras. Em seu segundo trabalho, "Ava Patrya Yndia Yracema" (seu nome de batismo), a artista também fala de dilemas universais, como a busca de um grande amor, e cria cenas surrealistas. O álbum em março é a base do show que ela mostra no Serralheria, na terça (23).

"A minha voz é versátil. Não a vejo como ferramenta, mas canal, ponte e desembocadura. Instrumento de transmissão. Cada música é um lugar diferente. O meu canto está a serviço disso", conta Ava.

A intenção de experimentar reflete também a sonoridade do conjunto de 12 músicas, que não seguem um mesmo gênero.

Ana Alexandrino/Divulgação
Ava Rocha, filha de Glauber Rocha, apresenta segundo álbum
Ava Rocha, filha de Glauber Rocha, apresenta segundo álbum

O rumo muda a cada faixa, ou até mesmo em uma única canção. É o caso de "Boca do Céu", a primeira do CD. Começa com uma espécie de trava língua, se transforma em um rock e, depois, em uma série de ruídos distorcidos —como possíveis sequências de um filme.

"O disco reflete caminhos. É quase uma montagem dialética só que a partir do som", explica a cantora. O desejo é chegar ao coração, à alma, traduzir sentimentos internos que são comuns a todos, segundo ela.

As letras abordam temas como desejo ("O Jardim"), política ("Auto das Bacantes") e maternidade ("Uma"). Apesar de não serem traduções fiéis de experiências pessoais —tanto que metade das canções é de outros autores, como Negro Léo, seu marido— as composições expressam a relação da artista com o mundo.

"Tem coisas que vivi na pele e outras das quais eu posso me apoderar para falar". Exemplifica: "'Tão Tão' eu fiz para o Léo, olhando para ele. 'Transeunte Coração' é uma ficção, mas passa um sentimento que também carrego enquanto mulher", diz.

Sua capacidade de alterar o tom de voz de verso em verso já rendeu comparações a nomes como Gal Costa e Cássia Eller. Para alguns, a introdução de "Boca do Céu" pode lembrar "Perdão Você", de Marisa Monte. Já "Transeunte Coração", quase narrada, Arnaldo Antunes.

"A gente escuta tanta coisa. Se você viu eles aí, eles devem estar. As influências perpassam mil gêneros e épocas. Tem cinema, tem Brasil, tem América Latina, música indígena, negra, tem Negro Léo, Jards Macalé. É muita memória junta. Tem coisas que eu nem sei, que as pessoas sentem", reflete.

OUÇA "VOCÊ NÃO VAI PASSAR"

"Você Não Vai Passar"

As inspirações são muitas e até de outras áreas, além da música. O trecho "Eu vi uma intensa luz no ar/ Cortando como uma faca a vista/Ela pequena amarela", de "Uma", é uma referência a Luis Buñuel, por exemplo.

A mistura tem a ver com o seu processo criativo. "Tem a ver com alquimia, com o meu cotidiano. Uma relação de experimentar, misturar elementos. Pode ser mais samba, mais doce mais salgado. Sou assim na música, no cinema, na cozinha", conta.

Ao mesmo tempo em que sua mente parece um turbilhão —Ava já está debruçada no terceiro disco—, Ava transmite serenidade a cada resposta. "Não sou nem muito calma, nem muito ansiosa (risos). Tenho um lado bem zen, mas tenho outro nada zen. Medito. Faço tudo e não faço nada (risos). Estou buscando cada vez mais estar em harmonia. Não é que eu não tenha meus conflitos, paranoias e loucura. Mas tento antropofagizar tudo isso".

Serralheria Espaço Cultural. R. Guaicurus, 857, Lapa, região oeste, tel. 2592-3923. 180 pessoas. Ter. (23): 21h. 90 min. 18 anos. Ingr.: R$ 30. Ingr. p/ gorockbee.com.

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