Moderninho e polêmico, Otávio Zarvos renova arquitetura da Vila Madalena

Otávio Zarvos é um homem que gosta de correr. Enquanto treina pelas ruas, geralmente de manhã, presta atenção em terrenos vazios que possam receber mais um de seus projetos de prédios que costumam se destacar entre o padrão de fachadas cinzas e beges da capital.

Ele é dono e criador da Idea! Zarvos, uma das construtoras que ajudou a renovar a arquitetura paulistana com edifícios coloridos, desenhos inovadores, plantas flexíveis e interação maior com a cidade, como jardins abertos ao público e grades recuadas, o oposto do modelo de condomínios com muros altos.

Gabriel Cabral/Editoria de Arte/Folhapress
Arte Capa sãopaulo 13/03
Otávio Zarvos, sob projeção do desenho do edifício Mirá

"As construtoras fazem prédios sempre iguais porque é o que todos sabem fazer. Mas não partiram de um modelo bom: pegaram o mais básico e replicam sem parar", critica Zarvos, em seu escritório na rua Natingui, também erguido pela incorporadora que criou.

Colorido e aberto, com mesas de reunião ao ar livre, o espaço lembra uma livraria moderna. E tem áreas para food trucks na frente. "É uma proposição diferente da que o mercado se acostumou", diz Fernando Serapião, crítico de arquitetura. A receita de Zarvos inclui prédios bem localizados, arquitetos que não necessariamente se dedicavam a prédios e desenhos que privilegiam o conforto dos frequentadores, com espaços abertos, luz natural e jardins generosos. "Embora tenha pequena escala, a proposta da Zarvos impactou bastante o mercado", considera Serapião.

Criada em 2005, a Idea! Zarvos ergueu ao todo 19 prédios e tem mais dez em obras, a maioria na Vila Madalena. Na rua Fidalga, por exemplo, há três deles e, numa quadra ao lado, fica o projeto mais polêmico da empresa, o Mix 422, um paredão de concreto que tem saída para outras duas ruas: Aspicuelta e Fradique Coutinho. "É um elefante cinza", diz Cassio Calazans, 58, presidente da Sociedade de Amigos da Vila Madalena. "Alguns moradores reclamam que ficaram sem sol depois da chegada dele", conta.

"O bairro não comporta o gabarito utilizado. O prédio é um desastre, que nega a relação com seu entorno. O jardim suspenso sobre um paredão lembra a Estrela da Morte [a estação espacial dos vilões de 'Star Wars'] ", comenta Ricardo Sardenberg, curador e crítico de arte.

Otávio não desvia das críticas. "A gente tem que ouvir as pessoas, mas quando fizeram a pirâmide do Louvre, meteram o pau. Hoje as pessoas sabem que tem um significado. Entre fazer uma coisa ousada e mais do mesmo, vou na ousadia. O prédio é muito importante pro bairro, pois abriga muitas empresas de criatividade", rebate.

A estratégia de construir vários edifícios na Vila Madalena gerou problemas com os moradores tradicionais do bairro, que vão perdendo a tranquilidade com a chegada de mais vizinhos. "A Zarvos faz prédios bonitos e modernos, mas tudo em excesso faz mal. O trânsito não dá mais conta. Vamos virar uma nova Moema", teme Calazans, da Savima.

"O bairro tem muito a ver com o que eu faço: diversidade cultural e econômica enorme", diz Zarvos. "Tem baladas e bares também, mas eu nem bebo e durmo às 22h todos os dias", afirma ele, que planeja seguir atuando apenas nos arredores da Vila Madalena.

FAMÍLIA

A vida do empresário gira em torno da construção civil desde a infância. Seu pai, Tito Zarvos, tinha uma construtora de casas populares, que faliu nos anos 1980. Depois de se formar em administração na Faap, aos 25 anos, Otávio criou com o irmão uma incorporadora, que construía casas e prédios na zona oeste.

