Lei de Zoneamento

'Itaquerão não ajudou a desenvolver zona leste', diz especialista em cidades

Diro Blasco/Folhapress
Milton Fontoura, 59, fundador do GEU (Grupo de Estudos Urbanos)
Milton Fontoura, 59, fundador do GEU (Grupo de Estudos Urbanos), em seu escritório em Higienópolis

A nova lei de zoneamento deverá trazer mais transformações para os bairros do centro expandido, como Barra Funda, Mooca e Vila Mariana, do que para o centro e a periferia, na opinião de Milton Fontoura, 59.

Depois de desenvolver carreira no marketing na década de 1980, Fontoura passou a usar sua experiência em pesquisas de mercado para analisar a ocupação do território paulistano. Sua empresa, a GEU (Grupo de Estudos Urbanos), criada há 20 anos, ajuda outras companhias a posicionar seus negócios no mapa da cidade.

A nova lei de zoneamento, que prevê o adensamento de áreas com boa oferta de transporte e estímulos para empresas migrarem para a periferia, foi aprovada em primeira votação em dezembro e deve ser votada novamente pela Câmara em fevereiro. Confira abaixo trechos da entrevista realizada na sede da GEU, em Higienópolis.

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O novo zoneamento deve aumentar a atração sobre algum bairro de SP?
Quanto mais próximo da infraestrutura, mais interessante é o endereço. Vejo muitos bairros do centro expandido, como Barra Funda e Mooca, com potencial de requalificação, pois possuem boa infraestrutura e glebas maiores. No centro é mais difícil, porque as propriedades são mais complexas. Os imóveis são mais antigos e tem unidades menores. Transformar um quarteirão num único empreendimento é complicado. Também vejo menos oportunidades nas periferias. Elas já foram muito exploradas pelo mercado imobiliário, para atender a população emergente da classe C.

Mas a prefeitura pretende levar mais negócios para a periferia.
Faz sentido, pois a zona leste tem 40% da população e 20% dos empregos, por exemplo. Agora, tem que combinar com os empresários, que precisam entender essa movimentação. Âncoras de atração de negócios são bons provocadores dessa transformação.

Como indústrias?
Temos que desistir de pensar em indústria para São Paulo. A cidade já teve seu ciclo industrial. Existem outras localidades mais apropriadas para essa atividade, que sempre vai ser poluidora e geradora de movimentação de cargas. Eu acentuaria a vocação para serviços e atividades intelectuais. Falo de 'clusters' (polos) de tecnologia, de produção do conhecimento, economia criativa. Uma âncora importante para a zona leste poderia ser um 'cluster' de educação, com cursos voltados para vários níveis socioeconômicos. Isso pode estimular a ocupação residencial mais qualificada e, por extensão, os empregos. Funcionaria melhor do que indústrias. Uma boa tentativa, que ainda não logrou êxito pleno, foi a USP Leste. Precisa haver uma adaptação dos cursos ao perfil da demanda.

O Itaquerão trouxe benefícios?
Eu não enxerguei. Houve especulação imobiliária, produção de imóveis no entorno dele que atenderam à uma época de demanda aquecida. Mas isso não é contínuo. O Itaquerão tem dois, três eventos por mês. Há casos nos EUA e na Europa de arenas que possuem shoppings e escritórios. Elas precisam ter vida, um ambiente que gere fluxo de pessoas.

Moradores se reúnem contra o aumento do comércio nos Jardins. Como avalia esse movimento?
É algo humano. A gente teme o que não conhece. Ninguém quer sair da sua zona de conforto, embora esse conforto já esteja muito pior em termos de mobilidade. O produto final dessa mudança não vai ser tão ameaçador. Nenhum comércio vai se estabelecer onde não há demanda. A densidade em partes do bairro é tão baixa, com tão pouca gente circulando, que não vai ser viável nem abrir uma padaria. Em Higienópolis, quando foi anunciada a construção do shopping, as associações se mobilizaram contra. Hoje o bairro convive plenamente com o shopping, que virou um espaço de encontro.

A proposta de fachada ativa, com prédios com térreo aberto em vez de condomínios com muros, deve atrair compradores?
O paulistano, como qualquer agrupamento social, vai muito em função do efeito manada, do que o vizinho está fazendo. É a oferta que determina a demanda, e não o contrário. Essa onda de condomínio clube caiu nas graças da classe média, mas gerou um paradoxo: quem quer preservar sua segurança vive de maneira mais restrita, entre muros. No centro, há um movimento forte de produção de condomínios mais simples, com custos menores, que são oferecidos a públicos alternativos. O início das transformações das regiões degradadas se dá por esses públicos mais ousados, e aos poucos chegam moradores mais conservadores.

E há interesse em morar em grandes avenidas, como a lei estimula?
Fizemos um estudo sobre moradia na avenida Rebouças e a maioria rejeitou a ideia, porque não consegue ver a nova Rebouças. Fala-se que a avenida é barulhenta e poluída. Ok, mas a Paulista também é, assim como as grandes avenidas de Londres, Paris e Tóquio. Os imóveis precisam se adaptar à essa nova realidade: estar protegidos, com ar condicionado central, janelas antirruído, serviços agregados. Não vai ser o condomínio clube do Morumbi, mas quando fecha a janela, a poluição fica para fora. O importante é que você desça e lá embaixo tenha o supermercado, o metrô.

A crise atrasará as mudanças?
Sem dúvida. Toda essa movimentação será muito mais lenta, o que é desejável, porque as coisas poderão ser adaptadas sem tanta voracidade.

Nova lei de zoneamento

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