Churrasco volta ao básico, vira tema de reality show e ganha novas casas

Madeira, fogo, fumaça e carne: o essencial da culinária. É o que diz Michael Pollan, no livro "Cozinhar - Uma História Natural da Transformação" (2013), sobre o ofício dos mestres churrasqueiros. O velho "método de assar carnes na grelha ou no espeto" (na definição do "Houaiss") continua mais aceso do que nunca. Além da inauguração de restaurantes, como o BOS BBQ, em Pinheiros, e da abertura do Açougue Central, de Alex Atala, prevista para abril, o churrasco também é tema de eventos e de programas de TV.

No reality show "BBQ Brasil - Churrasco na Brasa", que estreou em fevereiro no SBT, 14 participantes disputam o título de "melhor churrasqueiro amador do país" —o programa vai ao ar aos sábados, às 21h30. No júri, o chef Carlos Bertolazzi e o especialista em carnes Rogério Betti testam as habilidades dos candidatos e pincelam dicas de preparo: tipos de corte, pontos da carne, guarnições. Nas provas, é claro, ninguém escapa da churrasqueira, onde se deve preparar de tudo, inclusive os acompanhamentos.

Betti, que nasceu em família de açougueiros (da extinta rede Carnes Flórida), segue a tradição. Ele começou a postar nas redes sociais fotos das carnes que maturava em casa para consumo próprio, colhendo "likes" de gente que nem fazia parte de seu círculo de amigos —hoje, sua conta no Instagram (@debetti) tem mais de 56 mil seguidores.

Em abril, ele deve inaugurar o açougue DeBetti, que vai operar em loja física (na rua Curumins, 11, no bairro Cidade Jardim) e também on-line. "A meta é entregar carnes na casa dos clientes em poucas horas", conta. As carnes "dry aged" (maturadas a seco) que lhe deram fama serão o foco das vendas, mas a oferta vai abarcar ainda cortes frescos (de nelore e angus) e uma seção de charcutaria com embutidos defumados.

Além do açougue, Betti expande os negócios numa parceria com seu vizinho de parede: o bar Ilha das Flores (no número 5 da mesma rua), em três ou quatro meses —a depender do ritmo da reforma—, passa a operar como um steak bar, com cardápio de carnes e hambúrgueres grelhados a lenha e a carvão.

Dispensar outros métodos de cocção (a gás ou elétricos) e só usar "fogo de verdade" são, aliás, mandamentos da Churrascada, um evento que Betti ajudou a idealizar, inspirado no festival internacional de "barbecue" Meatopia.

Em três edições, a Churrascada, que é itinerante, reuniu 4.300 pessoas. Com convites que chegam a R$ 300, a festa gastronômica é realizada sempre ao ar livre, com oferta de carnes assadas na parrilla, no bafo ou até num varal de aves, ousadia do chef Diego Belda. Por quatro horas, Belda assou galinhas-d'angola, faisões, codornas e patos no calor do fogo de chão. Outros cozinheiros, como Priscila Oliveira (do Pobre Juan), Ligia Karasawa (Brace Bar & Griglia), Julio Raw (Z Deli Sandwich Shop) e Roberto Ravioli (Empório Ravioli) também já armaram suas churrasqueiras em edições do evento. A próxima rodada paulistana será em agosto —com vendas divulgadas via Instagram (@churrascada).

Carlos Tossi, entusiasta das carnes defumadas, passou 18 horas a assar cinco javalis inteiros em uma churrasqueira de alvenaria na segunda edição do evento. "Barbecue é um estilo de vida", diz ele.

A mesma obstinação Tossi leva para cozinha do BOS BBQ, que reabriu em fevereiro, em Pinheiros —o restaurante funcionou entre 2012 e 2015, no Itaim Bibi. No novo endereço, a casa opera à semelhança das steak houses texanas, sem garçons, com pedidos feitos no balcão.

Vez ou outra, Tossi estaciona seu pit (tipo de churrasqueira) na calçada e prepara ali mesmo seus briskets (miolo do peito bovino) e costelas defumadas -a fumaceira que escapa da chaminé é uma isca para quem passa pela avenida Pedroso de Moraes.

