'Auxílio-aluguel virou bola de neve', diz secretário municipal de Habitação

Alberto Rocha/Folhapress
Whitaker, 49, assumiu a Secretaria Municipal de Habitação no fim do ano passado
Whitaker, 49, assumiu a Secretaria Municipal de Habitação no fim do ano passado

João Whitaker não tem tempo a perder. À frente da Secretaria Municipal de Habitação há pouco mais de dois meses, ele tem a missão de, no último ano da gestão Fernando Haddad (PT), coordenar a elaboração de um plano de longo prazo para resolver o deficit habitacional da cidade, de meio milhão de moradias, por exigência do Plano Diretor.

Não bastasse a missão ambiciosa, ele ainda precisa perseguir a meta de construção de casas da prefeitura, que, até o momento, concluiu 8.586, tem 19.148 em obras e 18.968 licenciadas (com terrenos reservados para a construção) —ao todo, Haddad prometeu 55 mil.

Whitaker também manterá a rotina de professor de urbanismo na USP, onde orienta trabalhos de pesquisa. Não surpreende, portanto, que ao longo da conversa de 40 minutos por telefone com a reportagem ele tenha repetido mais de uma vez que estava com pressa.

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sãopaulo - Quantas pessoas estão na fila da habitação da prefeitura?
João Whitaker - Há duas listas. Em uma delas, que tem 1,5 milhão de pessoas, qualquer um pode entrar. A segunda, com pessoas que atendem aos critérios, tem 140 mil. O deficit total da cidade é estimado pela Fundação João Pinheiro em torno de 500 mil famílias.

Vê um prazo para o fim do deficit?
Falando como acadêmico e não como secretário, essas previsões são como bolas de cristal. Há um discurso do Guilherme Boulos, correto, de que a bolha especulativa imobiliária fez com que as pessoas não conseguissem mais pagar aluguel e passassem a integrar a demanda do deficit habitacional. Agora, em 2009, quem ia saber que a valorização seria essa? O mercado imobiliário segue tendências internacionais. Valoriza Nova York, Paris, Buenos Aires, valoriza São Paulo.

O que fazer, então?
Para resolver, precisaríamos de políticas continuadas, que durem no mínimo quatro gestões. O grande problema no Brasil é que as novas gestões costumam assumir e parar tudo que foi feito antes. Acho muito importante que a atual gestão não tenha interrompido políticas anteriores, como obras [de urbanização] em Heliópolis e Paraisópolis.

De onde virão os recursos para tentar reverter o deficit?
Por causa da crise, o governo federal deu uma diminuída substancial na verba que vem do Minha Casa, Minha Vida. Mas não podemos ficar dependentes de um programa. A cidade tem condições de buscar alternativas, desde que se faça uma arquitetura financeira para isso.

Como?
Tanto destinar recursos próprios quanto buscar recursos externos. E, eventualmente, fazer acordo com o governo do Estado para receber recursos via CDHU, que utiliza receita do ICMS. A cidade está com a lição de casa feita. Investimos R$ 500 milhões em desapropriação de terrenos para a construção de moradias.

O modelo do Minha Casa, Minha Vida se esgotou?
O programa não secou de vez, mas teremos uma redução em relação à previsão inicial. A cada 'X' anos, há uma mudança na política habitacional do país. Na época do BNH (Banco Nacional de Habitação), o modelo era muito parecido com o do Minha Casa, Minha Vida [baseado em repasses do governo federal]. No governo Erundina (1989-1992), se pegava muito empréstimo no exterior. É aí que o PMH (Plano Municipal de Habitação) ganha importância, para abrir o cardápio de opções.

Qual o prazo para finalizar o PMH?
O mais rápido possível. O plano não pode ser feito só em gabinete, mas talvez não tenhamos tempo de fazer um processo participativo com grandes audiências, que vão juntar dez mil pessoas e 15 mil, 20 mil sugestões. Estamos montando um boneco junto com o Conselho Municipal de Habitação e a ideia é ter uma proposta para ser discutida antes de julho, quando começa o período eleitoral. A discussão pode continuar em dezembro, depois da votação.

Há muito gasto com auxílio-aluguel?
Ele nasceu como uma intenção interessante, para ser algo provisório, só que acabou se tornando uma bola de neve. Hoje, são 30 mil auxílios por mês, o que significa cerca de R$ 130 milhões anuais. Com esse valor, faço mil casas por ano. Mas não posso tirar esse auxílio e fazer mais casas. Para onde essas pessoas vão durante as obras? Há um ciclo de difícil rompimento, mas que precisa ser rompido.

Há planos de criar locação social, modelo em que as pessoas pagam aluguel e moram em prédios públicos?
Estudamos cada vez mais essa alternativa, especialmente em áreas centrais. [No modelo atual], a prefeitura faz um investimento grande para comprar o terreno ou reformar o edifício e transfere o imóvel para o cidadão. Mas, em áreas que sofrem um processo de valorização altíssimo, a tendência é que a médio prazo esse imóvel seja vendido pelo novo dono a preço de mercado, deixando de atender a população mais pobre.

Isso não põe em xeque o sonho da casa própria?
A população às vezes tem medo da locação social porque acha que não terá a segurança de ter a casa para seus filhos e netos. Mas, na verdade, enquanto a pessoa estiver dentro dos critérios, você pode criar segurança jurídica para que ela se mantenha dentro do programa por gerações, como ocorre na Europa.

O que trava a urbanização de favelas e áreas irregulares?
A situação é muito diversa. Há terrenos com sobreposição fundiária, em propriedades do Estado, áreas particulares, com processos jurídicos. Estamos tomando cuidado para retirar pessoas de áreas de risco, uma coisa que a cidade não pode permitir. Há problemas até em conjuntos habitacionais feitos por mutirão no tempo da [Luiza] Erundina, que não foram regularizados ao longo de seis gestões. Esse trabalho é uma das metas em que estamos mais avançados. É difícil, mas realizável.

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