Governo desiste de erguer complexo cultural em terreno na região da Luz

O amplo terreno em frente à praça Júlio Prestes, na região central, recebeu a primeira rodoviária da cidade na década de 1960, mais tarde deu lugar a um shopping popular e, no futuro, seria a casa do Complexo Cultural Luz. Não será mais.

Em vez do complexo, que teria um teatro principal com 1.750 lugares e escolas de música e de dança, entram na lista de propostas para a área um condomínio misto e um hospital.

A desistência do governo do Estado de construir o centro cultural é o último capítulo de um plano que nasceu, em 2007, e chega ao fim neste ano depois de uma decisão na Justiça.

Em setembro, o Tribunal de Justiça declarou nulo o contrato firmado entre a Secretaria de Estado da Cultura, na gestão João Sayad (2007-2010), e o escritório suíço Herzog & de Meuron, autor do projeto do complexo.

A raiz das discussões está na forma de contratação dos europeus: sem processo de licitação. O fato passou a ser questionado na Justiça, em 2009, por dez arquitetos. Em uma ação popular, afirmaram que os acordos entre a secretaria e o escritório eram ilegais.

Segundo Manoel Bento, um dos advogados do grupo, a dispensa de licitação pode ocorrer se o "objeto a ser almejado for de natureza singular" e a empresa contratada for a única que possa prestar o serviço solicitado.

"O Herzog & de Meuron jamais projetou a construção de um teatro voltado para a dança. Logo, não se pode dizer que sejam especializados para a realização do projeto."

Na ação, é mencionado que a secretaria convidou, em 2008, quatro escritórios internacionais, além do Herzog, e a maioria deles enviou equipes à capital paulista, em setembro daquele ano, para formular propostas.

Para os advogados do grupo de arquitetos, esse fato "deixa evidente que o contratado não é o único qualificado para prestar os serviços".

Em janeiro de 2011, o juiz Cláudio Antonio Marques da Silva considerou que os argumentos apresentados na ação popular eram insuficientes para ser declarada a ilegalidade do contrato.

Em setembro de 2015, o tema voltou à mesa do tribunal. Desta vez, desembargadores consideraram não haver "elementos que indiquem ter a Herzog qualificativos exclusivos que justificassem sua indicação como única para a realização do complexo".

Na avaliação deles, profissionais nacionais poderiam, sim, cumprir a mesma obra. "E isso é suficiente para impedir a aplicação da notória especialização e dispensa de licitação."

Os desembargadores disseram, ainda, que o alto custo da obra é mais um "fato relevante" que justificava a necessidade de licitação.

Eles declararam o contrato nulo e determinaram que o escritório suíço devolva, com juros e correção, o que recebeu pelo projeto —R$ 39,6 milhões, segundo o último termo divulgado, em 2012, no Diário Oficial. A Secretaria da Cultura não informou se o montante chegou a ser pago.

A Justiça também estabeleceu que o ex-secretário da Cultura João Sayad terá de ressarcir o Estado.

O ex-secretário e os advogados dele disseram à sãopaulo que recorrerão. "A decisão de contratar por notória especialização foi tomada para que tivéssemos um projeto excepcional e de um grande arquiteto internacional", afirma Sayad.

O ex-secretário disse que, à época, a decisão foi aprovada pela Procuradoria do Estado na Secretaria da Cultura e pelo então procurador Carlos Ari Sundfeld.

Os advogados de Sayad disseram que a lei autoriza a contratação sem licitação em casos de projeto singular e quando é necessária a notória especialização. Ou seja, só o executor tem condições para realizar a obra, o que seria o caso do complexo na Luz.

O ex-procurador Carlos Ari Sundfeld examinou o assunto na época a pedido de Sayad. "Não o fiz a título profissional, mas como militante da área da cultura, nem emiti parecer escrito", afirmou. "Não conheço o processo judicial nem o acórdão, mas posso dizer que, pelos elementos do processo administrativo a que tive acesso, fiquei convencido de que a contratação foi realizada seguindo o procedimento correto", completou.

Sócio do Herzog & de Meuron, Ascan Mergenthaler afirmou que o escritório foi selecionado por meio de entrevistas feitas com outros candidatos. "É um processo de seleção estabelecido, internacionalmente e no Brasil."

Ricardo Levy, advogado do escritório suíço, disse que o TJ deve tornar a examinar o assunto nos próximos meses. Se a nulidade do contrato for mantida, a questão poderá ser levada a tribunais superiores, em Brasília.

FUTURO

O debate sobre a legalidade do contrato prosseguirá. Mas no Palácio dos Bandeirantes é certo que o Complexo Cultural Luz não será mais no centro.

A ideia, segundo a sãopaulo apurou, nunca contou com a simpatia do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Com a decisão jurídica, o plano naufragou de vez, pois há o receio de que a briga se estenda em tribunais por anos e a área permaneça desocupada.

Vizinho da Sala São Paulo e da estação da Luz, o terreno está vazio desde a demolição do shopping, em 2010. Arquitetos e urbanistas avaliam que o espaço poderia revitalizar a região.

Oficialmente, a Secretaria da Cultura declara apenas que está suspenso o projeto do complexo e que o governo aguarda o resultado final do processo, pois cabe recurso. Procurada, a Subsecretaria de Comunicação do Estado informou que reafirma a posição da Cultura e acrescentou estudar alternativas para a utilização do terreno.

Enquanto isso, outras secretarias apresentam ao governador propostas para a área. Hoje, há duas na disputa.

"O fator de recuperação urbana mais forte que há no mundo é a moradia", diz o secretário da Habitação, Rodrigo Garcia. "Os equipamentos culturais ajudam, mas têm um limite. Os do centro já alcançaram seu objetivo na revitalização."

Seriam construídas cerca de mil moradias na área. O condomínio teria imóveis residenciais, parte deles destinados a famílias com renda mensal de até R$ 4.000, além de lojas e serviços públicos no térreo dos edifícios.

De acordo com Garcia, seria possível iniciar a obra no prazo de um ano. Tudo se daria por meio de uma parceria público-privada já existente na região central e que conta com apoio da Prefeitura de São Paulo.

A segunda ideia analisada é a construção de um hospital na área. O secretário da Saúde, David Uip, propôs que o Pérola Byington seja transferido da Bela Vista, onde funciona em um prédio alugado a R$ 338 mil por mês, para um imóvel a ser erguido no terreno.

Não se sabe quando o governo decidirá o que será feito na área. Haveria uma tendência de Alckmin, segundo a sãopaulo apurou, ao projeto de habitação.

E o Complexo Cultural da Luz? O espaço seria transferido para outro ponto. Há dois locais na mira: uma área no parque da Juventude, na zona norte, e outra no parque Belém, na região leste.

Quando o projeto sairia do papel no novo endereço, no entanto, ninguém se arrisca a dizer.

Publicidade
Publicidade