LARANJEIRA

Para preparar o brisket, a estrela do cardápio, Tossi utiliza madeira de laranjeira, "que dá um toque cítrico à carne". No pit, carne e lenha ficam em compartimentos separados —é o calor da fumaça (entre 95º C e 115º C) que assa (e defuma) o peito bovino.

Após arrastadas 18 horas, o corte é oferecido em porções de 300 gramas (R$ 25). Acompanhamentos, como o "corn pudding", um pão molhadinho de milho, são à parte.

O tempo também é precioso para Jefferson Rueda em sua Casa do Porco Bar, aberta em outubro de 2015. Animais inteiros são trazidos de São José do Rio Pardo e assados por oito horas em duas churrasqueiras a carvão feitas sob medida para o chef. Como o porco San Zé (R$ 42), que combina pedaços de carne mais secos a outros mais gordurosos, num equilíbrio de crocância e untuosidade.

A receita de Rueda, trazida das quermesses do interior paulista, lembra a definição de churrasco dada pelos mestres norte-americanos da Carolina do Norte. Naquela região, "barbecue" significa assar lentamente porcos inteiros (não vale só a costela!) no calor de lenha ou carvão.

A inspiração vinda dos Estados Unidos, aliás, é visível em boa parte das iniciativas recém-surgidas na cidade. Mas há também uma pitada de cozinha gaúcha.

Nesse caso, o sotaque da América do Sul vem da cozinha do uruguaio Diego Perez Sosa, que dá o ar da graça na "Chef's Table", série documental do Netflix. Não como estrela (lugar ocupado pelo argentino Francis Mallmann), mas como aprendiz do "rei do fogo".

Mallmann, que abriu mão dos louros da alta gastronomia para cozinhar a céu aberto —com lenha e fumaça—, foi mestre de Sosa entre 2010 e 2015. Nesse período, o pupilo aperfeiçoou técnicas que assimilou espontaneamente na infância, durante as reuniões de família. "O churrasco é uma tradição gaúcha. Nas festas de fim de ano, sempre assávamos um animal inteiro", conta.

Em voo solo, Sosa desembarcou no Brasil no ano passado e, desde então, promove eventos particulares. No último final de semana, queimou 150 quilos de lenha para alimentar convidados e músicos que se apresentaram no Lollapalooza.

Para fazer churrascos completos, com entrada, guarnições e sobremesa, ele cobra R$ 250 por pessoa. "O cliente só precisa ter um jardim ou um espaço ao livre", afirma. Sosa leva toda a parafernália necessária, utensílios (de ferro fundido, ressalta), lenha (geralmente achas de laranjeira ou de árvores de café) e ingredientes.

E prepara a comida lentamente —só para ajustar o fogo, ele leva uma hora. Labaredas só são permitidas no preparo do cordeiro, que ainda assim, fica do lado oposto do vento para que a chama não atinja diretamente a peça. O restante dos cortes assa no calor das brasas. "Fogo alto estressa a carne", explica. As peças perdem o sumo e ficam rígidas.

A depender do ingrediente, o cozinheiro usa diferentes técnicas: fogo de chão, grelha, "infiernillo" (estrutura para trabalhar com dois níveis de fogo, em cima e embaixo).

Sosa, que não é açougueiro por formação, planeja passar duas semanas na Itália para aprender sobre o ofício com Dario Cecchini.

A dupla faz parte do movimento Estados Unidos de la Carne, que trabalha pela valorização do animal (Rueda também é membro do time). "Umas das formas de valorizar o animal é abrir o espectro do consumo da carne. Não dá para comer só o contrafilé", afirma.

Pois no Açougue Central, de Alex Atala, as estrelas do cardápio serão justamente os cortes menos populares do boi. "É uma oportunidade de desenvolver o aproveitamento total do alimento", diz Atala.

Além de operar como açougue, a casa abarca um restaurante que vai funcionar no rooftop. As opções serão assadas na parrilla ou preparadas na panela ou forno. O novo empreendimento, no 384 da rua Girassol, na Vila Madalena, deve abrir as portas mês que vem.

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CORTE, COMPRE, SABOREIE

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AÇOUGUES

BEEF PASSION
A loja conceito, em Higienópolis, oferece 72 cortes de carnes diferentes (de gados wagyu e angus), mas seus produtos também podem ser encontrados em outras lojas, como o Açougue Central, de Alex Atala, que deve inaugurar em abril. Conta com um espaço gourmet, onde são promovidas aulas e que pode ser locado para eventos particulares.

