Mulheres cacheadas contam sua saga para recuperar os cachos

Não é nada fácil largar a progressiva para adotar os cachos. Mulheres contam como foi o período de transição.

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Maraísa Fidélis, 23, blogueira

Eu sempre estudei em colégio particular, por dois anos eu fui a única negra da escola. Sempre fui a única negra na sala. Nunca teve ninguém com o cabelo igual ao meu. Na pré-adolescência, eu queria que meu rabo de cavalo balançasse igual ao das meninas que tinham cabelo liso. Ou então, eu queria colocar o cabelo atrás da orelha quando ia tomar água no bebedouro. Parece uma coisa pequena, né? Eu usava o cabelo trançado.

Nessa época, eu fiz permanente afro pela primeira vez, para deixar os cachinhos mais soltos. No colegial, eu comecei a alisar [comprava os cremes alisantes na farmácia].

Maraísa

Na faculdade, eu passei a usar escova todos os dias e o fio já estava bem danificado. Para tentar cachear, eu parei com o alisante e voltei para o relaxamento. E, depois de um tempo, para o permanente.

Em 2013, eu passei o permanente afro duas vezes em menos de um mês e isso fez meu cabelo começar a cair muito. Procurei vários médicos e tomei nutricosméticos até me tocar que era a química. Comecei a cortar as pontas em casa e, em setembro, fui para o Rio e cortei tudo.

Eu fiz a bonita no salão e não chorei, mas quando voltei para casa e encontrei minha mãe, eu chorei muito. Eu estava parecendo meu pai, sem cabelo. Ela até pensou em cortar o cabelo também para me apoiar.

No dia seguinte, eu coloquei a foto com o cabelo curtinho na minha fanpage e escrevi "Vamos ver esse cabelo do jeito que Deus fez". As meninas me ajudaram muito. Elas deram muitas dicas de creme e me apoiaram. Veio a ideia de fazer um diário, todo o mês fazia um vídeo sobre o crescimento.

Eu não sabia como era o meu cabelo natural, sem estar puxado de alguma forma Nem como cuidar dele. Fui aprendendo com as minhas leitoras e sozinha, para saber o que funciona para o meu cabelo crespo, que é tipo quatro.

Agora está mais fácil de aprender a mexer com os cacheados por causa da internet, tem muita gente ensinando. O que as minhas seguidoras mais falam é "eu não sei cuidar do meu cabelo".

É muito mais fácil alisar ou relaxar o cabelo, você acorda e vai para a rua. O crespo dá muito trabalho, mas é meu cabelo.

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FABIANA GOMES, maquiador sênior da M.A.C

Na adolescência, eu fazia umas ondas de um jeito tosco, o cabelo ficava duro de tanto creme. Quando eu descobri o secador e a escova, eu comecei a fazer escova. Eu fiz muita escova.

Tratamento química eu fiz 4 ou 5 na vida, dessas escovas mais agressivas. E eu falo agressivas porque elas detonam o cabelo.

"Eu lutava contra o volume, mas o legal do cabelo cacheado é o volume. Hoje eu vivo pondo a cabeça para baixo, para ele levantar".

Depois que virei maquiadora sênior e comecei a aparecer mais em vídeo e vi que tinha uma diferença entre estar liso e enrolado. O cabelo cacheado, se ele não for bem finalizado, ele fica um pouco loucão no vídeo e na foto, com muito frizz.

Fabiana Gomes

Nessa época eu descobri que o segredo do cabelo cacheado é como e com quem se corta. Além disso, você tem que saber estilizar.

Tem que conhecer e testar vários produtos. Eu usei muito tempo o gel da Paul Mitchell, mas ele começou a deixar o meu cabelo meio seco. Por um tempo, também usei o Small Talks, da TIGI. Recentemente, encontrei um creme nos EUA, o Mixed Chicks, estou amando, por que deixa estilizado e sem o aspecto grudento. Uma amiga foi para Nova York e eu pedi para ela trazer um litro para mim. Ela está grávida e ficou uma fera.

Eu sempre gostei de umas coisas estranhas, sou um pouco excêntrica. Tinha essa questão de cabelo cacheado não poder ter franja, mas eu decidi fazer. Os meus amigos me zoaram muito, falavam que era cabelo de peruca e mandavam fotos de banda de heavy metal.

Ano passado, eu vi algumas modelos com o cabelo como o meu. É curioso que, cada vez mais, as modelos vão para a passarela com o cabelo que ela vieram da rua. É uma beleza mais natural, sem ser muito trabalhada.

No Brasil, tem um desespero pelo liso. Em outros países, as pessoas falam muito, mas muito mesmo, do meu cabelo. Eu acho tão mais fácil fazer o que eu tenho no meu corpo ficar mais bonito do que tentar me encaixar em um padrão que não é meu. As pessoas vão aprendendo isso com a idade. Talvez daqui uns anos, eu esteja com um cabelão, igual ao da Maria Bethânia.

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RAYZA NICÁCIO, blogueira, 23

Eu fiz a minha primeira química quando eu tinha nove anos num salão que a minha mãe frequentava. Era meu aniversário e eu insisti com a minha mãe que precisa fazer alguma com aquele cabelo, era muito volumoso.