No começo dos anos 2000, ele passou a frequentar a praia de Jericoacoara, no Ceará, para praticar windsurf. Lá, conheceu sua esposa, a estilista argentina Magdalena —com quem tem três filhas, de 3, 9 e 14 anos. Depois de alguns meses, viu a falta de hospedagem do local como uma oportunidade e resolveu criar uma pousada na praia, a Vila Kalango. A propriedade foi vendida alguns anos depois por US$ 300 mil (R$ 1,1 milhão, na cotação atual). Na época, a sociedade com o irmão já havia sido desfeita e ele usou o dinheiro para criar a Idea! Zarvos, em 2005.

"No começo, era só eu, uma secretária e uma pessoa de contas a pagar", lembra. "Fazia tudo. Achava um terreno, bolava o projeto, com desenhos meus, e levava para um investidor. Na hora de fazer mesmo, chamava um arquiteto e dava um briefing bem adiantado." Por influência de Magdalena, passou a se interessar mais por arquitetura e a conhecer melhor o trabalho de arquitetos no Brasil e no mundo.

Ao ampliar seu repertório, passou a colocar novas propostas em prática. Em vez de apostar em concursos para a escolha de quem fará cada prédio, ele costuma convidar os arquitetos cujos trabalhos lhe chamam a atenção. E dá liberdade para que eles criem, sem que precisem, em tese, se preocupar com a parte de engenharia ou de custos.

A partir de 2006, ele passou a trabalhar com Luiz Felipe Carvalho, arquiteto que se tornaria sócio da empresa em 2010. O momento favorável do setor imobiliário na década passada ajudou. Agora, com a crise, os preços de insumos caíram, mas a procura por imóveis também declinou.

"A gente trabalhou, pagou imposto, fez tudo. O governo não fez, então agora nós estamos colhendo isso. Espero que as pessoas aprendam a votar da próxima vez", diz ele, que faz parte do coro dos inconformados com a situação do país.

Outro impulso para a Idea!Zarvos foi conquistar reconhecimento internacional. O prédio 360º no topo da colina que separa o Alto de Pinheiros do Alto da Lapa, criado pelo brasileiro Isay Weinfeld, foi escolhido o melhor projeto de 2009 no inglês MIPIM AR Future Projects Awards. Seu formato, que lembra as peças de um cubo mágico, permite a todos os apartamentos ter vista para os quatro pontos cardeais, por amplas janelas. "Eles [da Zarvos] entendem o que dizemos. Caminhamos na mesma direção, na busca por uma arquitetura que expresse o nosso tempo", diz Weinfeld.

Ao longo dos anos, Zarvos deixou de lado duas propostas iniciais —construir em terrenos pequenos ("era o que dinheiro permitia fazer no começo") e oferecer planta flexível (o morador poderia trocar o quarto e a cozinha de lugar, por exemplo). O motivo das duas desistências foi o mesmo: a conta não fechava.

Outra crítica que se faz aos prédios de Zarvos são as falhas no acabamento. Otávio culpa a falta de mão de obra qualificada durante o boom imobiliário. "Simplesmente não tinha gente pra construir os prédios. Quem aparecia não sabia ler nem escrever. Acho que foi até muito pouco o que aconteceu de erros", diz.

FUTURO
Queixas também são comuns quando se fala nos preços —que são salgados. Os imóveis da incorporadora costumam custar mais do que a média do bairro. Um apartamento Zarvos à venda no Alto da Lapa, por exemplo, custa a partir de R$ 11.900 o m², acima da média de R$ 9.470 por m² da região, de acordo com o índice Fipe/Zap. "Um professor de arquitetura não tem renda para comprar um apartamento nosso", lamenta Zarvos.

Com as mudanças na lei de zoneamento que estimulam moradias mais baratas em áreas nobres, a empresa lançará neste ano um edifício voltado para a chamada Habitação de Mercado Popular, a faixa de renda familiar mensal entre seis e dez salários mínimos. Para viabilizar financeiramente o negócio, o prédio terá um estacionamento voltado ao público externo e uma loja de médio porte no térreo. E ficará, obviamente, na Vila Madalena.

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