R. Barão de Tatuí 229, Higienópolis, tel. 3661-8090. Seg. a sex.: 10h às 18h e Sáb.: 10h às 14h. CC: todos. Entrega em domicílio (delivery@beefpassion.com.br)

FEED
Num salão clean e moderno, opera como açougue, loja de utensílios e restaurante —onde oferece almoço-executivo com carnes grelhadas e bufê de acompanhamentos. A cada mês lança um calendário de aulas: dia 30/3 o tema é "Churrasco - Segredos da Brasa e da Crosta" (R$ 150). No dia seguinte, o assunto da aula são as "Receitas de Grelha" (R$ 180).

R. Dr. Mário Ferraz, 547, Jardim Paulistano, região oeste, tel. 5627-4700. 36 lugares. Seg. a sex.: 9h às 21h. Sáb.: 9h às 19h. Dom.: 9h às 15h. CC: AE, D, E, M e V. Valet (R$ 23 - almoço). Entrega em domicílio (seg. a sex., 9h às 18h30; sáb., 9h às 15h).

THE BUTCHER
O açougue em Pinheiros trabalha com cortes de gado wagyu (considerado o melhor do mundo) e angus. Além das carnes, oferece cervejas artesanais, carvão e outros itens para preparar churrasco —incluindo churrasqueiras. Em junho, deve inaugurar um espaço para eventos e aulas de gastronomia.

R. Ferreira de Araújo, 330, Pinheiros, tel. 3032-5053. Seg.: 11h às 20h. Ter. a sex.: 10h às 21h. Sáb.: 9h às 19h. Dom.: 10h às 16h. CC: AE, D, E, H, M e V. Entrega em domicílio (seg. a sex., 11h às 19h; sáb., 10h às 18h; dom., 11h às 14h).

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RESTAURANTES

BOS BBQ
Após fechar as portas em 2015 e passar a fazer churrasco de forma itinerante, o restaurante voltou a ter um ponto fixo. No cardápio, o Pitmaster Special (R$ 89) traz seis tipos de carnes defumadas —brisket, costelinha, pulled pork (carne suína desfiada), linguiça, coxa e sobrecoxa de frango.

Av. Pedroso de Morais, 1.036, Pinheiros, região oeste, tel. 3034-1371. 78 lugares. Ter. a sex.: 12h às 15h e 18h às 23h30. Sáb. e dom.: 12h às 23h30. CC: AE, D, M e V. Valet (R$ 20).

BRACE BAR & GRIGLIA
Sob o comando da chef Ligia Karasawa, sugere pratos de sotaque italiano preparados na grelha. Destaque para o peixe do dia servido com tomate assado e molho pesto (R$ 56).

Eataly. av. Pres. Juscelino Kubitschek, 1.489, Vila Nova Conceição, região sul, tel. 3279-3323. 120 lugares. Seg. a qui.: 12h às 15h e 19h às 23h. Sex.: 12h às 15h e 19h às 24h. Sáb.: 12h às 24h. Dom.: 12h às 23h. CC: AE, Au, D, E, M e V. T: A, Gv, P, So, Te e Vr.

CHOU
Num agradável jardim, prove as receitas da chef Gabriela Barretto. A maioria das opções é preparada na grelha a lenha, como a bisteca suína com sálvia, manteiga e limão (R$ 54).

R. Mateus Grou, 345, Pinheiros, região oeste, tel. 3083-6998. Ter. a qui.: 20h às 23h45. Sex. e sáb.: 19h30 à 0h45. CC: AE, D, M e V. Valet (R$ 20).

POBRE JUAN
No restaurante, brilham os cortes argentinos assados na parrilla —o bife ancho Pobre Juan é um dos mais pedidos. Pode acompanhar a pupunha na brasa.

R. Tupi, 979, Santa Cecília, região central, tel. 3825-0917. 220 lugares. Seg. a qui.: 12h às 15h e 19h às 24h. Sex.: 12h às 16h e 19h às 24h. Sáb.: 12h às 24h. Dom.: 12h às 20h. CC: AE, D, M e V. Valet (R$ 25).

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