O problema é que [esse procedimento] queimou toda a parte da frente do cabelo. Eu passei
toda a infância com esse cabelo espetado na frente.

Quando eu era criança, minhas amigas penteavam o cabelo sozinhas. Minha mãe não teve esse cuidado de me ensinar a cuidar do meu cabelo, era muito cabelo. Eu sentia que não era capaz.

Na adolescência, além de ficar mais baixo por causa da química, eu não deixava secar nunca. Estava sempre molhado ou com muito creme, a ponto de ficar duro. Na época, meu sonho era ter franja lisa e o cabelo chanel.

Rayza Nicácio

No final do colegial, decidi parar de alisar, passar menos creme e deixar o cabelo secar. Daí eu fui fazendo vários penteados, testando, sozinha em casa. Ficava tentando imitar o cabelo da Rihanna e da Beyoncé.

Eu também tentava fazer imitar as [modelos das] caixinhas dos produtos. Nunca venderam um cabelo cacheado dividido no meio, era sempre com cachos definidos e sem a risca. Daí eu passava mais creme no alto da cabeça.

Quando eu parei de alisar, as pessoas me perguntavam o tempo todo como eu estava finalizando o meu cabelo. Daí eu decidi fazer um vídeo e colocar no YouTube. Nessa época, já fazia um ano que eu não alisava. Eu estava em transição sem saber o que era transição.

Acordava cinco hora da manhã para gravar, antes do trabalho. No fim do dia, ia para a escola de informática que a minha tia trabalhava para editar o vídeo.

A minha coragem de dar a cara para bater, de falar que eu me sentia horrível e que me sentia oprimida pela mídia fez muita gente se identificar com os meus vídeos.

Eu não fiz o big chop, eu convivi com ele [o cabelo meio liso/meio crespo] fazendo baby-liss. Fui cortando aos poucos.

Se eu tivesse feito progressiva, talvez eu fizesse o big chop. Eu admiro muito quem faz, mas acho erradíssima a pressão que as pessoas sofrem para fazer o big chop [na internet]. Essa é uma decisão totalmente pessoal. Se você fizer e não gostar, vai saber que foi uma escolha sua. Eu recebo e-mail de muitas meninas dizendo que estão amando o cabelo curtinho, mas muitas também se arrependem.

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Pétala Lopes/Folhapress
(da esq. para dir.) Fernanda Santos, Jaqueline Menezes, Miriam Pimentel e Vivian Barros, cabeleireiras do Beleza Natural
(da esq. para dir.) Fernanda Santos, Jaqueline Menezes, Miriam Pimentel e Vivian Barros, do Beleza Natural

FERNANDA SANTOS, cabeleireira

Comecei a alisar o cabelo ainda criança e fiz progressiva por dois anos. Quando você vai para a praia com progressiva é um problema, porque o cabelo fica horrível.

Cortei o cabelo curtinho para tirar toda a química. Minha mãe disse que eu tinha ficado louca.

Passei o "super-relaxante" só uma vez, depois eu vi que não precisava, mas faço hidratação duas vezes por semana.

Hoje, eu acordo de manhã, molho a cabeça no tanque, para tirar o creme para pentear e reaplico. Se o cabelo não estiver muito amassado, eu só passo óleo.

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*VIVIAN BARROS, 37, gerente do salão

Alisei o cabelo pela primeira vez aos 14 anos por que não tinha outra opção. As pessoas não sabiam cuidar do cabelo crespo.

Meu cabelo era bem lisinho. Já até usei franjinha. Quando eu soube sobre o Beleza Natural, fui para o Rio de Janeiro para conhecer. Esperei meu cabelo crescer uns 15 cm para só então cortar –e tirar toda a química. Desde então eu faço o super-relaxante para abrir os cachos.

Só fiz escova para aparecer no book de cortes do salão. Não me reconheço mais de cabelo liso.

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MIRIAM DE OLIVEIRA MATIAS PIMENTEL, 26, cabeleireira

Fiz escova progressiva por dez anos pela praticidade. Como todo mundo elogiava minhas irmãs por causa do cabelo enrolado, decidi parar de alisar e fiquei só na escova e na chapinha.

Nessa época, eu passava chapinha na franja até para ir na padaria. Fritou todo o meu cabelo. Eu fiz o curso profissionalizante de cabeleireiro para aprender a fazer escova em mim mesma.

Depois de uns dois anos eu cortei a parte com química. Meu cabelo agora está todo natural. Fiz luzes recentemente e tive que começar a hidratar três vezes por semana. Hoje, elogiam mais o meu cabelo que o das minhas irmãs (risos).

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JAQUELINE MENEZES, 26, cabeleireira

Quando vim trabalhar no Beleza Natural estava com o cabelo metade crespo, metade liso. Decidi cortar há um ano e meio. Eu não lembrava como era meu cabelo, fiz a primeira química com seis anos.

Era para o meu cabelo estar mais comprido. Eu sempre corto porque eu gosto de usar black.

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